terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O Contrato Social

O Contrato Social, coloca questões relativas à legitimidade da soberania, ao fundamento legítimo da sociedade política, às condições e aos limites em que opera o poder soberano e, por fim, aborda as formas e funcionamento em que opera o poder governamental e o aparato burocrático complementar. E assim começa Rousseau: "O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se preso a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o . Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão. Se considerasse somente a força e o efeito que dela resulta, diria: ‘quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; assim que pode sacudir esse jugo e o faz, age melhor ainda, porque, recuperando a liberdade pelo mesmo direito por que lha arrebataram , ou tem ele o direito de retomá-la ou não o tinham de subtraí-la’. A ordem social, porém, é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, não se origina da natureza: funda-se, portanto, em convenções. Trata-se, pois, de saber que convenções são essas. Antes de alcançar esse ponto, preciso deixar estabelecido o que acabo de adiantar." p. 22. Ainda formulando as suas asserções, Rousseau continua explicando sobre as primeiras sociedades e o aspecto da liberdade: "... essa liberdade comum é uma conseqüência da natureza do homem. Sua primeira lei consiste em zelar pela própria conservação, seus primeiros cuidados são aqueles que se deve a si mesmo, e , assim que alcança a idade da razão, sendo o único juiz dos meios adequados para conservar-se, torna-se, por isso, senhor de si...A família é , pois, se assim se quiser, o primeiro modelo das sociedades políticas: o chefe é a imagem do pai; o povo, a dos filhos, e todos, tendo nascido iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio." p. 24.
Para chegar a uma forma de associação segura entre os homens, as relações de poder e direito entre eles, Rousseau esclarece sobre a natureza inicial dos homens. Mostra os homens num estado anterior, chamado estado de natureza, e em um estado posterior, estado civil. Esse estado posterior marca a degeneração do primeiro, e a necessidade de estabelecer um contrato que irá reger a relação de soberania e poder entre os homens que sejamos legítima. Um pacto social, que ele mesmo cita, que estabeleça entre os cidadãos tal igualdade, que eles se comprometam todos nas mesmas condições e devam todos gozar dos mesmos direitos. Voltemos a Rousseau: "... Relativamente ao direito de conquista, não dispões ele de outro fundamento além da lei do mais forte. Se a guerra não confere jamais ao vencedor o direito de massacrar os povos vencidos, esse direito, que ele não tem, não poderá servir de base ao direito de matar o inimigo quando não se pode torná-lo escravo; logo, o direito de transformá-lo em escravo não vem do direito de matá-lo, constituindo, pois, troca iníqua o fazê-lo comprar, pelo preço da liberdade, sua vida, sobre a qual não se tem qualquer direito...Assim, seja qual for o modo de encarar as coisas, nulo é o direito de escravidão não só por ser ilegítimo, mas por ser absurdo e nada significar. As palavras escravidão e direito são contraditórias, excluem-se mutuamente. Quer de um homem a outro, quer de um homem a um povo, será sempre igualmente insensato este discurso: ‘Estabeleço contigo uma convenção ficando tudo a teu cargo e tudo em meu proveito, convenção essa a que obedecerei enquanto me aprouver e que tu observarás enquanto for do meu agrado’. p. 30.
O sentimento do homem e a sua preocupação eram a sua existência e a sua conservação. Não havia educação conseqüentemente não havia progresso. Ele é movido pelos seus instintos, pelas inclinações, é um animal estúpido e limitado. Em contraposição, o civilizado tem noção de justiça, são movido mais pela razão, suas faculdades se exercem e se desenvolvem e ele se torna um ser inteligente, um homem. Para Hobbes o homem é movido por paixões, e ao serem iguais tentam subjugar um ao outro. Em Rousseau o homem natural não tem autoridade sobre seus semelhantes. Já em Maquiavel, encontra-se um homem perfidioso, egoísta.
Rousseau considera que a propriedade privada foi o marco para a mudança do estado de natureza para o estado civilizado. Foi através da apropriação que se geriu a sociedade civil. E o homem civilizado surgiria do progresso, aperfeiçoamento e qualidades pessoais do gênero humano.
Na sociedade só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos. É isso o que o autor propõe. Ele não concorda com o direito do mais forte, com a idéia do direito feito pela força, e sim acredita que o poder seja sob a direção suprema da vontade geral. Uma pessoa pública formada pela união de todas as outras, tendo como base máxima a liberdade e a soberania popular de maneira absoluta. Concebe a soberania como ‘indivisível e alienável’. Como uma vontade geral, com interesse comum e utilidade pública. Assim que a sociedade deve ser governada. Através do contrato social, o Estado se tornaria o bem de todos o provedor da condição de convívio, de união e prosperidade. O pacto fundamental se firma por uma igualdade moral e legítima, contra aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade física entre os homens. Vamos ilustrar com mais passagens da obra: "Suponhamos os homens chegando àquele ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam, pela sua resistência, as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se nesse estado. Então, esse estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano, se não mudasse de modo de vida, pereceria... Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas somente unir e orientar as já existentes, não têm eles outro meio de conservar-se senão formando , por agregação, um conjunto de forças, que possa sobrepujar a resistência, impelindo-as para um só móvel, levando-as a operar em concerto...As cláusulas desse contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito, de modo que, embora talvez jamais enunciadas de maneira formal, são as mesmas em toda parte, e tacitamente mantidas e reconhecidas em todos os lugares, até quando, violando-se o pacto social, cada um volta a seus primeiros direitos e retoma sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual renunciara àquela. Essas cláusulas, quando bem compreendidas, reduzem-se todas a uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda, porque, em primeiro lugar, cada um dando-se completamente, a condição é igual para todos, e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa por torná-la onerosa para os demais...Se separar-se, pois, do pacto social aquilo que não pertence à sua essência, ver-se-á que ele se reduz aos seguintes termos: ‘ Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo’. Imediatamente, esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembléia , e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade , seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo soberano quando ativo, e potência quando comparado aos seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado. “Esses termos, no entanto, confundem-se freqüentemente e são usados indistintamente; basta saber distingui-los quando são empregados com inteira precisão.” p. 31 a 34. Rousseau continua suas explicações a cerca do pacto social observando que, uma das características primordiais desse contrato seria o aspecto da soberania, ou seja, " A primeira e mais importante conseqüência decorrente dos princípios até aqui estabelecidos é que só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição, que é o bem comum, porque, se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o possibilitou. O que existe de comum nesses vários interesses forma o liame social e, se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Ora, somente com base nesse interesse comum é que a sociedade deve ser governada...Afirmo, pois, que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo. O poder pode transmitir-se; não , porém, a vontade...A soberania é indivisível pela mesma razão por que é inalienável, pois a vontade ou é geral, ou não o é; ou é a do copo do povo, ou somente de uma parte. No primeiro caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo, não passa de uma vontade par5ticular ou de um ato de magistratura, quando muito, de um decreto." p. 43 e 44. Daí Rousseau considerar a vontade geral podendo somente ser o que há de comum em todas as vontades individuais, ou seja, o substrato coletivo das consciências, a estrutura. E nesse contexto, a noção de soberania implica a noção de poder sem contraste. Por outro lado, não se concebe o ente moral, oriundo do contrato, sem vontade própria. Por isso um povo não pode entregar-se a um senhor sem deixar de ser povo, soberano e corpo político. Essa vontade geral nem sempre será unânime, basta que haja a contagem de todos os votos, dentro de um acordo formal que não pode ser rompido, mesmo em suas regras mínimas, em suas generalidades.
Entendendo o poder político como fruto do povo, o poder soberano não pode passar dos limites das convenções gerais, não pode haver interesse privado. O pacto social dará existência e vida ao corpo político e as leis darão o movimento e a vontade. As convenções e as leis são necessárias para unir os direitos aos deveres, e conduzir a justiça ao seu objetivo. Para Rousseau lei é um ato onde a matéria obre a qual se estatui é geral, como a vontade que a estatui. As leis são condições da associação civil.
Acredita que antes de se estabelecer essas leis, é necessário conhecer o povo que a elas se sujeitará. Assim ele procura o povo que está apta à determinada legislação. Que deveria ser aquele que não tenha sofrido o verdadeiro jugo das leis, não tenham costumes ou superstições arraigadas. Esse caráter legal que Rousseau atribui ao pacto social, se firma nessas bases: “Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, por isso entendo que a Lei considera os súditos como corpo e as ações como abstratas, e jamais um homem como um indivíduo ou uma ação particular. Desse modo, a Lei poderá muito bem estatuir que haja privilégios, mas ela não poderá escondê-los nominalmente a ninguém: a Lei pode estabelecer diversas classes de cidadãos, especificar até as qualidades que darão direito a essas classes, mas não poderá nomear este ou aquele para serem admitidos nelas; pode estabelecer um governo real e uma sucessão hereditária, mas não pode eleger um rei ou nomear uma família real. Em suma, qualquer, função relativa a um objeto individual não pertence, de modo algum, ao poder legislativo. Baseando-se nessa idéia, vê-se logo que não se deve mais perguntar a quem cabe fazer as leis, pois são atos da vontade geral, nem se o príncipe está acima das leis, visto que é membro do Estado; ou se a Lei poderá ser injusta, pois ninguém é injusto consigo mesmo, ou como se pode ser livre e estar sujeito às leis, desde que estas não passam de registros de nossas vontades... Chamo, pois de república todo o Estado regido por leis, sob qualquer forma de administração que possa conhecer, pois só nesse caso governa o interesse público e a coisa pública passa a ser qualquer coisa. Todo o governo legítimo é republicano... O povo, submetido às leis, deve ser o seu autor. Só àqueles que se associam cabe regulamentar as condições da sociedade".
O governo seria o exercício do poder legítimo das várias partes: magistrados ou reis, governantes, príncipe. O governo tem poderes delegados do povo. É considerado coletivamente e como um corpo. Para que esse governo tenha existência é necessário uma existência particular que para Rousseau são as assembléias, conselhos, em poder de deliberar e de resolver, direitos, títulos... Lembrando que, se houverem muitos magistrados, o governo tende a enfraquecer-se. Esses poderes são regidos por leis, dentro de uma teia de relações estabelecidas pelo contrato social que, por conseqüência, baseia-se nos usos e costumes dos habitantes, na opinião, no aspecto racional da moral exercida pelos integrantes na vida cotidiana. Dessa maneira, a ordem do pacto vem a se fundar na consciência dos homens através da educação, preparando-os para o comportamento adequado e necessário para o convívio em comum. Nesses termos, Rousseau continua: “A fim de ordenar o todo ou para dar a melhor forma possível à coisa pública, há várias relações a considerar. Primeiro, a ação do corpo inteiro agindo sobre si mesmo, isto é, a relação do todo com o todo, ou do soberano com o Estado; como logo veremos, tal relação compõe-se da relação dos temos intermediários. As leis que regulamentam essa relação recebem o nome de leis políticas e chamam-se também leis fundamentais, não sem alguma razão no caso de serem sábias, pois, se existe em casa Estado somente uma boa maneira de ordená-lo, o povo que a encontrou deve conservá-la; se a ordem estabelecida é, porém, má, por que se tomariam por fundamentais leis que a impedem de ser boa? Aliás, seja qual for à situação, o povo é sempre senhor de mudar suas leis, mesmo as melhores, pois, se for de seu agrado fazer o mal a si mesmo, quem terá o direito de impedi-lo? A segunda relação é a dos membros entre si ou com o corpo inteiro, e essa relação deverá ser, no primeiro caso, tão pequena, e, no segundo, tão grande quanto possível, de modo que cada cidadão se encontre em perfeita independência da polis - o que se consegue sempre graças aos mesmos meios, pois só a força do Estado faz a liberdade de seus membros. É desta segunda relação que nascem as leis civis. Pode-se considerar um terceiro tipo de relação entre o homem e a Lei, a saber, a da desobediência à pena, dando origem ao estabelecimento das leis criminais que, no fundo, instituem menos uma espécie particular de leis do que a sanção de todas as outras. A essas três espécies de leis, se junta uma quarta, a mais importante de todas, que não se grava nem no mármore, nem no bronze, mas nos corações dos cidadãos; que faz a verdadeira constituição do Estado; que todos os dias ganha novas forças; que, quando as outras leis envelhecem ou se extinguem, as reanima ou as supre, conserva um povo no espírito de sua instituição e insensivelmente substitui a força da autoridade pela do hábito. Refiro-me Aos usos e costumes e, sobretudo, à opinião, essa parte desconhecida por nossos políticos, mas da qual depende o sucesso de todas as outras; parte de que se ocupa em segredo o grande Legislador, enquanto parece limitar-se a regulamentos particulares que não são senão o arco da abóbada, da qual os costumes, mais lentos para nascerem, formam por fim a chave indestrutível."
Apesar de discutir sobre a democracia, aristocracia ou monarquia, para Rousseau, o que caracteriza um bom governo, é a conservação e a prosperidade de seus membros; o número e sua povoação. Entretanto vão aqui algumas ressalvas sobre a democracia: " Creio, com efeito, poder estabelecer em princípio que, quando as funções do Governo são divididas por inúmeros tribunais, os menos numerosos adquirem, mais cedo ou mais tarde, a maior autoridade, quando mais não fosse, somente pela facilidade de resolver as questões, que naturalmente a tanto os leva...Acrescentemos que não há forma de governo tão sujeita às guerras civis e às agitações intestinais quanto a forma democrática ou popular, porque não há outra que tenda tão forte e continuamente a mudar de forma, nem que exija mais vigilância e coragem para ser mantida na forma original. É sobretudo nessa constituição que o cidadão deve armar-se de força e constância, e ter presente no coração, ou seja, a liberdade...Se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Governo tão perfeito não convém aos homens." p. 85 e 86.
A vontade geral, para Rosal, é indestrutível e, ela deixando de existir, o povo tem o direito de insurgir contra o ditador. No seu país de Origem, Suíça, Rousseau teve a oportunidade de se defrontar com dois tipos de realidade: Em Genebra encontrava-se o modelo de cidade populosa e rica da Europa, e nas cidades do interior do país, era possível defrontar-se com comunidades rurais que viviam de forma frugal e pacífica. Daí Rousseau passa a se desencantar cada vez mais com Genebra e se apega ao modo de vida mais simples dos camponeses de certos cantões montanheses. Baseado nesses dois tipos de modelos, Rousseau entende que a vontade geral tem maior probabilidade de revelar-se por intermédio do maior número de representação, a rigor, nada vale a opinião isolada de cada um, que é o reflexo das diferenças individuais, mas a expressão, por cada um, do que todos têm de comum, que seria exatamente a vontade geral. Assim continua Rousseau: “Concluir-se-á daí que a vontade geral esteja aniquilada e corrompida? Não; ela é sempre constante, inalterável e pura, mas encontra-se subordinada a outras que a sobrepujam. Cada um, desligando seu interesse do interesse comum, bem sabe que não o pode isolar completamente; sua parte do mal público, porém, não lhe parece nada, em face do bem exclusivo de que pretende apropriar-se. Excetuado esse bem particular, ele deseja, tão fortemente quanto qualquer outro, o bem geral em seu próprio interesse. Mesmo quando vende seu voto a peso de dinheiro, não extingue em si a vontade geral - ilude-a. A falta que comete é mudar a natureza da questão e responder coisa diversa daquilo que se lhe pergunta, de modo que, em lugar de dizer, com seu voto, ‘é vantajoso para o Estado’, ele diz ‘ é vantajoso para tal homem ou tal partido que seja aprovada tal ou qual proposta’. Assim, a lei da ordem pública nas assembléias não está tanto em nelas manter a vontade geral, quanto em fazer com que sempre seja consultada e sempre responda." p.118. E continua: “Existe uma única lei que, pela sua natureza, exige consentimento unânime - é o pacto social, por ser a associação civil o mais voluntário dos atos deste mundo. Todo homem, tendo nascido livre e senhor de si mesmo, ninguém pode, a qualquer pretexto imaginável, sujeitá-lo sem o seu consentimento. Afirmar que um filho de escravo nasce escravo é afirmar que não nasce homem... Fora desse contrato primitivo, e em conseqüência do próprio contrato, o voto dos mais numerosos sempre obriga os demais. Pergunta-se, porém, como o homem poder ser livre, e forçado a conformar-se com vontades que não a sua. Como os opositores serão livres e submetidos a leis que não consentiram?... Respondo que a questão está mal proposta. O cidadão consente todas as leis, mesmo as aprovadas contra sua vontade e até aquelas que o punem quando ousa violar uma delas. A vontade constante de todos os membros do Estado é a vontade geral: por ela é que são cidadãos e livres. Quando se propõe uma lei na assembléia do povo, o que se lhes pergunta não é precisamente se aprovam ou rejeitam a proposta, mas se estão ou não de acordo com a vontade geral que é a deles" p. 120.
Finalizando este trabalho, há o objetivo de qualificar a obra no propósito de fixar bases para a formação do Estado moderno, o que, inclusive, Rousseau propõe, com clara distinção entre Estado e religião, mostrando que um não deve interferir no outro, ou seja, “Atualmente, quando não existe mais e não pode mais existir qualquer religião nacional exclusiva, devem-se tolerar todas aquelas que toleram as demais, contanto que seus dogmas em nada contrariem os deveres do cidadão. Mas, quem quer que diga: Fora da Igreja não há salvação - deve ser excluído do Estado a menos que o Estado seja a Igreja, e o príncipe, o pontífice. Tal dogma só serve para um Governo teocrático; em qualquer outro é pernicioso." p.145.
BIBLIOGRAFIA:
Rousseau, Jean-Jacques, 1712-1778.
Do contrato social / Jean-Jacques Rousseau;




No texto de O Contrato Social, o que Rousseau coloca aos leitores são questões relativas à legitimidade da soberania, ao fundamento legítimo da sociedade política, às condições e aos limites em que opera o poder soberano e, por fim, aborda as formas e funcionamento em que opera o poder governamental e o aparato burocrático complementar. E assim começa Rousseau: “O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver esta questão. Se considerasse somente à força e o efeito que dela resulta, diria: ‘quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; assim que pode sacudir esse jugo e o faz, age melhor ainda, porque, recuperando a liberdade pelo mesmo direito por que lha arrebataram, ou tem ele o direito de retomá-la ou não o tinham de subtraí-la’. A ordem social, porém, é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. Tal direito, no entanto, não se origina da natureza: funda-se, portanto, em convenções. Trata-se, pois, de saber que convenções são essas. Antes de alcançar esse ponto, preciso deixar estabelecido o que acabo de adiantar." p. 22. Ainda formulando as suas asserções, Rousseau continua explicando sobre as primeiras sociedades e o aspecto da liberdade: “... essa liberdade comum é uma conseqüência da natureza do homem. Sua primeira lei consiste em zelar pela própria conservação, seus primeiros cuidados são aqueles que se deve a si mesmo, e, assim que alcança a idade da razão, sendo o único juiz dos meios adequados para conservar-se, torna-se, por isso, senhor de si... A família é, pois, se assim se quiser, o primeiro modelo das sociedades políticas: o chefe é a imagem do pai; o povo, a dos filhos, e todos, tendo nascido iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio." p. 24.
Para chegar a uma forma de associação segura entre os homens, as relações de poder e direito entre eles, Rousseau esclarece sobre a natureza inicial dos homens. Mostra os homens num estado anterior, chamado estado de natureza, e em um estado posterior, estado civil. Esse estado posterior marca a degeneração do primeiro, e a necessidade de estabelecer um contrato que irá reger a relação de soberania e poder entre os homens que sejamos legítimos. Um pacto social, que ele mesmo cita que estabeleça entre os cidadãos tal igualdade, que eles se comprometam todos nas mesmas condições e deva todos gozar dos mesmos direitos. Voltemos a Rousseau: “... Relativamente ao direito de conquista, não dispões ele de outro fundamento além da lei do mais forte. Se a guerra não confere jamais ao vencedor o direito de massacrar os povos vencidos, esse direito, que ele não tem, não poderá servir de base ao direito de matar o inimigo quando não se pode torná-lo escravo; logo, o direito de transformá-lo em escravo não vem do direito de matá-lo, constituindo, pois, troca iníqua o fazê-lo comprar, pelo preço da liberdade, sua vida, sobre a qual não se tem qualquer direito... Assim, seja qual for o modo de encarar as coisas, nulo é o direito de escravidão não só por ser ilegítimo, mas por ser absurdo e nada significar. As palavras escravidão e direito são contraditórias, excluem-se mutuamente. Quer de um homem a outro, quer de um homem a um povo, será sempre igualmente insensato este discurso: ‘Estabeleço contigo uma convenção ficando tudo o teu cargo e tudo em meu proveito, convenção essa a que obedecerei enquanto me aprouver e que tu observarás enquanto for do meu agrado’. p. 30.
O sentimento do homem e a sua preocupação eram a sua existência e a sua conservação. Não havia educação conseqüentemente não havia progresso. Ele é movido pelos seus instintos, pelas inclinações, é um animal estúpido e limitado. Em contraposição, o civilizado tem noção de justiça, são movidas mais pela razão, suas faculdades se exercem e se desenvolvem e ele se torna um ser inteligente, um homem. Para Hobbes o homem é movido por paixões, e ao serem iguais tentam subjugar um ao outro. Em Rousseau o homem natural não tem autoridade sobre seus semelhantes. Já em Maquiavel, encontra-se um homem perfidioso, egoísta.
Rousseau considera que a propriedade privada foi o marco para a mudança do estado de natureza, para o estado civilizado. Foi através da apropriação que se geriu a sociedade civil. E o homem civilizado surgiria do progresso, aperfeiçoamento e qualidades pessoais do gênero humano.
Na sociedade só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos. É isso o que o autor propõe. Ele não concorda com o direito do mais forte, com a idéia do direito feito pela força, e sim acredita que o poder seja sob a direção suprema da vontade geral. Uma pessoa pública formada pela união de todas as outras, tendo como base máxima a liberdade e a soberania popular de maneira absoluta. Concebe a soberania como ‘indivisível e alienável’. Como uma vontade geral, com interesse comum e utilidade pública. Assim que a sociedade deve ser governada. Através do contrato social, o Estado se tornaria o bem de todo o provedor da condição de convívio, de união e prosperidade. O pacto fundamental se firma por uma igualdade moral e legítima, contra aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade física entre os homens. Vamos ilustrar com mais passagens da obra: "Suponhamos os homens chegando àquele ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam, pela sua resistência, as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se nesse estado. Então, esse estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano, se não mudasse de modo de vida, pereceria... Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas somente unir e orientar as já existentes, não os tem outro meio de conservar-se senão formando, por agregação, um conjunto de forças, que possa sobrepujar a resistência, impelindo-as para um só móvel, levando-as a operar em concerto... As cláusulas desse contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vã e de nenhum efeito, de modo que, embora talvez jamais enunciadas de maneira formal, são as mesmas em toda parte, e tacitamente mantidas e reconhecidas em todos os lugares, até quando, violando-se o pacto social, cada um volta a seus primeiros direitos e retoma sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual renunciara àquela. Essas cláusulas, quando bem compreendidas, reduzem-se todas as uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda, porque, em primeiro lugar, cada um dando-se completamente, a condição é igual para todos, e, sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa por torná-la onerosa para os demais... Se separar-se, pois, do pacto social aquilo que não pertence à sua essência, ver-se-á que ele se reduz aos seguintes termos: ‘ Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo’. Imediatamente, esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembléia, e que, por esse mesmo ato, ganha Sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo soberano quando ativo, e potência quando comparado os seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado. “Esses termos, no entanto, confundem-se freqüentemente e são usados indistintamente; basta saber distingui-los quando são empregados com inteira precisão.” p. 31 a 34. Rousseau continua suas explicações a cerca do pacto social observando que, uma das características primordiais desse contrato seria o aspecto da soberania, ou seja, “A primeira e mais importante conseqüência decorrente dos princípios até aqui estabelecidos é que só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição, que é o bem comum, porque, se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o possibilitou. O que existe de comum nesses vários interesses forma o liame social e, se não houvesse um ponto em que todos os interessem concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Ora, somente com base nesse interesse comum é que a sociedade deve ser governada... Afirmo, pois, que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo. O poder pode transmitir-se; não, porém, à vontade... A soberania é indivisível pela mesma razão por que é inalienável, pois à vontade ou é geral, ou não o é; ou é a do copo do povo, ou somente de uma parte. No primeiro caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo, não passa de uma vontade par5ticular ou de um ato de magistratura, quando muito, de um decreto." p. 43 e 44. Daí Rousseau considerar a vontade geral podendo somente ser o que há de comum em todas as vontades individuais, ou seja, o substrato coletivo das consciências, a estrutura. E nesse contexto, a noção de soberania implica a noção de poder sem contraste. Por outro lado, não se concebe o ente moral, oriundo do contrato, sem vontade própria. Por isso um povo não pode entregar-se a um senhor sem deixar de ser povo, soberano e corpo político. Essa vontade geral nem sempre será unânime, basta que haja a contagem de todos os votos, dentro de um acordo formal que não pode ser rompido, mesmo em suas regras mínimas, em suas generalidades.
Entendendo o poder político como fruto do povo, o poder soberano não pode passar dos limites das convenções gerais, não pode haver interesse privado. O pacto social dará existência e vida ao corpo político e as leis darão o movimento e a vontade. As convenções e as leis são necessárias para unir os direitos aos deveres, e conduzir a justiça ao seu objetivo. Para Rousseau lei é um ato onde a matéria obre a qual se estatui é geral, como a vontade que a estatui. As leis são condições da associação civil.
Acredita que antes de se estabelecer essas leis, é necessário conhecer o povo que a elas se sujeitará. Assim ele procura o povo que está apto à determinada legislação. Que deveria ser aquele que não tenha sofrido o verdadeiro jugo das leis, não tenham costumes ou superstições arraigadas. Esse caráter legal que Rousseau atribui ao pacto social, se firma nessas bases: “Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, por isso entendo que a Lei considera os súditos como corpo e as ações como abstratas, e jamais um homem como um indivíduo ou uma ação particular. Desse modo, a Lei poderá muito bem estatuir que haja privilégios, mas ela não poderá escondê-los nominalmente a ninguém: a Lei pode estabelecer diversas classes de cidadãos, especificar até as qualidades que darão direito a essas classes, mas não poderá nomear este ou aquele para serem admitidos nelas; pode estabelecer um governo real e uma sucessão hereditária, mas não pode eleger um rei ou nomear uma família real. Em suma, qualquer, função relativa a um objeto individual não pertence, de modo algum, ao poder legislativo. Baseando-se nessa idéia, vê-se logo que não se deve mais perguntar a quem cabe fazer as leis, pois são atos da vontade geral, nem se o príncipe está acima das leis, visto que é membro do Estado; ou se a Lei poderá ser injusta, pois ninguém é injusto consigo mesmo, ou como se pode ser livre e estar sujeito às leis, desde que estas não passam de registros de nossas vontades... Chamo, pois de república todo o Estado regido por leis, sob qualquer forma de administração que possa conhecer, pois só nesse caso governa o interesse público e a coisa pública passa a ser qualquer coisa. Todo o governo legítimo é republicano... O povo, submetido às leis, deve ser o seu autor. Só àqueles que se associam cabe regulamentar as condições da sociedade". P. 53 a 55.
O governo seria o exercício do poder legítimo das várias partes: magistrados ou reis, governantes, príncipe. O governo tem poderes delegados do povo. É considerado coletivamente e como um corpo. Para que esse governo tenha existência é necessária uma existência particular que para Rousseau são as assembléias, conselhos, em poder de deliberar e de resolver, direitos, títulos... Lembrando que, se houverem muitos magistrados, o governo tende a enfraquecer-se. Esses poderes são regidos por leis, dentro de uma teia de relações estabelecidas pelo contrato social que, por conseqüência, baseia-se nos usos e costumes dos habitantes, na opinião, no aspecto racional da moral exercida pelos integrantes na vida cotidiana. Dessa maneira, a ordem do pacto vem a se fundar na consciência dos homens através da educação, preparando-os para o comportamento adequado e necessário para o convívio em comum. Nesses termos, Rousseau continua: “A fim de ordenar o todo ou para dar a melhor forma possível à coisa pública, há várias relações a considerar. Primeiro, a ação do corpo inteiro agindo sobre si mesmo, isto é, a relação do todo com o todo, ou do soberano com o Estado; como logo veremos, tal relação compõe-se da relação dos temos intermediários. As leis que regulamentam essa relação recebem o nome de leis políticas e chamam-se também leis fundamentais, não sem alguma razão no caso de serem sábias, pois, se existe em casa Estado somente uma boa maneira de ordená-lo, o povo que a encontrou deve conservá-la; se a ordem estabelecida é, porém, má, por que se tomariam por fundamentais leis que a impedem de ser boa? Aliás, seja qual for à situação, o povo é sempre senhor de mudar suas leis, mesmo as melhores, pois, se for de seu agrado fazer o mal a si mesmo, quem terá o direito de impedi-lo? A segunda relação é a dos membros entre si ou com o corpo inteiro, e essa relação deverá ser, no primeiro caso, tão pequena, e, no segundo, tão grande quanto possível, de modo que cada cidadão se encontre em perfeita independência da polis - o que se consegue sempre graças aos mesmos meios, pois só a força do Estado faz a liberdade de seus membros. É desta segunda relação que nascem as leis civis. Pode-se considerar um terceiro tipo de relação entre o homem e a Lei, a saber, a da desobediência à pena, dando origem ao estabelecimento das leis criminais que, no fundo, instituem menos uma espécie particular de leis do que a sanção de todas as outras. A essas três espécies de leis, se junta uma quarta, a mais importante de todas, que não se grava nem no mármore, nem no bronze, mas nos corações dos cidadãos; que faz a verdadeira constituição do Estado; que todos os dias ganha novas forças; que, quando as outras leis envelhecem ou se extinguem, as reanima ou as supre, conserva um povo no espírito de sua instituição e insensivelmente substitui a força da autoridade pela do hábito. Refiro-me Aos usos e costumes e, sobretudo, à opinião, essa parte desconhecida por nossos políticos, mas da qual depende o sucesso de todas as outras; parte de que se ocupa em segredo o grande Legislador, enquanto parece limitar-se a regulamentos particulares que não são senão o arco da abóbada, da qual os costumes, mais lentos para nascerem, formam por fim a chave indestrutível."
Apesar de discutir sobre a democracia, aristocracia ou monarquia, para Rousseau, o que caracteriza um bom governo, é a conservação e a prosperidade de seus membros; o número e sua povoação. Entretanto vão aqui algumas ressalvas sobre a democracia: “Creio, com efeito, poder estabelecer em princípio que, quando as funções do Governo são divididas por inúmeros tribunais, os menos numerosos adquirem, mais cedo ou mais tarde, a maior autoridade, quando mais não fosse, somente pela facilidade de resolver as questões, que naturalmente a tanto os leva... Acrescentemos que não há forma de governo tão sujeita às guerras civis e às agitações intestinais quanto à forma democrática ou popular, porque não há outra que tenda tão forte e continuamente a mudar de forma, nem que exija mais vigilância e coragem para ser mantida na forma original. É, sobretudo nessa constituição que o cidadão deve armar-se de força e constância, e ter presente no coração, ou seja, a liberdade... Se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Governo tão perfeito não convém aos homens." p. 85 e 86.
A vontade geral, para Rosal, é indestrutível e, ela deixando de existir, o povo tem o direito de insurgir contra o ditador. No seu país de Origem, Suíça, Rousseau teve a oportunidade de se defrontar com dois tipos de realidade: Em Genebra encontrava-se o modelo de cidade populosa e rica da Europa, e nas cidades do interior do país, era possível defrontar-se com comunidades rurais que viviam de forma frugal e pacífica. Daí Rousseau passa a se desencantar cada vez mais com Genebra e se apega ao modo de vida mais simples dos camponeses de certos cantões montanheses. Baseado nesses dois tipos de modelos, Rousseau entende que a vontade geral tem maior probabilidade de revelar-se por intermédio do maior número de representação, a rigor, nada vale a opinião isolada de cada um, que é o reflexo das diferenças individuais, mas a expressão, por cada um, do que todos têm de comum, que seria exatamente a vontade geral. Assim continua Rousseau: “Concluir-se-á daí que a vontade geral esteja aniquilada e corrompida? Não; ela é sempre constante, inalterável e pura, mas encontra-se subordinada a outras que a sobrepujam. Cada um, desligando seu interesse do interesse comum, bem sabe que não o pode isolar completamente; sua parte do mal público, porém, não lhe parece nada, em face do bem exclusivo de que pretende apropriar-se. Excetuado esse bem particular, ele deseja, tão fortemente quanto qualquer outro, o bem geral em seu próprio interesse. Mesmo quando vende seu voto a peso de dinheiro, não extingue em si a vontade geral - ilude-a. A falta que comete é mudar a natureza da questão e responder coisa diversa daquilo que se lhe pergunta, de modo que, em lugar de dizer, com seu voto, ‘é vantajoso para o Estado’, ele diz ‘ é vantajoso para tal homem ou tal partido que seja aprovada tal ou qual proposta’. Assim, a lei da ordem pública nas assembléias não está tanto em nelas manter a vontade geral, quanto em fazer com que sempre seja consultada e sempre responda." p.118. E continua: “Existe uma única lei que, pela sua natureza, exige consentimento unânime - é o pacto social, por ser a associação civil o mais voluntário dos atos deste mundo. Todo homem, tendo nascido livre e senhor de si mesmo, ninguém pode, a qualquer pretexto imaginável, sujeitá-lo sem o seu consentimento. Afirmar que um filho de escravo nasce escravo é afirmar que não nasce homem... Fora desse contrato primitivo, e em conseqüência do próprio contrato, o voto dos mais numerosos sempre obriga os demais. Pergunta-se, porém, como o homem poder ser livre, e forçado a conformar-se com vontades que não a sua. Como os opositores serão livres e submetidos a leis que não consentiram?... Respondo que a questão está mal proposta. O cidadão consente todas as leis, mesmo as aprovadas contra sua vontade e até aquelas que o punem quando ousa violar uma delas. A vontade constante de todos os membros do Estado é a vontade geral: por ela é que são cidadãos e livres. Quando se propõe uma lei na assembléia do povo, o que se lhes pergunta não é precisamente se aprovam ou rejeitam a proposta, mas se estão ou não de acordo com a vontade geral que é a deles" p. 120.
Finalizando este trabalho, há o objetivo de qualificar a obra no propósito de fixar bases para a formação do Estado moderno, o que, inclusive, Rousseau propõe, com clara distinção entre Estado e religião, mostrando que um não deve interferir no outro, ou seja, “Atualmente, quando não existe mais e não pode mais existir qualquer religião nacional exclusiva, devem-se tolerar todas aquelas que toleram as demais, contanto que seus dogmas em nada contrariem os deveres do cidadão. Mas, quem quer que diga: Fora da Igreja não há salvação - deve ser excluído do Estado a menos que o Estado seja a Igreja, e o príncipe, o pontífice. Tal dogma só serve para um Governo teocrático; em qualquer outro é pernicioso." p.145.
BIBLIOGRAFIA:
Rousseau, Jean-Jacques, 1712-1778.
Do contrato social / Jean-Jacques Rousseau; tradução de Lourdes Santos Machado; introdução e notas de Paulo Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado. - 2ª edição - São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores)

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