segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO PRIVADO

O artigo, até o presente momento preocupou-se em demonstrar as origens, formas e fundamentos da maneira como hodiernamente são aplicados os princípios constitucionais ao Direito Privado. Agora passaremos, finalmente, a analisar este fenômeno em si e traçar seus desdobramentos.
Primeiramente cabe salientar a mudança ocorrida com a ressistematização do Direito Privado, personificada com a promulgação do código civil de 2002. O novo ordenamento absorveu em si os mesmos princípios que regem a constituição. Miguel Reale afirma isto em artigo no qual salienta que o artigo 1º da constituição, em seu princípio da igualdade, é a base fundamental de todo ordenamento jurídico.
Foi esta mudança de paradigma que propiciou a alteração da lei civil, fazendo desta nova recepção e confluência constitucional o principal meio de aplicação dos novos princípios emanados da constituição de 1988 no ordenamento privado.
Desta forma, o Direito Privado não era mais visto tão somente como regulador das relações entre indivíduos. A mudança no pensamento sobre o Direito Privado atribuiu a este novas e inéditas funções, nunca antes exploradas por este ramo do Direito.
A primeira função do Direito Privado é a deste como garantia de acesso a bens. Esta função do Direito Privado implica não somente a regulamentação da propriedade, mas também ao direito da pessoa a ter acesso a bens materiais e imateriais que sua condição de ser humano e cidadão lhe legitima. Desta forma, o acesso ao trabalho, à justiça, à reparação, ao mercado, ao discurso público, ao consumo e à saúde seriam todos garantidos ao usar-se da justiça cível e privada, com seus diversos dispositivos, para assegurar os mencionados direitos.
Outra é a função do Direito Privado como limite ao poder. Esta função geralmente é atribuída à constituição, porém, com a aplicação de seus princípios, o Direito Privado também preocupa-se com os direitos individuais, o controle do poder estatal, grupal e das relações interpessoais.
E uma última função do Direito Privado seria do mesmo como proteção ao indivíduo. Estes princípios tomam por base o do indivíduo como centro do ordenamento jurídico, a universalização e sistematização dos direitos individuais e a articulação entre o Direito Público e Privado.
Vistos estas novas funções e atribuições do Direito Privado nos podemos empenhar em encontrar exemplos destas novas atribuições vigentes no ordenamento.
O mais amplo princípio constitucional aplicado ao ordenamento privado foi o da isonomia entre os sexos. Ele teve ramificações em praticamente todo o corpo do código civil, iniciando na parte geral, na qual aos homens e mulheres foram atribuídos a mesma capacidade civil, não sendo mais a mulher casada relativamente incapaz. Na área de família o Pátrio Poder foi alterado para Poder Familiar, não existindo mais hierarquia entre os cônjuges.
Da mesma forma, foi dada isonomia entre os filhos. Não mais é permitido fazer qualquer distinção entre os filhos, não mais sendo relevante se estes são primogênitos ou adotados.
Outro importante ditame constitucional provém da norma que exige de toda propriedade uma função social. Isto alterou profundamente o regime da propriedade, que anteriormente era visto como o poder total da pessoa sobre a coisa. Nisto a característica do Direito Privado como garantia ao indivíduo, garantindo o interesse da coletividade sobre o do indivíduo.
O limite ao poder grupal, no mesmo sentido, se evidencia na aplicação do controle difuso constitucional, no qual pressupõe-se uma ação ordinária, geralmente privada, argüida quanto à constitucionalidade do fato concreto. Também, prevalece a visão do contrato como criação descentralizada da ordem econômica, dando poder econômico ao indivíduo sem ser necessária a anuência do Estado. Neste sentido, também a réplica como controle difuso da imprensa. E por fim a responsabilidade civil do Estado por suas ações e omissões.
Talvez uma das maiores mudanças o ordenamento se deu no campo contratual. Analogamente ao regime da propriedade, também foi exigida a função social do contrato. Este ramo civil pautava-se exclusivamente na autonomia das vontades e agora vê-se subordinado a, entre outros princípios, os elencados no artigo 5º da constituição.
O Direito Privado como garantia evidencia-se nos novos desdobramentos da responsabilidade civil. A responsabilidade civil na égide do código de 1916 constituia-se como artifício para a reparação exclusivamente patrimonialista. Porém após previsão legal e súmula do STF foi finalmente reconhecido em nosso ordenamento o dano moral. Este tipo de dano visa prevenir danos ao bem jurídico da dignidade da pessoa humana, trazido ao ordenamento privado por princípio constitucional regulamentado.
Mais um desdobramento da responsabilidade civil é a capacidade desta de disciplinar as ações do Estado e do indivíduo através da possibilidade de pleitear indenização se considerar-se lesado. Isto é fruto da aplicação dos princípios constitucionais evidenciados, principalmente, no controle constitucional, como por exemplo, na argüição de descumprimento de preceito fundamental. Esta nova face do Direito Privado entende o injusto como antijurídico.
Em nova previsão normativa, o novo código criou capítulo denominado “direitos da personalidade”. Estes direitos são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária. Esses direitos são tipicamente constitucionais, mas encontram-se no ordenamento privado para que possam ser aplicados concretamente e de forma mais hábil.
Um último exemplo de ordenamento privado alterado pelos princípios constitucionais é o Direito do consumidor. Pautado na noção de igualdade material de Aristóteles, na qual se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Pautado neste princípio constitucional, o Direito do consumidor usa-se de artifícios como a inversão do uso da prova e responsabilidade do revendedor para melhor proteger o consumidor.
As conseqüências da aplicação dos princípios constitucionais no Direito Privado, expostas aqui, são somente algumas das principiais mudanças ocorridas no ordenamento. Não trataremos de todas, pois são inúmeras e o objetivo deste artigo é somente constatar que este fenômeno de fato ocorre e vislumbrar algumas de suas principais manifestações. Com isto, podemos afirmar que o fenômeno da aplicação dos princípios constitucionais no Direito Privado, não só ocorre em nosso ordenamento, mas modifica a própria forma como se pensa o Direito. Este novo paradigma introduzido por nosso objeto de análise, será tratado a seguir

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