domingo, 30 de novembro de 2008

CURSO DE PORTUGUÊS JURÍDICO

Regina Toledo Damião

Antonio Henriques


8ª Edição, São Paulo: Atlas, 2000, p. 17-37





















COMUNICAÇÃO JURÍDICA


1.1 CONCEITOS
Já é sabido e, mesmo, consabido que o ser humano sofre compulsão natu­ral, inelutável necessidade de se agrupar em sociedade, razão por que é denomi­nado ens sociale. Cônscio de suas limitações, congrega-se em sociedade para per­seguir e concretizar seus objetivos; assim, o ser humano é social natura sua, em decorrência de sua natureza.
Daí, a propensão inata do homem em colocar o seu em comum com o pró­ximo. Tal colocar em comum é o comunicar-se, é a comunicação. Já o latim communicare se associa à idéia de convivência, relação de grupo, sociedade. O objetivo da comunicação é o entendimento; como disse alguém, a história é uma constante busca de entendimento.
A comunicação ultrapassa o plano histórico, vai além do temporal; por isso, assistiu razão ao poeta latino Horácio dizer que ele não morreria de todo e a melhor parte de seu ser subsistiria à morte.
Porque o homem é um ser essencialmente político, a comunicação só pode ser um ato político, uma prática social básica. Nesta prática social é que se assen­tam as raízes do Direito, conjunto de normas reguladoras da vida social.
Aceito, então, que o Direito desempenha papel político, função social, pode­se dizer que suas características fundamentais são a generalidade (que não se con­funde com neutralidade) e a alteridade (bilateralidade).
18 INTRODUÇÃO À COMUNICAÇÃO
Constitui-se a sociedade não de eu + eus, mas, de ego + alter, ou, para se usar um neologismo de Carlos Drummond de Andrade (apud Monteiro, 1991:36), de "eumanos", isto é, de eu + humanos.
Dá-se a comunicação pelo falar e só ao homem reserva-se a determinação de falar. Eugênio Coseriu observa que o homem é "um ser falante" ou, melhor, é "o ser falante".
Comunica-se o homem de forma verbal ou não verbal; esta última acon­tece de várias formas como:
· Linguagem corporal
Na crítica cinematográfica é comum dizer que o corpo fala por Charles Chaplin e, constantemente, ressalta-se a expressividade dos olhos de Bette Davis.
No romance O processo Maurizius, Jakob Wasermann fala em olhos interrogativos, olhar inquiridor, olhar sombrio e hostil etc.
Sabe-se que os olhos mereceram especial atenção de Machado de Assis, pois lhe retratavam a natureza íntima - boa ou má - das pessoas. Para ficar com apenas uma obra, encontram-se em Dom Casmurro, olhos dorminhocos (Tio Cosme); olhos curiosos (Justina); olhos refletidos (Escobar); olhos quentes e intimativos (Sancha); olhos policiais (Escobar); olhos oblíquos e de ressaca (Capitu).
Na debatida questão do adultério de Capitu, entre os argumentos, todos indícios, embora alguns veementes, há o olhar de Capitu perto do esquife de Escobar.
Frente aos fatos trágicos da vida, desfivelam-se as máscaras e frustram-se as dissimulações; é o que acontece com Capitu. Ela fita o defunto com olhos de viúva e revela, então, que o homem dela, seu marido, de facto, era Escobar.
Avalie-se a força do olhar nos versos de Menotti del Picchia:
"A peçonha da cobra eu curo... Quem souber cure o veneno que há no olhar de uma mulher!"
As partidas de futebol tornaram-se mais atraentes com a linguagem gestual dos jogadores. Já na antiga Roma, nos jogos circenses, o imperador, com o pole­gar levantado ou abaixado, prolatava as sentenças de vida ou de morte.
Cesare Lombroso, fundador da Antropologia Criminal, procurava identi­ficar o criminoso pelo levantamento de determinados traços físicos ou pela con­formação óssea do crânio.
Assim, exprime-se Lombroso em L’uomo delinquente:
"Nessa manhã de um soturno dia de dezembro, não foi apenas uma idéia o que tive, mas um relâmpago de clarividência. Ao ver o crânio do salteador Vi-

COMUNICAÇÃO JURÍDICA 19
hella, percebi subitamente, iluminado como uma imensa planície sob um céu em fogo, a natureza do criminoso. Um ser atávico, reproduzindo os ferozes instintos da humanidade primitiva, dos animais inferiores. Assim podemos explicar (o crimi­noso) pelas enormes mandíbulas, ossos salientes das maçãs, arcos proeminentes dos supercílios, tamanho exagerado das órbitas, olhar sinistro, visão extremamente aguçada, nenhuma propensão à calvície, orelhas em alça, insensibilidade à dor, nariz tendendo à direita, falta de simetria geral. No comportamento, indolência excessiva, incapacidade de ruborizar, paixão por orgias - e desejo insano do mal pelo próprio mal. Vontade não apenas de tirar a vida da vítima mas também de mutilar-lhe o corpo, rasgar sua carne, beber seu sangue."
(Soares, Veríssimo, Millôr, 1992:93)
Pela mímica pode-se conhecer o testemunho de surdos-mudos como ocor­reu em Mogi das Cruzes (Folha de S. Paulo, 30-4-93).
A falsidade de um depoimento pode revelar-se até mesmo pela transpiração, pela palidez ou simples movimento palpebral.
· Linguagem do vestuário
Os postulantes aos cargos públicos, em Roma, vestiam-se de túnicas bran­cas, indício da pureza de suas intenções e, por isso, chamavam-se candidatos (de candidus-a-um).
A toga, como qualquer peça do vestuário, é uma informação indicial da função exercida pelo juiz e a cor negra sinaliza seriedade e compostura que de­vem caracterizá-lo. Não se misturam trajes como não se usurpam funções e, as­sim, andou com a razão um ex-senador ao dizer que “japona não é toga”.
Tem-se notado a freqüência significativa de mulheres de preto em Macha­do de Assis, todas, ou quase todas, viúvas. Há mesmo um conto com o título: "A mulher de preto." De novo, a cor preta está associada ao respeito e à seriedade. Mas há quem se pergunte: Machado estaria realmente interessado na cor preta ou nas viúvas?
João Ribeiro, em nota de rodapé (1960:98), estabelece relação entre a propriedade básica - casa ou habitação - e os nomes de vestes: casa e casaca; capa e cabana (capana); habitar e hábito. Vai mais longe e associa fatiota à enfiteuse.
Há de se dizer, como remate, que mesmo o calar-se é um ato de comuni­cação. Eugênio Coseriu considera o calar-se como o "ter deixado-de-falar" ou "o não falar ainda". É, pois, determinação negativa de falar, o que constitui, também, uma prerrogativa do ser humano.
Tanto o é que, segundo Ernout e Meillet, os latinos, pelo menos até a épo­ca clássica, tinham dois verbos para o ato de calar-se: silere, para os seres irracio­nais, e tacere, para os seres racionais.

20 INTRODUÇÃO A COMUNICAÇÃO
No Direito, fala-se em "tácita aceitação", "tácita recondução", "renúncia tácita", "confissão tácita", "tácita ratificação". Magalhães Noronha (1969:115) diz que o silêncio do denunciado pode ser interpretado contra ele.
Observe-se que nos bons filmes de faroeste há sempre aquele momento em que o silêncio desperta suspeitas no mocinho.
1.2 ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO
Estabelecido que o texto jurídico é uma forma de comunicação, nele ocor­rem os elementos envolvidos no ato comunicatório; deve haver, então, um objeto de comunicação (mensagem) com um conteúdo (referente), transmitido ao recep­tor por um emissor, por meio de um canal, com seu próprio código.
Fundamental é lembrar que toda e qualquer forma de comunicação se apóia no binômio emissor-receptor; não há comunicação unilateral. A comunicação é, basicamente, um ato de partilha, o que implica, no mínimo, bilateralidade.
O ato comunicatório não pode ser ato solitário, antes, é um ato solidário entre indivíduos inter-relacionados na sociedade, razão por que não se pode re­solver num ato individual ou na intersubjetividade.
Afirma-se que mesmo o ato de não-comunicação é comunicação e, nesse caso, a expressão preso incomunicável deve ser entendida cum grano salis.
Estabelecido que a comunicação não é ato de um só, mas de todos os ele­mentos dela participantes, verifica-se que a realização do ato comunicatório ape­nas se efetivará, em sua plenitude, quando todos os seus componentes funciona­rem adequadamente.
Qualquer falha no sistema de comunicação impedirá a perfeita captação da mensagem. Ao obstáculo que fecha o circuito de comunicação costuma-se dar o nome de ruído. Este poderá ser provocado pelo emissor, pelo receptor, pelo ca­nal.
Considerem-se os casos:
1. Numa sessão de júri: se o juiz não conhecer o código do acusado e o intérprete estiver ausente, suspender-se-á a sessão, pois há ruído im­pedindo a comunicação. O mesmo ocorrerá se houver quebra de sigi­lo entre os jurados. Há interferência negativa no sistema de comuni­cação.
2. Numa projeção cinematográfica: na exibição de um filme falado em inglês (não legendado), a comunicação será plena, parcial ou nula dependendo do domínio do código (inglês) por parte do espectador. O mesmo poderá ocorrer caso o ator fale extremamente rápido.


COMUNICAÇÃO JURÍDICA 21
3. Numa sala de aula: a comunicação não se fará, mesmo com o domínio do código, se o referente for bastante complexo.
Para que se estabeleça interação comunicativa, o mundo textual deve ser semelhante.
Daí a necessidade de um juiz socorrer-se de peritos ou intérpretes para elucidação de casos específicos. Magalhães Noronha (op. cit. p. 116) estabelece o modus operandi no interrogatório de mudos, surdos-mudos, analfabetos e estran­geiros.
No requerimento a seguir (petição), podem-se mostrar os elementos da comunicação.
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito de...
Eutanásio Boamorte, brasileiro, solteiro, R.G. nº ................................, decorador; residente na Rua B, nº 16, Jardim Mascote, vem requerer seja expedida ordem de Habeas Corpus a favor de Asnásio da Silva pelas razões seguintes:
1. Asnásio da Silva foi preso no dia 10 do fluente mês, na rua B, nº 17 (Jardim Mascote), por agentes policiais, constando ter sido conduzido para a De­legacia do 38º Distrito Policial.
2. A prisão é ilegal, pois não ocorreu em flagrante delito e não houve mandado de prisão.
3. O auto de prisão em flagrante, além de indevido, é nulo, pois o detido é menor de vinte e um anos e não lhe foi nomeado curador no momento da lavratura do auto.
4. Os casos em que alguém pode ser preso estão disciplinados na lei e na Constituição. Qualquer prisão fora dos casos legais permite a impetração de Habeas Corpus.
5. Em face desta ilegalidade requer digne-se Vossa Excelência conceder­-lhe a ordem pedida e determinar o relaxamento da prisão do paciente.
São Paulo, 10 de julho de 1993.
a. Eutanásio Boamorte.
Obs.: os nomes Eutanásio Boamorte e Asnásio da Silva são de Pedro Nava.
Elementos da comunicação:
Emissor - é o autor do requerimento, Eutanásio Boamorte; ele é o destinador, o produtor, a fonte da mensagem.
Receptor - é o Juiz de Direito; a mensagem lhe é enviada; ele é o desti­natário.
Mensagem - coação ilegal.
22 INTRODUÇÃO A COMUNICAÇÃO
Canal - no caso, o canal é a folha, o papel em que se faz o requerimento. O Habeas Corpus pode ser impetrado por telefone ou telegrama; en­tão o canal poderá ser o telefone ou o telegrama.
Código - é a linguagem verbal: escrita em língua portuguesa.
Referente - ato prisional.
1.3 FUNÇÕES DA LINGUAGEM
O estudo de Karl Bühler sobre as funções da linguagem, assunto desenvolvido por Roman Jakobson em Linguística e comunicação, aplica-se também ao Direito.
Um acusado, em seu depoimento, serve-se, em geral, de uma linguagem marcadamente subjetiva, carregada dos pronomes eu, me, mim, minha, enfatizando o emissor; caracteriza-se, assim, a função emotiva.
A informação jurídica é precisa, objetiva, denotativa; fala-se, então, de função referencial. Nada impede, porém, que o texto jurídico se preocupe, v g., com a sonoridade e ritmo das palavras, valorizando a forma da comunicação; tem-­se, assim, a função poética.
A linguagem de dicionários e vocabulários jurídicos está centrada no có­digo e a função será metalingüística.
Sabe-se, por outro lado, que o texto jurídico é, eminentemente, persuasório; dirige-se, especificamente, ao receptor; dele se aproxima para convencê-lo a mu­dar de comportamento, para alterar condutas já estabelecidas, suscitando estímu­los, impulsos para provocar reações no receptor. Daí o nome de função conativa, termo relacionado ao verbo latino conari, cujo significado é promover, suscitar, pro­vocar estímulos.
Faria (1989:28) fala de tais funções da linguagem servindo-se, embora, de outros termos como função diretiva (conativa).
O discurso persuasório apresenta duas vertentes: a vertente exortativa e a vertente autoritária (imperativa).
Os textos publicitários utilizam mais a vertente exortativa e, para maior efeito, apelam para a linguagem poética; os mais idosos lembram-se, por certo, da propaganda de alguns remédios. Eis duas amostras:
"Na sua casa tem mosquito, Não vou lá.
Na sua casa tem barata, Não vou lá.
Na sua casa tem pulga, Não vou lá.Peço licença para mandar Detefon em meu lugar"
Alka Seltzer
Existe apenas um.
E como Alka Seltzer
Não pode haver nenhum."
A vertente autoritária é típica do discurso jurídico; basta atentar-se para o Código Penal e para expressões como: "intime-se", "afixe-se e cumpra-se", "revo­guem-se as disposições em contrário", "arquive-se", conduzir "sob vara" ou manu militari, "justiça imperante" e outras muitas. Monteiro (1967a:14) é taxativo: "Além de comum a lei é, por igual, ‘obrigatória’. Ela ordena e não exorta (jubeat non suadeat); também não teoriza. Ninguém se subtrai ao seu tom imperativo e ao seu campo de ação."
O discurso persuasório coercitivo caracterizou a igreja católica, cujas linhas diretrizes eram o memento mori e os Novíssimos (morte/juízo, inferno/paraíso). Ingmar Bergmann lembra o clima de medo medieval e o Dies irae no célebre fil­me O sétimo selo. Hoje, o discurso eclesial é mais exortativo.
Aparece o mesmo tipo de discurso no texto dos chamados "justiceiros", cujo representante maior - Gil Gomes - parece revestir-se das funções de juiz no tri­bunal e, para maior efeito dramático, serve-se de tom de voz soturno como que provindo do além-túmulo e como a prenunciar o Julgamento Final.
1.4 LÍNGUA ORAL E LÍNGUA ESCRITA
Efetuar-se-á o processo de comunicação por meio da linguagem oral ou da escrita. A expressão escrita difere, sensivelmente, da oral, muito embora a lín­gua seja a mesma. Não há dúvidas: ninguém fala como escreve ou vice-versa.
Em contato direto com o falante, a língua falada é mais espontânea, mais viva, mais concreta, menos preocupada com a gramática. Conta com vocabulário mais limitado, embora em permanente renovação.
Já na linguagem escrita o contato com quem escreve e com quem lê é in­direto; daí seu caráter mais abstrato, mais refletido; exige permanente esforço de elaboração e está mais sujeita aos preceitos gramaticais. O vocabulário caracteri­za-se por ser mais castiço e mais conservador.
A língua falada está provida de recursos extralingüísticos, contextuais - gestos, postura, expressões faciais - que, por vezes, esclarecem ou complementam o

24 INTRODUÇÃO À COMUNICAÇÃO
sentido da comunicação. O interlocutor presente torna a língua falada mais alu­siva, ao passo que a escrita é mais precisa.
1.5 NÍVEIS DE LINGUAGEM
A eficiência do ato de comunicação depende, entre outros requisitos, do uso adequado do nível de linguagem.
Enquanto código ou sistema, a língua abre possibilidades de um sem-nú­mero de usos que os falantes podem adotar segundo as exigências situacionais da comunicação.
Às variações - sociais ou individuais - que se observam na utilização da linguagem cabe o nome de variantes lingüísticas (dialetos).
Dá-se o nome de fala, níveis de linguagem ou registros às variações quan­to ao uso da linguagem pelo mesmo falante, impostas pela variedade de situação.
Haveria, assim, três principais níveis ou registros:
A - Linguagem culta (variante-padrão). Em latim, era o sermo urbanus ou sermo eruditus. Utilizam-na as classes intelectuais da sociedade, mais na for­ma escrita e, menos, na oral. É de uso nos meios diplomáticos e científicos; nos discursos e sermões; nos tratados jurídicos e nas sessões do tribunal. O vocabulá­rio é rico e são observadas as normas gramaticais em sua plenitude.
Esta linguagem, usam-na os juristas quando nos diferentes misteres de sua profissão. Não é mais a linguagem de Rui Barbosa, mas dela se aproxima.
O vocabulário continua selecionado e adequado; dir-se-ia, até, ritualizado ou mesmo burocratizado e, por isso, menos variado. Se se escolhessem as "dez mais" usadas pelos juristas, por certo, figurariam na lista: outrossim, estribar, militar (verbo), supedâneo, incontinenti, dessarte, destarte, tutela, argüir, acoi­mar.
Alguns termos gozam de predileção especial por parte de certos autores: incontinenti e supedâneo (Miguel Reale); dessarte (Magalhães Noronha); destarte (W M. de Barros).
Todos timbram em usar um estilo polido, escorreito e castigado no aspec­to gramatical. Há os que se excedem, mas, acredita-se, são poucos.
Segundo o Shopping News (27-9-92, p. 2), os ministros do STF usaram dezenove vezes a expressão "recepcionar o recurso" no julgamento do mandado de segurança de Collor contra atos da Câmara Federal. Por essas e por outras, o presidente do STF, Sidney Sanches, disse:
" - Agora, para melhorar nossa comunicação com a sociedade só falta eli­minarmos alguns preciosismos da linguagem jurídica."
Calha também citar Ceneviva (Folha de S. Paulo, 2-5-93, p. 4-2):
"O direito é uma disciplina cultural, cuja prática se resolve em palavras.
Direito e linguagem se entrelaçam e se confundem. Algumas vezes – infeliz-
COMUNICAÇÃO JURÍDICA 25
mente, mais do que o necessário - os profissionais da área jurídica ficam tão empol­gados com os fogos de artifício da linguagem que se esquecem do justo e, outras vezes, até da lei. Nas acrobacias da escrita jurídica, chega-se a encontrar formas brilhantes nas quais a substância pode ser medida em conta-gotas. O defeito - também com desafortunada freqüência - surge mesmo em decisões judiciais que atingem a liberdade e o patrimônio das pessoas."
Exemplo de linguagem culta:
" O trabalho, pois, vos há de bater à porta dia e noite e nunca vos negueis às suas visitas, se quereis honrar vossa vocação, e estais dispostos a cavar nos veios de vossa natureza, até dardes com os tesoiros, que aí vos haja reservado, com ânimo benigno, a dadivosa Providência.
Ouvistes o aldabrar da mão oculta, que vos chama ao estudo? Abri, abri, sem detença. Nem, por vir muito cedo lho leveis a mal, lho tenhais à conta de importuna. Quanto mais matutinas essas interrupções do vosso dormir, mais lhas deveis agradecer.
O amanhecer do trabalho há de antecipar-se ao amanhecer do dia. Não vos fieis muito de quem esperta já sol nascente, ou sol nado. Curtos se fizeram, os dias, para que nós os dobrássemos, madrugando. Experimentai, e vereis quanto vai do deitar tarde ao acordar cedo. Sobre a noite o cérebro pende ao sono. Antemanhã, tende a despertar."
(Barbosa: 1951:36-37)
B - Linguagem familiar (sermo usualis). Utilizada pelas pessoas que, sem embargo do conhecimento da língua, servem-se de um nível menos formal, mais cotidiano. É a linguagem do rádio, televisão, meios de comunicação de mas­sa tanto na forma oral quanto na escrita. Emprega-se o vocabulário da língua co­mum e a obediência às disposições gramaticais é relativa, permitindo-se até mes­mo construções próprias da linguagem oral.
É claro que, como, aliás, o próprio Cícero disse, nenhum jurista vai usar em casa a mesma linguagem usada no Fórum.
C - Linguagem popular (sermo plebeius). Utilizam-na as pessoas de pouca escolaridade ou mesmo analfabetas e, com maior freqüência, na forma oral e, mais raro, na escrita. É a linguagem das pessoas simples (caboclos, favelados urbanos, analfabetos) nas comunicações diárias. O vocabulário é limitado, larga­mente penetrado pela gíria, frases feitas e formas deturpadas. Nota-se despreo­cupação com regras gramaticais de flexão.
Como exemplo de linguagem popular, apresentam-se dois verbetes do glos­sário do linguajar dos pescadores da região de lguape; foram extraídos da tese de doutoramento defendida, na USP, com brilho, pela Prof. Maria Margarida de Andrade, da Universidade Mackenzie.
26 INTRODUÇÃO À COMUNICAÇÃO
CANSERA DI PEITO - s.f. (VND). Bronquite. "Olhe, pur exemplo, qui nem essa simpatia, é pra cansera di peito. Cansera di peito, a pessoa pega... qui nem a aranha, na sexta-fera, né? Na sexta-fera chega i corta o "dente" nela, né? ma num mata ela. Corta o "dente" i sorta ela. Porque depois aquilo ali, pelo tem­po, ela vai, vai... i aquele corte do "dente" qui feiz sara, né? Então, diz qui quando ela sará, a pessoa sara também..."
CARNE - s.f. (VDAC). Carne bovina. "Eu prifiro mais pexe do que uma carne".
Embora o emprego do registro familiar e até mesmo do registro popular se venha expandindo, é imperioso o domínio do nível culto. Há de se pôr cobro à violentação grosseira das normas do bom falar e escrever. Urge resgatar a pureza e dignidade do vernáculo tão vilipendiado mesmo no campo jurídico. Causa es­pécie o funcionamento de faculdades de Direito em que se exclui a cadeira Lín­gua Portuguesa da grade curricular.
1.6 O ATO COMUNICATIVO JURÍDICO
O ato comunicativo ocorre quando há cooperação entre os interlocutores. O emissor possui o pensamento e busca a expressão verbal para fazê-lo conheci­do no mundo sensível (direção onomasiológica); o receptor possui a expressão verbal e caminha em direção ao pensamento, com o propósito de compreender a mensagem (direção semasiológica).
A linguagem representa o pensamento e funciona como instrumento me­diador das relações sociais. As variações socioculturais contribuem para diversifi­cações da linguagem, só não sendo mais graves as dificuldades em razão do es­forço social de uma linguagem comum, controlada por normas lingüísticas.
No mundo jurídico, o ato comunicativo não pode enfrentar à solta o pro­blema da diversidade lingüística de seus usuários, porque o Direito é uma ciência que disciplina a conduta das pessoas, portanto, o comportamento exterior e obje­tivo, e o faz por meio de uma linguagem prescritiva e descritiva.
Assim, quando os interesses se mostram conflitantes ou uma ação huma­na fere os valores da norma jurídica, exigindo reparação dos mesmos, forma-se a lide (litem > lite > lide = conflito), criando um novo centramento na relação entre os interlocutores processuais: a polêmica. No confronto de posições, a linguagem torna-se mais persuasiva por perseguir o convencimento do julgador que, por sua vez, resguarda-se da reforma de sua decisão, explicando, na motivação da sentença, os mecanismos racionais pelos quais decide.
O ato comunicativo jurídico não se faz, pois, apenas como linguagem en­quanto língua (conjunto de probabilidades lingüísticas postas à disposição do usuário), mas também, e essencialmente, como discurso, assim entendido o pen­samento
COMUNICAÇÃO JURÍDICA 27
organizado à luz das operações do raciocínio, muitas vezes com estrutu­ras preestabelecidas, e. g., as peças processuais.
O ato comunicativo jurídico não é, porém, Lógica Formal, como pode su­por uma conclusão apressada.
Exemplifique-se pelo silogismo non sequitur:
Todo criminoso ronda a loja a ser assaltada, antes do crime.
Pedro é criminoso e rondou a loja X, que foi assaltada.
Logo, Pedro assaltou a loja X.
A ação criminosa de Pedro é tão-somente suposição apoiada em meros indícios que não têm força condenatória.
Embora o estatuto do pensamento jurídico não seja a Lógica Formal, não pode prescindir das regras do silogismo lógico. As partes processuais organizam suas opiniões com representação simbólica que possa ser aplicada ao mundo real, demonstrando a possibilidade de correspondência entre motivo e resultado.
A "realidade" do raciocínio lógico não pode ser afirmada com certeza ab­soluta nem mesmo se presente estiver a rainha das provas: a confissão (confessio est regina probationum), porque alguém pode ter o animus necandi (intenção de matar), atirar contra o alvo pretendido e o resultado morte pode não ser conse­qüência direta de sua conduta dolosa, exigindo-se prova argumentativa da exis­tência do nexo causal ação/resultado.
O ato comunicativo jurídico, conclui-se, exige a construção de um discur­so que possa convencer o julgador da veracidade do "real" que pretende provar. Em razão disso, a linguagem jurídica vale-se dos princípios da lógica clássica para organização do pensamento.
O mundo jurídico prestigia o vocabulário especializado, para que o exces­so de palavras plurissignificativas não dificulte a representação simbólica da lin­guagem.
O discurso jurídico constrói uma linguagem própria que, no dizer de Miguel Reale (1985:8), é uma linguagem científica.
1.7 CONCEITOS BÁSICOS DE LINGÜÍSTICA E COMUNICAÇÃO JURÍDICA
Em remate, bom é explicar o processo comunicativo jurídico, tendo em vista conceitos lingüísticos básicos.


28 INTRODUÇÃO A COMUNICAÇÃO
Veja-se:


E
M
R
(emissor)
(mensagem)
(receptor)

• possui o pensamento
• busca a expressão

direção onoma- siológica

• Possui a expressão
• busca o pensamento

direção
sema-
siológica

1.7.1 Quanto ao emissor
Antes de possuir o pensamento, o emissor deve realizar relações paradig­máticas, ou seja, associação livre de idéias (idéia-puxa-idéia), incluindo oposições, pois ninguém possui alguma coisa sem antes adquiri-la.
Diante de um assunto, o emissor deve pensar livremente, com idéias sol­tas. Quanto maior for o vigor e a elasticidade dessa ginástica mental, mais idéias serão pensadas.
Possuindo o pensamento, ainda que desorganizado, o emissor busca a expressão, por meio de rigoroso roteiro onomasiológico (nome dado à atividade de codificação da mensagem) compreendendo as seguintes perguntas:
a. Quem sou eu, emissor? Dependendo do papel social, a codificação deve direcionar a mensagem e selecionar o vocabulário, e. g., a linguagem do Promotor de Justiça é diferente da utilizada pelo advogado de de­fesa.
b. O que dizer? Estabelecer com concisão, precisão e objetividade as idéias a serem codificadas, é imprescindível no discurso jurídico.
c. Para quem? Não perder de vista a figura do receptor é fundamental. Seria impertinente ao advogado explicar, pormenorizadamente, um conceito simplista de direito, em sua petição dirigida ao Juiz, como se lhe fosse possível "ensinar o padre-nosso ao vigário".
d. Qual a finalidade? O emissor nunca pode perder de vista o objetivo comunicativo, pois, dependendo de seu desiderato, irá escolher idéias e palavras para expressá-las.
e. Qual o meio? Quando o profissional de Direito peticiona, empregando a língua escrita, deve cuidar esmeradamente da língua-padrão, orga­nizando com precisão lógica seu raciocínio, com postura diferente daquela utiliza-
COMUNICAÇÃO JURÍDICA 29
da perante um Tribunal do Júri, ocasião em que a lin­guagem afetiva há de colorir e enfatizar a argumentação.
Imagine-se que um estudante de Direito tenha que elaborar redação so­bre o menor abandonado.
Em primeiro lugar, deverá pensar livremente sobre o assunto, cogitando sobre todas as idéias associativas.
Depois, deverá retirar delas as idéias que possam expressar seu plano redacional de acordo com o roteiro onomasiológico.
Assim, não pode ignorar que, sendo estudante de Direito, deve ter preo­cupação com enfoque jurídico.
Também, deve fixar a idéia central que pretende trabalhar, e. g., a delin­qüência infanto-juvenil.
As idéias serão selecionadas de acordo com o interesse do receptor, e. g., professor de Direito Penal.
A proposta temática indica a finalidade textual, e. g., discutir a antecipa­ção, ou não, da maioridade penal.
Deve, ainda, o redator empregar a língua culta, indispensável ao discurso escrito dissertativo-argumentativo.
Diante desse roteiro, o emissor busca a expressão, discurso sintaticamen­te organizado.
Ao roteiro onomasiológico cumpre organizar as idéias, selecionando e estruturando aquelas adequadas ao seu pensamento. Este processo de escolha das idéias e da forma de estruturá-las denomina-se relações sintagmáticas.
Assim, o esquema comunicativo tem posição vertical e posição horizontal.
Veja-se:


relações paradigmáticas
(idéias livre – plano vertical
de aprofundaemnto ideológico)



relações sintagmáticas
(seleção e escolha das idéias, de acordo com
roteiro onomasiológico, que serão
estruturadas sintática e estilisticamente)

Nas relações sintagmáticas, há um plano lógico de organização, de acordo com os atributos da linguagem:
30 INTRODUÇÃO À COMUNICAÇÃO

• recte:

reta
na primeira etapa do roteiro onomasiológico escolhem-se idéi­as lógicas e adequadamente inter- relacionadas à proposta temática.
• bene:

boa
em seguida, verifica-se a construção frásica que deve estar sinta-ticamente correta.
• pulchre:

bonita
a frase deve ser revestida de recursos estilísticos que a tornam mais atraente e persuasiva.

1.7.2 Quanto ao receptor
A direção semasiológica requer, também, um roteiro para, da expressão, chegar-se ao pensamento do emissor, julgá-lo e avaliá-lo.
O receptor parte das relações sintagmáticas em direção às relações paradigmáticas, em tríplice dimensão, de acordo com as operações do raciocínio.
a. alter > outro (compreensão): é a primeira operação do raciocínio.
O emissor deve captar literalmente a mensagem do emissor com análise gramatical do enunciado.
b. ego > eu (interpretação stricto sensu): é a segunda operação do raciocínio.
O receptor, depois de recepcionada e compreendida a mensagem do emis­sor, deve julgá-la, com seu posicionamento ou com o auxilio de julgamentos de outros emissores, ou, ainda, por meio das duas atividades.
No mundo jurídico, por muito tempo considerou-se que o receptor deve­ria ter o alter (outro) como atividade única e exclusiva da direção semasiológica, conforme o brocardo in claris cessat interpretatio.
Sendo clara a mensagem, bastaria compreendê-la passando-se para outras operações do raciocínio apenas se nebuloso ou incompleto, lógica e sintaticamente, for o pensamento do emissor.
Prevalece hoje o entendimento hermenêutico de que a claridade é requi­sito essencial do ato comunicativo do emissor, que não completa a atividade do receptor, devendo este último, depois de compreender, julgar e avaliar a mensa­gem do emissor.
c. alter/ego > outro/eu (crítica): é a operação do raciocínio da crítica.
Não significa, como se diz vulgarmente, ser a crítica encontrar defeitos na mensagem do emissor.
COMUNICAÇÃO JURÍDICA 31
Criticar é avaliar a validade/eficácia da idéia no mundo concreto, ava­liando sua aplicabilidade e efeitos = dimensão pragmática da hermenêutica.
Assim, ninguém interpreta, sem antes compreender. Pode haver a interpre­tação pura, mas não a crítica pura, pois criticar pressupõe ter antes interpretado a mensagem, existindo, porém, a interpretação crítica, na qual as duas operações do raciocínio são realizadas concomitantemente, na forma, mas com anteriorida­de interpretativa na formulação do pensamento.
Veja-se o exemplo, com mensagem extraída do Código Civil.
"Art. 370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher."
1. Compreensão
O dispositivo legal inicia-se por pronome indefinido absoluto (ninguém), afastando exceções. Refere-se ao sujeito paciente da voz passiva, recaindo sobre a pessoa do adotado que, sendo o elemento subjetivo, é o interesse jurídico do legislador.
O artigo afasta a possibilidade de alguém ser adotado por mais de uma pessoa (não pode ser adotado por duas), em relação binária: de um lado, um adotante; de outro, um adotado. É certo que não podendo ser alguém adotado por duas pessoas, não o será por mais de duas.
Na parte final do artigo, o legislador indica exceção, introduzida pela lo­cução conjuntiva condicional salvo se (equivale a exceto se, a menos que), permi­tindo, como exceção ao adotante, o binômio marido e mulher, que poderão ado­tar, excepcionando a regra inicial de que o adotado só poderá ter um adotante.
2. Interpretação stricto sensu
A adoção é regida atualmente pela Lei n° 8.069, de 13-7-1999, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas não ab-rogou o Capítulo V do Direito de Família (Livro I, Parte Especial do Código Civil Brasileiro), dando nova redação a alguns artigos, revogando outros, ou mantendo alguns dispositivos como sucedeu com o art. 370 do Código Civil.
De plano, deve-se anotar que a expressão adotante do Código Civil foi substituída por adotando (ECA).
Tanto o Código Civil quanto o ECA destacam a relação binária adotante (adotando)/adotado, e. g., arts. 369 e 376 do Código Civil e arts. 40, § 3°, e 49 do ECA.
A exceção marido e mulher deve, porém, ser interpretada com ampliação semântica, por força da Constituição Federal de 1988, que equiparou a União Es­tável (concubinato puro, não havendo impedimento para os concubinos conver­terem sua união estável em casamento civil) ao Casamento Civil.
32 INTRODUÇÃO A COMUNICAÇÃO
Assim, quando se lê marido e mulher, deve-se ampliar a compreensão para os concubinos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente realizou a tarefa ampliativa, veri­ficando-se que o § 1º do art. 41 diz "Se um dos cônjuges ou concubinos", deven­do-se entender como cônjuges a expressão do art. 370, Código Civil, marido e mulher.
O fato de não ter sido dada nova redação ao art. 370 não restringe a ex­pressão marido e mulher, pois a interpretação sistemática inclui a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Todavia, a mantença da expressão marido e mulher destaca as figuras pa­terna/materna, afastando a possibilidade de ampliar a relação de cunho conjugal para alcançar os homossexuais, para fins de adoção. Tanto o é que, mesmo o pro­jeto referente à relação contratual de homossexuais não admite a adoção entre companheiros do mesmo sexo.
Nota: Se na compreensão há univocidade na tarefa do receptor, o mesmo não ocorre na interpretação stricto sensu, que resulta de posicionamento do re­ceptor. Assim, poder-se-ia até admitir interpretação de marido/mulher como papéis sociais, independentemente das diferenças biológicas, permi­tindo-se a adoção neste relacionamento, posição não defendida em nossa interpretação.
2. Crítica
O art. 370 do Código Civil indica que o legislador defende a concepção cristã do casamento, que hoje se estende ao concubinato puro.
No casamento civil, homem e mulher deixam seus pais e constituem nova família, na qual os dois se tornam um só, com unidade de valores, direitos e res­ponsabilidades.
Sob este enfoque, marido e mulher (e concubinos) são um só - adotante/ adotando, porque se valoriza a harmonia na socialização do adotado, com o ideário de que marido e mulher (e concubinos) formam um conjunto de valores que ex­pressam o conceito de família, por meio de processo assemelhado à aculturação.
1.7.3 Estrutura do discurso comunicativo
Conforme foi visto, tanto na direção onomasiológica quanto na semasiológica existem relações paradigmáticas e sintagmáticas.
O emissor realiza as relações paradigmáticas, em primeiro plano, e, a se­guir, estabelece relações sintagmáticas.

COMUNICAÇÃO JURÍDICA 33
O receptor, por sua vez, parte das relações sintagmáticas para alcançar as relações paradigmáticas do emissor.
As relações paradigmáticas formam a estrutura de profundidade do texto (camada semântica que indica a intenção/extensão da idéia).
As relações sintagmáticas formam a estrutura de superfície do texto (rela­ções sintáticas que asseguram a eficácia semântica, traduzindo exatamente a idéia que se pretende transmitir).
1.8 EXERCÍCIOS
1. Cotejar os textos técnicos abaixo, considerando:
a. diferenças entre jargões: posturas do sociolingüista e do jurista diante do tema Linguagem e Comunicação.
b. semelhanças dos autores no emprego de normas da língua culta: coloca­ção pronominal e uso da vírgula.
TEXTO 1
A Linguagem do Legislador e a Linguagem do Jurista
Paulo de Barros Carvalho
"Dentro de uma acepção ampla do vocábulo ‘legislador’ havemos de inserir as manifestações singulares e plurais emanadas do Poder Judiciário, ao exarar suas senten­ças e acórdãos, veículos introdutórios de normas individuais e concretas no sistema do direito positivo. O termo abriga também, na sua amplitude semântica, os atos administra­tivos expedidos pelos funcionários do Poder Executivo e até praticados por particulares, ao realizarem as figuras tipificadas na ordenação jurídica. Pois bem, a crítica acima adscrita não se aplica, obviamente, às regras produzidas por órgãos cujos titulares sejam portado­res de formação técnica especializada, como é o caso, por excelência, dos membros do Poder Judiciário. Se atinarmos, porém, à organização hierárquica das regras dentro do sistema, e à importância de que se revestem as normas gerais e abstratas, como fundamento de validade sintática e semântica das individuais e concretas, podemos certamente concluir que a mencionada heterogeneidade de nossos Parlamentos influi, sobremaneira, na de­sarrumação compositiva dos textos do direito posto.
Se, de um lado, cabe deplorar produção legislativa tão desordenada, por outro sobressai, com enorme intensidade, a relevância do labor científico do jurista, que surge nesse momento como a única pessoa credenciada a desvelar o conteúdo, sentido e alcan­ce da matéria legislada.
Mas, enquanto é lícito afirmar-se que o legislador se exprime numa linguagem livre, natural, pontilhada, aqui e ali, de símbolos técnicos, o mesmo já não
34 INTRODUÇÃO À COMUNICAÇÃO
se passa com o dis­curso do cientista do Direito. Sua linguagem, sobre ser técnica, é científica, na medida em que as proposições descritivas que emite vêm carregadas da harmonia dos sistemas presi­didos pela lógica clássica, com as unidades do conjunto arrumadas e escalonadas segun­do critérios que observam, estritamente, os princípios da identidade, da não-contradição e do meio excluído, que são três imposições formais do pensamento no que concerne às proposições apofânticas."
(Curso de Direito Tributdrio)
TEXTO 2
A Sociolingüística e o fenômeno da diversidade na língua de um grupo social
Dino Pretti
“A freqüência com que certos fatores se repetem nas classificações dos estudiosos pode levar-nos à conclusão de que o trabalho de levantamento das influências que pesam sobre as variações de linguagem dentro de uma determinada comunidade, seria relativa­mente fácil e preciso. A verdade, porém, é outra:
Mesmo no interior de um grupo para alguns homogêneo, pode-se dizer que não há dois sujeitos que se exprimem exatamente da mesma maneira; é manifesto ao nível do Léxico, é igualmente notável no plano da Fonologia. Assim, encontram-se pessoas que fazem a oposição e aberto/fechado em final, parisienses da mesma idade e da mesma categoria social.
Por isso, Jespersen diz que a fala do indivíduo, considerado isoladamente dentro do grupo, não é sempre a mesma. Seu tom na conversação e, com ele, a escolha de pala­vras muda segundo a camada social em que se encontra no momento. A isto se acrescente que a linguagem toma diferente colorido segundo o tema da conversação: há um estilo para a declaração de amor, outro para a declaração oficial, outro para a negativa ou reprimenda.
Devemos observar, em função das teorias aqui expostas, que há, apesar de tudo, uma relatividade nessa tentativa de identificação entre indivíduo e língua. Nem sempre é possível dizer-se com precisão que um indivíduo de determinada região, cultura, posição social, raça, idade, sexo etc., escolheria estruturas e formas que pudéssemos de antemão prever. Como também nem sempre é possível estabelecer padrões de linguagem indivi­dual, de acordo com uma variedade muito grande de situações que pudessem servir de ponto de referência para uma classificação mais perfeita dos níveis de fala."
(Preti, 1987:11-13)



COMUNICAÇÃO JURÍDICA 34

2. Realize esquema de roteiro onomasiológico, explicando, de forma objetiva, cada uma das fases.
Sugestão: o emissor é estudante de Direito que participa de um debate sobre os efeitos da globalização no conceito de vida familiar, sendo o público for­mado por estudantes de Direito, Jornalismo, Pedagogia e Psicologia.
Nota: Por indicação do professor, a situação pode ser alterada ou acrescida por outras.
3. Escolha um artigo do Código Civil (Direito de Família ou dos artigos em estu­do na disciplina Direito Civil) ou do Estatuto da Criança e do Adolescente e realize a tríplice dimensão semasiológica.
Nota: Devem ser escolhidos artigos de matéria já estudada, ou de assuntos que requerem conceitos teóricos mais exigentes e inacessíveis a iniciantes do curso jurídico.

Nenhum comentário: