terça-feira, 9 de dezembro de 2008

ministerio publico"INTRODUÇÃO"

Em meio a tormenta que envolve o tema, duas conclusões são inarredáveis: Não se concebe que, a pretexto de se criar o controle externo do Judiciário, estabeleçam-se mecanismos que restrinjam ou ameacem de restrição a independência e a imparcialidade do Poder. Igualmente, não é admissível que, à guisa de se garantir a sua independência e imparcialidade, deixe-se o Poder sem qualquer controle. Incidência - Quanto ao exercício da função precípua do Poder Judiciário, qual seja, a aplicação coativa da lei aos litigantes (função judicial) (1), a Constituição e as leis processuais já estabelecem meios de controle eficazes (publicidade dos atos processuais, necessidade de fundamentação e recorribilidade das decisões judiciais, etc.). Entretanto, há outras funções desempenhadas pelo Poder Judiciário, funções estas não judiciais, que não se sujeitam a tais espécies de controle. Explica Hely Lopes Meirelles (2) que "... todos os poderes têm necessidade de praticar atos administrativos, ainda que restritos à sua organização e ao seu funcionamento, e, em caráter excepcional admitido pela Constituição, desempenham funções e praticam atos que a rigor seriam de outro Poder." São funções que "a Constituição assegura aos tribunais, como formas de garantias institucionais" (3), tais como, dentre outras: eleger seus órgãos diretivos; elaborar seus regimentos internos; organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados; promover a execução orçamentária relativa às suas dotações; prover os cargos de juiz e de seu quadro de servidores, conceder férias, aposentadorias, licenças e afastamentos a magistrados e servidores, promovê-los, removê-los, colocá-los em disponibilidade, exercer a atividade correicional, conduzir o processo administrativo disciplinar e aplicar as punições dele decorrentes.
DA NECESSIDADE DO CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DO PODER JUDICIÁRIO

Fala-se muito que há nepotismo e empreguismo no Poder Judiciário, que este Poder é uma "caixa preta", que o corporativismo impede a apuração e punição de irregularidades e mazelas por ventura existentes, que a Justiça é lenta e inacessível à grande massa da população. Invoca-se a necessidade da instituição do controle externo do Poder Judiciário como panacéia para curar todos estes e outros males que afligem a nossa Justiça. A rigor, o livre acesso à Justiça pelo povo passa pela estruturação e fortalecimento das defensorias pública, relegadas ao esquecimento pelos governos de plantão. O combate à morosidade na prestação jurisdicional depende de reformas da legislação, que visem a adotar procedimentos mais ágeis e menos burocratizados (a exemplo dos juizados especiais cíveis e criminais), bem como e, principalmente, em investimentos na informatização dos serviços judiciários e no recrutamento de mais juízes e servidores. Demagogia de lado, a instituição do controle externo do judiciário em pouco, ou mesmo em nada, irá colaborar para resolver tais problemas estruturais. Todavia, existem problemas conjunturais, cuja solução pede a existência de uma forma eficiente de controle dos atos administrativos dos tribunais. Controle, em tema da administração pública - ensina Hely Lopes Meirelles (4) - é a faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional do outro". Esclarece ainda o saudoso mestre (5): "A Administração Pública, em todas as suas manifestações, deve atuar com legitimidade, ou seja, segundo as normas pertinentes a cada ato e de acordo com a finalidade e o interesse coletivo na sua realização" (...) "Infringindo as normas legais, ou relegando os princípios básicos da Administração, ou ultrapassando a competência, ou se desviando da finalidade institucional, o agente público vicia o ato de ilegitimidade e o expõe à anulação pela própria Administração ou pelo Judiciário em ação adequada. A inexistência ou mesmo a deficiência dos mecanismos de controle dos atos da Administração Pública forma um ambiente de pouco caso, de ausência de fiscalização, e pode levar o administrador a ter a falsa compreensão (por vezes até inconsciente) de que está tratando de uma res nullius, e portanto apropriável ou condutível segundo os interesses de alguns. Com os atos administrativos dos tribunais não é diferente. Afinal, o magistrado é um ser humano como outro qualquer e, por tal, não está imune às suas fraquezas

O CONTROLE DO JUDICIÁRIO E O MINISTÉRIO PÚBLICO

Interesse Difuso - Como visto, a Constituição atribui ao Poder Judiciário, como garantia institucional, a prática de atos administrativos próprios de outros poderes. Afinal, uma das bases em que se assenta e se sustenta o Estado Democrático de Direito é a imparcialidade do Poder Judiciário. Corolário da imparcialidade é a própria independência do Poder. Se de um lado, esta independência pede a existência de mecanismos de controle - porquanto o Estado Democrático de Direito é incompatível com poder sem controle - de outro, não se pode instituir mecanismos de controle que anulem a própria independência. Diante desse aparente paradoxo é que a solução deve se apresentar. Não se nega que as decisões e os atos administrativos dos tribunais devem estrita obediência aos preceitos legais e, em especial, aos princípios básicos da administração pública insculpidos no art. 37, caput, da CR. Tais atos, mormente os que dizem respeito a atividade correicional; a execução orçamentária de suas respectivas dotações; o processo de seleção, recrutamento, promoção, remoção, disponibilidade, punição e aposentadoria de magistrados e servidores transcendem os intestinos do tribunal e sua singela economia doméstica. Há estreita relação entre o interesse público e a correta gestão dos negócios do tribunal. A conformação dos atos administrativos do Poder Judiciário à ordem jurídica diz respeito à própria essência do Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, o correto funcionamento da Justiça é de interesse público difuso, porque diz com o jurisdicionado, com o cidadão, com o contribuinte, em sua totalidade. A par disso, quis o constituinte de 1988 que o Ministério Público, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, ficasse incumbido da defesa da ordem jurídica e do regime democrático (art. 127, caput, da CR). Deu-lhe, ainda, o mesmo constituinte, a função (institucional) de instaurar o inquérito civil e propor a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e de outros interesses difusos (art. 129, III, CR). Possibilitou, ainda, que outras funções, desde que compatíveis com sua finalidade, viessem a lhe ser outorgadas (art. 129, IX, da CR).
Não é difícil concluir, portanto, que, de lege lata, pode e deve o Ministério Público invocar a prestação jurisdicional no controle da legalidade, legitimidade, competência, finalidade e forma dos atos administrativos dos tribunais. Não, a tese não é absurda. Tanto não é que já mereceu acolhida junto a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso em Mandado de Segurança n.º 5.895 - DF (6), Rel. Min. ASSIS TOLEDO, assim ementado: MANDADO DE SEGURANÇA. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEFESA, ATRAVÉS DO WRIT, DE DIREITOS PÚBLICOS SUBJETIVOS. Precedentes jurisprudenciais. Ato do Tribunal de Justiça declarando vitaliciedade de juiz, recusada por maioria de votos, sem atingir o quorum, contra o qual se insurge o Ministério Público.
Acórdão declarando o autor carecedor de ação de segurança por ilegitimidade de parte (inexistência de relação entre a declaração de vitaliciedade do magistrado e os predicados constitucionais do Ministério Público). Tese que se rejeita. O caráter limitado do conceito de direitos individuais subjetivos não constitui obstáculos à admissibilidade do writ para proteção dos denominados "direitos públicos subjetivos". Na sua função essencial de defesa da ordem jurídica, cabe ao Ministério Público fiscalizar a regularidade da investidura e da vitaliciedade dos juízes perante os quais irrecusavelmente deverá atuar. Recurso ordinário conhecido e provido para, afastada a carência de ação, determinar-se o julgamento de mérito do pedido.Para melhor compreensão do tema, extrai-se a seguinte passagem do voto condutor do acórdão: Em matéria de legitimação ativa no mandado de segurança há realmente precedente da 1.ª Seção deste Tribunal, da lavra do então Ministro Carlos M. Velloso, hoje integrando o Supremo Tribunal Federal, assim ementado: EMENTA: Mandado de segurança. Mandado de segurança individual. Mandado de segurança coletivo. Interesses difusos.
I - O mandado de segurança individual visa à proteção da pessoa, física ou jurídica, contra ato de autoridade que cause lesão, individualizadamente, a direito subjetivo (DF., art. 5.º, LXIX). Interesses difusos e coletivos, a seu turno, são protegidos pelo mandado de segurança coletivo (CF, art. 5.º, LXX), pela ação popular (CF, art. 5.º, LXXIII) e pela ação civil pública (Lei 7.347/85).
II - Agravo regimental improvido.´(RSTJ 10/254).
Em socorro dessa conclusão poder-se-ia invocar a Súmula 101 doSupremo Tribunal Federal, com este enunciado: ´O mandado de segurança não substitui a ação popular´ Todavia, em relação ao Ministério Público, ao qual não se nega a possibilidade de impetrar mandado de segurança, fica, por vezes, difícil distinguir o direito próprio do coletivo, já que no tocante ao Ministério Público - repita-se - ambos freqüentemente se confundem. À luz, os ensinamentos contidos no voto do eminente Ministro JOSÉ DANTAS: Na verdade, se há um direito público subjetivo a ser considerado no caso, outro não será senão a legitimidade do Ministério Público no seu zelo pela ordem jurídica nacional, no qual se inclui o funcionamento correto da justiça. Quando do julgamento do referido mandamus (7) pela instância originária, o eminente Des. Romeu Jobim, revelando ímpar lucidez, registrou as seguintes lições em seu voto vencido: No tocante à preliminar de ilegitimidade ad causam por parte do impetrante, acentuo não me parecer que o art. 129, II, da Constituição, impeça que o Ministério Público promova, através de mandado de segurança, a proteção de interesses difusos e coletivos. (...) A legitimidade do Ministério Público, na hipótese em tela, estaria, a meu enfoque, na proteção do interesse ou direito difuso do cidadão, ou da sociedade, sem dúvida líquido e certo, de ter jurisdição prestada por órgão judicial legítimo, assegurado o devido processo legal, também objeto de ênfase por parte da Constituição de 1988. Se cada cidadão, na hipótese em debate, possui legitimidade para eventual impetração apenas na medida em que ostente direito subjetivo sob ameaça ou atingido, se essa segurança também pode ser buscada por órgãos coletivos (CF, art. 5.º, LXX, a e b), ao Ministério Público, nos exatos lindes dos poderes que ora dispõe, caberá aquela sempre, como defensor ou protetor dos direitos difusos de todos e cada um, quando igualmente malferidos ou ameaçados de o serem. Bem à propósito a seguinte indagação: Se o Ministério Público não puder fazê-lo, quem o fará?... Forma Mista de Controle - O sempre invocado Hely Lopes Meirelles ensina que, segundo o Poder, órgão ou autoridade que o exercita, o controle será interno (se exercido dentro do âmbito da própria entidade ou órgão responsável pela atividade controlada) ou externo (quando realizado por órgão estranho a Administração responsável pelo ato controlado). Sob o ponto de vista da eficiência, o controle externo se mostra em vantagem sobre o outro. Contudo, não se encontrou, ainda, uma fórmula de controle externo do Poder Judiciário compatível com a sua indispensável independência. Por outro lado, o controle interno de hoje não produz os resultados reclamados. O que se advoga é uma forma mista de controle. Interno, porque exercido pelo próprio Poder Judiciário e, ao mesmo tempo, externo, porquanto provocado pelo Ministério Público, fiscal dos atos administrativos dos tribunais. Não se trata de reconhecer super poderes ao Ministério Público. A palavra final será sempre do Poder Judiciário.
O APRIMORAMENTO DA FORMA DE CONTROLE

Quinto Constitucional - Contam-se nos dedos as vezes em que o Ministério Público se atreveu a invocar a prestação jurisdicional, com vistas ao controle dos atos administrativos do Poder Judiciário. Grande parte dessa inoperância do Ministério Público deve-se à existência do chamado quinto constitucional, que restringe a necessária independência da Instituição. Com efeito, não raro os membros do Ministério Público que atuam perante os tribunais - a quem cabe a fiscalização dos atos administrativos e a invocação da prestação da jurisdicional visando o seu controle - almejam um dia compor seus quadros, de olho nas vagas constitucionalmente asseguradas aos egressos do parquet. Para tanto, precisam angariar a simpatia dos membros do tribunal, já que estes tem o poder de interferir no processo de formação das listas de onde sairá o escolhido (art. 94, Parágrafo único, da CR). A evidência, toda forma de controle é antipática e quem é controlado não a vê com bons olhos. O fiscalizado, por razões óbvias, não morre de amores pelo fiscal. Por esta razão a fiscalização do Ministério Público tem se mostrado míope. É necessário que se fortaleça a independência do Ministério Público em relação ao Poder Judiciário, proscrevendo a participação do parquet na composição dos tribunais ou, alternativamente, abolindo a interferência do tribunal na formação das listas. Publicidade dos Atos Administrativos - Exagera quem diz que o Poder Judiciário é uma caixa preta. Contudo, um pouco mais de transparência não lhe faria mal. Se de um lado o exercício da função precípua do Poder é cercada de controles e da necessária publicidade, de outro, as atividades administrativas dos tribunais são desenvolvidas a portas fechadas, cobertas pelo saia do sigilo, inacessíveis ao cidadão e muitas vezes até mesmo ao próprio Ministério Público. Aqui não há lugar para o pudor. É preciso que se ponha à mostra a intimidade dos tribunais, e que a exemplo do que ocorre por ocasião da prestação jurisdicional, as seções e decisões, os atos e os processos administrativos dos tribunais sejam públicos, com a obrigatória intervenção do Ministério Público. Ação de Controle. A tutela da ordem jurídica pelo Ministério Público, quando em jogo direitos difusos, como no caso em exame, faz-se por intermédio da ação civil pública. Contudo, se o direito difuso se apresenta manifesto em sua existência, delimitado em sua extensão e apto a ser exercitado, tal qual a hipótese do aresto acima citado, há lugar para o mandado de segurança. A ação civil pública que conteste ato administrativo praticado por tribunal, por incrível que possa parecer, é, de lege lata, excetuada a hipótese do art. 102, I, "n", da CR, da competência originária do juízo singular. Assim, quem deve decidir, em primeira instância, se o ato do presidente do tribunal (superior ou inferior), ou de seu plenário administrativo, guardou fidelidade aos princípios constitucionais relativos à administração pública ou à lei é uma órgão judiciário de instância inferior à qual pertença o titular do ato impugnado. O que, por óbvio, é rematado absurdo. Talvez por isso raras são as notícias de ações civis pública contestatórias de atos administrativos de tribunais. Que tenham obtido sucesso então ... O mandado de segurança de finalidade idêntica, por sua vez, é impetrado, de lega lata, perante o próprio tribunal de onde se originou o ato impugnado. Daí porque serem remotas as possibilidades de êxito imediato, havendo quase sempre a necessidade de se recorrer à instância superior. De lege ferenda, recomenda-se a instituição de uma Ação própria de Controle dos atos administrativos dos tribunais, com procedimento especial e sumário, prioridade de julgamento sobre todas as outras, exceto Habeas Corpus, a ser impetrada pelo Ministério Público perante o tribunal de instância imediatamente superior ao que originou o ato impugnado, com possibilidade de tutela liminar ou antecipatória. Estar-se-ia consolidando o controle do Poder Judiciário por ele próprio, por provocação e sob a fiscalização do Ministério Público, com as garantias da publicidade, necessidade de fundamentação e recorribilidade das decisões.
CONCLUSÕES

O controle do Poder Judiciário atem-se às atividades não judiciais. O controle dos atos administrativos do Poder Judiciário é uma necessidade e deve ser estabelecido de forma a não restringir ou ameaçar de restrição a sua independência e imparcialidade; De lege lata, tem o Ministério Público legitimidade para invocar a prestação jurisdicional no controle dos atos administrativos do Poder Judiciário, podendo para tanto lançar mão das ações judiciais hoje existentes no ordenamento jurídico, tais como o mandado de segurança e a ação civil pública; De lege ferenda, as seções e as decisões, os atos e os processos administrativos dos tribunais devem ser públicos, com a participação obrigatória do Ministério Público; De lege ferenda, deve-se fortalecer a independência do Ministério Público em relação ao Poder Judiciário, mediante a proscrição da participação do parquet na composição dos tribunais (o chamado quinto constitucional) ou, alternativamente, a abolição da interferência do tribunais na formação das listas; De lege ferenda, o texto constitucional deve prever, de forma expressa, Ação própria de Controle, através da qual possa o Ministério Público invocar, ao tribunal de instância imediatamente superior, a prestação jurisdicional no controle dos atos administrativos do tribunal imediatamente inferior, que deverá ter preferência de julgamento em relação a todas as outras, à exceção do Habeas Corpus.

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