terça-feira, 9 de dezembro de 2008

SUCESSÃO LEGÍTIMA À

SUCESSÃO LEGÍTIMA À
LUZ DO NOVO CÓDIGO
CIVIL*
Euclides de Oliveira
DIREITO DE FAMÍLIA
RESUMO
Analisa as alterações introduzidas no Direito das Sucessões, com os delineamentos básicos das espécies de transmissão dos bens, vocação
hereditária, formalidades para cessão da herança, posição sucessória do companheiro e a ordem da vocação hereditária na sucessão legítima.
Quanto à vocação hereditária, entende ter o atual Código Civil inovado, em seu art. 1.798, ao explicitar os requisitos pessoais para legitimação à
sucessão e as normas especiais sobre a capacitação de ingresso na sucessão testamentária, matéria de pouco trato no antigo Código.
Destaca, ainda, as sensíveis mudanças relacionadas à ordem da vocação hereditária na sucessão legítima, as quais acabaram por valorizar o cônjuge,
com a inclusão deste como herdeiro necessário, e desfavorecer o companheiro sobrevivente de união estável, que tem participação concorrente na
herança apenas sobre certos bens.
Conclui que tais questões, além de outras citadas, são merecedoras de aprofundado exame dos estudiosos, com vistas a eventual reforma, que
promova os necessários acertos no texto do Código.
PALAVRAS-CHAVE
Direito Civil; Direito das Sucessões; sucessão legítima; sucessão testamentária; Direito de Família; novo Código Civil – arts. 1.784 a 2.027; causa
mortis; de cujus; herança; testamento; vocação hereditária – ordem; cônjuge; companheiro; união estável.
__________________________________________________________________________________________________________________
* Conferência proferida no “II Encontro de Direito de Família do IBDFAM/DF”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – Seção
Distrito Federal, de 10 a 14 de maio de 2004, no auditório do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília – DF.
58 R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 57-63, out./dez. 2004
1 O DIREITO DAS SUCESSÕES NO
NOVO CÓDIGO CIVIL
Sabe-se da importância do
ordenamento civil brasileiro, remodelado
pela Lei n. 10.406,
de 10 de janeiro de 2002, em vigor
desde 11 de janeiro deste ano, trazendo
grandes mudanças que exigem
estudo, reflexão e debates para
sua compreensão e natural aperfeiçoamento.
Como ensina o Prof. Miguel
Reale, presidente da comissão
idealizadora do projeto que se transformou
na Lei n. 10.406, seus princípios
básicos são a eticidade, a
operatividade e a sociabilidade, contrariando
aquelas antigas praxes que
serviram ao vetusto Código de 1916,
inspiradas em costumes, moral e realidades
totalmente diferentes, oriundos
do final do séc. XIX.
Nesse contexto, as mudanças
introduzidas no Direito das Sucessões
são merecedoras de análise. Quando
se pensa em morte, em desaparecimento
de alguém, logo vem um
sentimento de irreparável tristeza e
dor pela perda, especialmente quando
se trata de um ente querido. De
outro lado, a morte traz continuidade
da vida do extinto no tocante aos seus
bens, que, de imediato, transmitemse
aos sucessores legítimos ou testamentários,
o que se dá na forma
determinada pelo autor da herança,
se houver deixado testamento ou
codicilo como ato de última vontade.
Ficam os sobrevivos, portanto, sujeitos
à vontade dos mortos no que tange
ao recebimento de seu patrimônio.
Há uma espécie de imortalidade do
titular dos bens, no aspecto de
direcionar sua posse, de transmiti-la
a certas pessoas e sob certas condições,
e tal demonstra a importância
do Direito sucessório. Quando se fala
que o Código Civil rege a nossa vida
desde o nascimento até a morte, é
uma meia verdade, pois, mais que
isso, a lei estende seus efeitos para
depois da morte da pessoa, nas esferas
patrimonial e da sucessão hereditária.
2 FUNDAMENTOS LEGAIS
O Direito das Sucessões tem
fundamento na Constituição Federal,
art. 5º, inc. XXX, consagrador do direito
de herança. Trata-se, portanto,
de direito fundamental, que não pode
ser negado pela legislação infraconstitucional.
A matéria é tratada no Livro V
do vigente Código Civil, entre os arts.
1.784 e 2.027, compreendendo os títulos:
Disposições Gerais, Sucessão
Legítima, Sucessão Testamentária,
Inventário e Partilha.
Na esfera processual, aplicamse
as normas do Código de Processo
Civil, arts. 982 a 1.045.
3 ESPÉCIES DE SUCESSÃO CAUSA
MORTIS: LEGÍTIMA E
TESTAMENTÁRIA
A sucessão causa mortis consiste
na transmissão dos bens da
pessoa falecida aos seus herdeiros,
que podem ter essa qualificação em
virtude da lei ou por força de testamento.
Também ocorre sucessão no
caso de ausência de uma pessoa,
desaparecimento sem deixar vestígios,
sem dar notícias do seu paradeiro
e sem deixar quem a represente.
Uma vez declarada judicialmente
a ausência, dá-se a sucessão provisória
nos seus bens, tornando-se definitiva
depois de certo tempo, diante
da morte presumida do ausente.
Note-se que a ausência é tratada
na Parte Geral do Novo Código
Civil, não no Livro do Direito de Família
e muito menos no Direito das Sucessões.
Acha-se no Título “Das Pessoas
Naturais”, arts. 6º e 7º, com regulamentação
da sucessão provisória
e da sucessão definitiva nos arts.
22 a 39. Houve mudança na disposição
da matéria, que, no Código anterior,
abrigava-se no Direito de Família.
Assim, por ocasião da morte
ou na ausência de uma pessoa, ocorre
a sucessão hereditária, também
chamada de “mortis causa”. São duas
as vertentes do Direito Sucessório,
que existiam no Código velho e se
mantêm no novo: a sucessão legítima
e a sucessão testamentária. A
primeira dá-se em virtude da lei, que
estabelece a ordem da vocação hereditária:
descendentes, ascendentes,
cônjuge e colaterais até o 4º grau,
além do companheiro. A outra espécie
de sucessão denomina-se “testamentária”
porque decorre da manifestação
de vontade deixada pelo testador,
dispondo sobre seus bens e
quem sejam os sucessores.
Havendo testamento, prevalece
a sucessão testamentária, ante a
primazia da vontade do testador sobre
a disposição da lei. Ressalva-se,
porém, a metade da herança, chamada
de “legítima”, a que têm direito os
herdeiros necessários. Compreendese
nessa especial categoria de herdeiros
os descendentes e os ascendentes
do falecido e, por disposição
do novo Código Civil, também o cônjuge
sobrevivente.
A inclusão do cônjuge como
herdeiro necessário constitui importante
novidade, com reflexos na forma
de atribuição da herança; sem falar
que o cônjuge passou a ter participação
na herança junto com os descendentes,
dependendo do regime de
bens adotado no casamento. Isso
atinge mesmo as pessoas casadas
antes da vigência do novo Código
Civil, com alteração, portanto, das
anteriores expectativas de direitos
entre as partes. No regime do Código
Civil de 1916, era possível fazer
um testamento dispondo dos bens
em favor de terceiros, sem contemplar
o cônjuge. Agora, o testamento
continua possível, mas com restrição,
não podendo alcançar a porção da
herança reservada ao cônjuge como
herdeiro necessário.
4 TERMOS BÁSICOS
Cumpre destacar alguns termos
básicos sobre a sucessão hereditária,
para facilitar e encaminhar a
exposição da matéria.
A principal personagem é o
autor da herança, como se denomina
o falecido ou desaparecido, finado,
extinto. Processualmente, o falecido
é chamado de inventariado. Também
se conhece por de cujus, ou seja,
aquele de cuja herança se trata.
Entende-se por herança o conjunto
dos bens deixados pelo falecido.
Não confundir com espólio, herança
do ponto de vista processual
ou formal. Enquanto existir inventário,
até a partilha, os bens da herança
formam um espólio, ou seja, a
massa, a universalidade dos bens
declarados em juízo. O espólio é representado
pelo inventariante, pessoa
nomeada pelo juiz para atuar no
inventário, administrar os bens e prestar
contas dos seus atos aos interessados
na herança, até que se efetue
a partilha.
Na apuração da herança, aparta-
se, primeiro, a meação atribuída
ao cônjuge sobrevivo, sobre os bens
comunicáveis, na pendência do regime
de bens em que se casou. O
restante é a herança, atribuível aos
sucessores legítimos ou testamentários.
A transmissão dos bens da
herança dá-se logo após a morte do
titular. Aplica-se o chamado “droit de
saisine”, originário do Direito francês,
segundo o qual o morto transmite
seus bens ao vivo, por conseqüência
automática e imediata, indepenR.
CEJ, Brasília, n. 27, p. 57-63, out./dez. 2004 59
dentemente da abertura do inventário,
que ocorre em data posterior, para
mera formalização do ato transmissivo.
Como sucessores distinguemse:
a) o herdeiro, sucessor universal,
que recebe a totalidade da herança
(se for único) ou parte ideal em todos
os bens (se houver mais de um herdeiro);
e b) o legatário, sucessor singular,
que recebe coisa certa e determinada
(legado), por disposição testamentária.
Quanto ao procedimento judicial
para a transmissão dos bens, temse
o inventário e sua forma simplificada,
o arrolamento, aplicável nos
casos de acordo ou de herança de
pequeno valor.
5 VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
Entende-se por vocação hereditária
o chamamento de pessoa legitimada
a suceder nos bens do falecido.
Pode ocorrer por disposição legal,
como na sucessão legítima, em que
os herdeiros são chamados segundo
a ordem da vocação hereditária. Ou
pode haver o chamamento dos herdeiros
previstos em testamento, e bem
assim dos legatários, por disposição
de vontade do autor da herança.
Inova o Código Civil, ao tratar
da vocação hereditária em capítulo
próprio, a partir do art. 1.798, explicitando
os requisitos pessoais para
legitimação à sucessão e as normas
especiais sobre a capacitação para
ingresso na sucessão testamentária.
A matéria era de pouco trato no Código
revogado, com previsões apenas
de aquisição por testamento, por pessoas
existentes ao tempo da morte
do testador, que não fossem declaradas
incapazes, ou por indivíduos não
concebidos até a morte do testador,
salvo disposição em favor de prole
eventual (arts. 1.717 e 1.718).
A primeira regra a legitimar a
vocação hereditária é a de que a pessoa
seja nascida ou já concebida no
momento da abertura da sucessão.
Atende-se, portanto, ao direito do
nascituro, que a lei resguarda a partir
da concepção (art. 2o do Código Civil).
Nesse ponto, porém, nota-se que
o direito sucessório não se estende
aos filhos concebidos post mortem,
que a lei presume como sendo do
autor da herança nas hipóteses de
reprodução assistida por fecundação
artificial homóloga, por uso de embriões
excedentários decorrentes de
concepção artificial homóloga ou
inseminação artificial heteróloga com
prévia autorização do marido, conforme
disposto no art. 1.597, incs. III a
V, do mesmo Código. Ou seja, haverá
situação, nesses casos, de filhos
havidos após a morte do autor da
herança, como tais considerados no
plano do Direito de Família, porém sem
o abrigo do direito aos bens no Direito
Sucessório.
Tocante à sucessão testamentária,
o Código vigente resolve antigo
questionamento sobre a extensão
temporal do conceito de prole eventual,
a saber, até quando se lhe garante
a vocação hereditária. Por disposição
de seu art. 1.799, inc. I, com
explicitação no art. 1.800, somente
prevalece por dois anos a nomeação,
pelo testador, de filhos ainda não concebidos,
de pessoas por ele designadas
e vivas para sucedê-lo. Passado
esse prazo, contado da data da
abertura da sucessão, os bens do
nascituro, que se achavam confiados
a um curador, caberão aos herdeiros
legítimos (salvo hipótese de substituição
testamentária).
Habilitam-se, também, como
sucessíveis por testamento, as pessoas
jurídicas, bem como as que o
testador determine sejam constituídas
sob a forma de fundação (art. 1.799,
inc. II e III).
Ainda nesse capítulo, o Código
Civil enumera impedimentos para
recebimento da herança ou de legado
por testamento (art. 1.801), que
melhor caberiam no título próprio para
tal espécie de sucessão. O mesmo
se diga da disposição contida no art.
1.803, que formaliza entendimento da
Súmula n. 477 do Supremo Tribunal
Federal, tocante à licitude de deixa
ao filho de concubino, com a condição
de que também o seja do testador.
6 EXCLUSÃO DA SUCESSÃO:
RENÚNCIA, INDIGNIDADE E
DESERDAÇÃO
Embora a herança deva transmitir-
se logo em seguida à abertura
da sucessão (princípio do droit de
saisine, adotado no art. 1.784 do Código
Civil), tal conseqüência pode não
advir em razão de exclusão do direito
de herança, por ato de vontade do
herdeiro (renúncia) ou por determinação
legal (indignidade ou deserdação).
O art. 1.804 do Código Civil
dispõe que a transmissão da herança
torna-se definitiva com a sua aceitação,
e tem-se por não efetivada
quando o herdeiro renuncia à herança,
constituindo tal ato repúdio voluntário,
que, por ser uma recusa ao recebimento
dos bens, exige formalização
expressa, por escritura pública
ou termo judicial (art. 1.806 do
Código Civil).
A parte do renunciante acresce
à dos outros herdeiros da mesma
classe ou, se o renunciante for o único
de sua classe, a herança é atribuída
aos seus descendentes, por
direito próprio, ou devolvida aos da
classe subseqüente (arts. 1.810 e
1.811 do Código Civil). Importa dizer,
assim, que ninguém pode suceder
por representação do herdeiro renunciante.
Trata-se, no caso, de exclusão
voluntária da herança, em vista de
expressa manifestação da vontade
de quem teria direito a recebê-la, uma
vez situado na ordem prioritária de
chamamento.
Contudo, a exclusão do herdeiro
pode também ocorrer por fato
estranho à sua vontade, desde que
pratique determinados atos considerados
por lei como ofensivos à pessoa
de quem ele sucederia. Compreendem-
se como tais os casos de
indignidade, previstos no art. 1.814
do Código Civil, e de deserdação,
catalogados a partir do art. 1.961 do
mesmo Código.
Entende-se por vocação
hereditária o chamamento
de pessoa legitimada a
suceder nos bens do
falecido. Pode ocorrer por
disposição legal, como na
sucessão legítima, em que
os herdeiros são chamados
segundo a ordem da
vocação hereditária. Ou
pode haver o chamamento
dos herdeiros previstos em
testamento, e bem assim
dos legatários, por
disposição de vontade do
autor da herança.
60 R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 57-63, out./dez. 2004
O novo ordenamento ampliou
consideravelmente as hipóteses de
comportamento indigno, passíveis de
exclusão da herança, fazendo incluir
a prática de homicídio ou de tentativa
de homicídio doloso não só contra
a pessoa de cuja sucessão se tratar,
mas, também, contra seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente.
Continuam previstas outras
causas de indignidade, relativas à
denunciação caluniosa ou crimes contra
a honra do falecido, agora também
incidentes por ofensas ao seu cônjuge
ou companheiro. E também punese
com a exclusão a prática de violência
ou de meios fraudulentos para
inibição da vontade do testador.
Dando-se a declaração de indignidade,
dependente de sentença
em ação própria, o herdeiro é considerado
como se morto fosse, procedendo-
se à atribuição de sua quota
aos eventuais descendentes, que
herdam por estirpe (art. 1.816 do Código
Civil).
Quanto às causas de deserdação,
que se condicionam a expressa
disposição testamentária, referemse
a determinados atos de ingratidão
dos herdeiros necessários, em relação
ao autor da herança. Se não houver
herdeiros necessários, subsistindo
apenas, como sucessores, o companheiro
sobrevivente ou colaterais,
assim como na falta de qualquer parente
sucessível, o testador pode
determinar a atribuição dos bens a
quem lhe aprouver, independentemente
de determinação da causa (art.
1.850 do Código Civil).
Consideram-se causas de
deserdação dos descendentes e dos
ascendentes, além daquelas que servem
à indignidade, determinadas infrações
de conduta, como ofensa física,
injúria grave, relações ilícitas
com afins do autor da herança e abandono
material do ascendente ou do
decendente em alienação mental ou
grave enfermidade. Não mais consta
do rol, agora tipificado nos arts. 1.962
e 1.963 do Código Civil, a discriminatória
referência do Código revogado
(art. 1.744, inc. III) à desonestidade
da filha que vive na casa paterna.
Enseja reparo a omissão do
legislador concernente às causas de
deserdação do cônjuge. A este se
aplicam, com certeza, aquelas que
servem à indignidade, mas não as demais,
relativas unicamente à deserdação
dos descendentes e ascendentes,
o que significa uma falha de previsão
legislativa, pois é bem possível
venha o cônjuge a incidir numa
daquelas condutas, que seriam naturalmente
gravosas à pessoa do autor
da herança, tanto quanto o são para
os parentes mencionados.
7 CESSÃO DA HERANÇA
Constitui inovação do vigente
Código a regulamentação da cessão
de direitos hereditários, conforme se
verifica dos seus arts. 1.793 a 1.795.
Aberta a sucessão, os bens da
herança transmitem-se em bloco aos
sucessores legítimos ou testamentários.
A herança é considerada um
todo unitário, ainda que vários sejam
os herdeiros. Enquanto não é efetuada
a partilha, os co-herdeiros exercem
a posse e a propriedade dos
bens como condôminos, uma vez que
a herança é considerada um bem
indivisível.
Por tais razões, e considerando
que a sucessão aberta é tida, por
ficção legal, como espécie de bem
imóvel (ainda que seja constituída de
bens móveis por sua substância), efetua-
se a cessão do direito hereditário
mediante a forma solene de escritura
pública. É como previsto no Código
Civil, pela só referência à escritura
pública, o que impediria a utilização
de instrumento particular, resolvendose,
com isso, antiga pendência doutrinária
sobre a forma daquele ato
transmissivo de bens.
No entanto, mais adiante, ao
tratar da renúncia à herança, o Código
possibilita seu exercício tanto por
escritura pública como por termo nos
autos do processo de inventário. Daí
pode extrair-se conclusão paralela
para a hipótese de renúncia imprópria,
de caráter transmissivo dos bens em
favor de outrem, a caracterizar cessão
de direitos. Se a renúncia abdicativa,
que representa um plus em
relação à renúncia translativa (ou seja,
cessão da herança), pode ser feita em
petição tomada por termo nos autos,
por que não se admitir o mesmo procedimento
para o ato de finalidade
transmissiva dos bens, porquanto a
solenidade do procedimento em juízo
é igual ou mesmo superior à verificada
na outorga por escritura pública?
Pode-se argumentar, contrariamente,
com o caráter negocial da cessão
de direitos hereditários, a exigir
instrumentação notarial, mas, em resposta,
tem-se a permissão legal até
mesmo da partilha amigável dos
bens, que, não obstante o típico caráter
negocial, também se admite por
termo nos autos, além das formas da
escritura pública e do escrito homologado
pelo juiz.
O objeto da cessão pode ser o
direito à sucessão aberta ou o quinhão
de que disponha o herdeiro.
Conceitua-se cessão de direitos o
negócio jurídico inter vivos, celebrado
depois da abertura da sucessão,
entre o herdeiro (cedente) e outro herdeiro
ou terceiro (cessionário), pelo
qual o cedente transfere ao cessionário,
a título oneroso ou gratuito, parcial
ou integralmente, a parte que lhe
cabe na herança. Todos os herdeiros
são co-proprietários dos bens da herança,
condôminos, e por isso podem
dispor dos seus direitos hereditários,
embora ainda sem a individualização
dos bens (exceto no legado, por ser
coisa certa e determinada pelo testador).
Embora com previsão específica
para cessão de direitos hereditários,
também se aplicam as mesmas
disposições legais, por interpretação
extensiva, à cessão de direitos de
meação pelo cônjuge ou pelo companheiro
sobrevivente.
Note-se que a cessão é típico
ato post mortem. Não pode ser feita
antes de aberta a sucessão, por configurar
pacta corvina, ou seja, contrato
versando sobre herança de pessoa
viva, sobre o que incide expressa
vedação no art. 426 do Código
Civil.
Difere a cessão da renúncia,
pois esta tem natureza abdicativa,
pela não- aceitação da herança, enquanto
a primeira é de cunho translativo
dos direitos hereditários, pressupondo
aceitação e transmissão do
direito sucessório. Mas se a cessão
for gratuita e em favor de todos os
herdeiros, iguala-se, em seus efeitos,
à renúncia abdicativa.
Havendo disposição testamentária
com cláusula de inalienabilidade,
estará determinada a indisponibilidade
dos bens transmitidos por herança,
o que significa óbice ao direito
de cessão.
Faz-se necessária a outorga
conjugal para a cessão de direito de
herança pelo herdeiro casado? A resposta
é positiva, uma vez que se cuida
de alienação de bem considerado
de natureza imóvel. Mas o novo Código
estabelece exceções para os
casos de união conjugal sob o regime
da separação convencional de
bens ou, se houver previsão no pacto,
também no regime da participação
final nos aquestos.
E na união estável? Não há
determinação legal de consentimento
do companheiro para que o outro
aliene bens, mas será recomendável
sua presença no ato, para expressar
R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 57-63, out./dez. 2004 61
anuência, ou, se for o caso, para declarar
que o alienante não vive em
união estável, a fim de se evitarem
futuros litígios por parte do companheiro
que se sentir prejudicado com
o ato de cessão de direitos em que
tivesse interesse patrimonial.
Houve-se bem o legislador ao
esclarecer que a cessão se limita aos
direitos declarados no ato de transmissão,
não abrangendo eventuais
outros conferidos ao herdeiro cedente
em conseqüência de substituição ou
de direito de acrescer.
A lei considera ineficaz a cessão,
pelo co-herdeiro, de seu direito
hereditário sobre qualquer bem da
herança considerado singularmente.
Ou seja, a cessão faz-se a título universal,
abrangendo toda a herança ou
parte ideal dela. Não é possível individualizar
bens a serem transmitidos
enquanto não celebrada a partilha.
Depois da partilha, cessado o estado
de indivisão, o herdeiro assume a
titularidade do bem recebido, ou da
fração que lhe caiba, com liberdade
para atos de alienação que se caracterizam,
então, como típica compra e
venda.
A disposição de ineficácia da
cessão de coisa singular, ou de qualquer
bem componente do acervo hereditário,
enquanto pendente a
indivisibilidade, tem aplicação aos
demais herdeiros, pressupondo-se,
como é óbvio, não se tratar de herdeiro
único. Mas se a hipótese for
esta, de uma só pessoa com direito
à herança, parece claro que não prevalecerá
a vedação legal, permitindose
ao interessado ceder o seu direito
sobre toda a herança ou sobre bem
por ele determinado. Mesmo em outras
situações de interesses de diversos
sucessores, abre-se a possibilidade
da cessão de direitos sobre
coisa certa da herança mediante autorização
do juiz do processo. Assim
sendo, se houver interesse e concordância
de todos, nada obstará a que
o juiz autorize a cessão de um bem
singularizado, expedindo alvará para
que se passe a escritura nesses termos.
É assegurado o direito de preferência
dos co-herdeiros na cessão
feita por um dos herdeiros a pessoa
estranha à sucessão. O procedimento
é análogo àquele entre condôminos.
Faz-se necessário dar ciência
da cessão aos demais herdeiros, para
recebimento da quota hereditária sob
cessão, nas mesmas condições de
preço e forma de pagamento oferecidas
a outrem. Na falta de conhecimento
da cessão, o co-herdeiro preterido
poderá, depositando o preço, haver
para si a quota cedida ao estranho,
se o requerer no prazo de cento e oitenta
dias após a transmissão. Havendo
vários herdeiros interessados,
terão direito a ficar com o bem na proporção
das respectivas quotas hereditárias.
No aspecto fiscal, cabe apontar
que a cessão de direitos hereditários,
por ser ato transmissivo de bem
imóvel, sujeita-se ao correspondente
imposto de transmissão (ITBI, se a
cessão for onerosa, ou ITCMD, se
gratuita, equivalendo a doação).
8 HERDEIRO APARENTE
Diz-se aparente o herdeiro que
ostenta essa qualidade perante terceiros,
muito embora não possua efetivamente
direito à herança. Se tal
herdeiro estiver na posse da herança
e praticar atos que afetem os bens
sob sua administração, como ficam
os terceiros que com ele venham a
contratar? Seriam válidos os atos assim
praticados?
A lei procura resguardar, em
tais situações, os direitos de terceiros
de boa-fé, para os quais o ato de
disposição praticado pelo herdeiro
aparente mantém sua eficácia, ainda
que em prejuízo dos que efetivamente
tivessem direito à percepção da
herança, restando-lhes a reparação
indenizatória a cargo do herdeiro que
cometeu o ato ilícito.
A matéria era tratada no art.
1.600 do Código Civil de 1916, em
seqüência a disposições sobre a exclusão
do direito à herança por indignidade.
De modo semelhante dispõe
o art. 1.817 do Código Civil em vigor,
mencionando serem válidas as alienações
onerosas de bens hereditários
a terceiros de boa-fé e os atos de
administração praticados pelo herdeiro,
antes da sentença de exclusão.
Acrescenta, em parágrafo único, que
o excluído da sucessão se obriga a
devolver os frutos e rendimentos que
dos bens da herança houver recebido,
embora com direito a ser indenizado
das despesas com sua conservação.
A teoria da aparência, que serve
de fundamento a essas disposições,
com lastro na boa-fé de terceiro
que contrate com o herdeiro excluído,
não se esgota com a casuística
inerente à exclusão da herança por
indignidade. Trata-se de princípio
geral de Direito, esse de proteger-se
a boa-fé na preservação da validade
dos atos jurídicos. Tal possibilita, assim,
sua extensão para situações
símiles, de exclusão da herança por
deserdação, abrangendo causas nãoprevistas
para a indignidade. Também
possível invocar-se o mesmo
princípio para garantia da inteireza de
atos praticados por quem, supostamente,
exiba ares de herdeiro, provocando
o erro de terceiros que com
ele contratem de boa-fé, como se dá
na hipótese de simples “filho de criação”
que se suponha, falsamente, ter
sido registrado pelo autor da herança,
ou nos casos de herdeiro situado
na ordem da vocação hereditária, mas
preterido por outro, de classe ou grau
mais próximo, cuja existência se desconhecia
até a prática do ato dispositivo
de bens pelo herdeiro aparente.
O toque de pedra na aferição
da validade dos atos é a boa-fé do
adquirente. Também se leve em conta
o fato de ter ou não havido a exclusão
do herdeiro por sentença, uma vez
que, após esse reconhecimento judicial
com eficácia erga omnes, não se
pode admitir boa-fé de terceiros que,
no momento da contratação, hajam
desprezado cautelas mínimas de aferição
dos antecedentes judiciais do
outro contratante.
A matéria é complexa, ressente-
se de melhor previsão no texto le-
A lei considera ineficaz a
cessão, pelo co-herdeiro, de seu
direito hereditário sobre
qualquer bem da herança
considerado singularmente. Ou
seja, a cessão faz-se a título
universal, abrangendo toda a
herança ou parte ideal dela. Não
é possível individualizar bens a
serem transmitidos enquanto
não celebrada a partilha. Depois
da partilha, cessado o estado de
indivisão, o herdeiro assume a
titularidade do bem recebido, ou
da fração que lhe caiba, com
liberdade para atos de alienação
que se caracterizam, então,
como típica compra e venda.
62 R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 57-63, out./dez. 2004
gal e por isso enseja divergências
interpretativas segundo os elementos
circunstanciais de cada situação concreta.
Conforme o caso, os efeitos
jurídicos do ato praticado pelo herdeiro
aparente podem ser conhecidos e
declarados nos próprios autos do processo
de inventário, por força de sua
vis atractiva, nos termos do art. 984
do Código de Processo Civil. Subsistindo,
porém, dúvidas que exijam
dilação probatória, configura-se questão
de alta indagação, a ser relegada
para exame nas vias ordinárias.
9 ORDEM DA VOCAÇÃO
HEREDITÁRIA
Na sucessão legítima, obedece-
se à ordem da vocação hereditária,
prevista na lei. Nesse ponto, houve
sensíveis alterações no novo Código
Civil, pela valorização dada ao cônjuge
na concorrência com os descendentes
e ascendentes do falecido.
Em primeiro lugar estão os descendentes,
que são os filhos, os netos,
pela ordem de proximidade. Não
importa a natureza da filiação, se natural
ou civil, ante o princípio da igualdade
no tratamento dos filhos, que
não podem ser discriminados como
legítimos, ilegítimos ou adotivos.
A evolução da ciência genética
levou a outras espécies de filiação,
por inseminação artificial ou por reprodução
assistida, previstas no novo
Código, ao tratar das hipóteses de
presunção da paternidade.
Questão controvertida será a
decorrente de aproveitamento de
embriões excedentários após a morte
do autor da herança, uma vez que
a transmissão de bens só se assegura
aos sucessores existentes na
data da abertura da sucessão, mas
com ressalva de direitos ao nascituro,
ou seja, ao fruto da concepção
ocorrida antes do óbito do autor
da herança.
Na subseqüente ordem da vocação
hereditária, não havendo descendentes,
situam-se os ascendentes,
que são os pais, avós etc., observada
a preferência dos mais próximos.
Em terceiro lugar, vem o cônjuge.
No sistema do Código anterior, o
cônjuge recebia toda a herança, se
não houvesse descendente ou ascendente;
ou tinha direito de usufruto
sobre parte dos bens, em concurso
com descendentes ou ascendentes.
Esse direito de usufruto desaparece
no novo Código, sendo substituído
pela concorrência do cônjuge na herança
atribuída aos herdeiros que o
precedem.
Resguarda-se, também, o direito
do companheiro do falecido, em
decorrência de união estável. Na legislação
anterior, os seus direitos hereditários
eram assemelhados aos do
cônjuge viúvo. Atualmente, o companheiro
tem participação concorrente
na herança, sobre certos bens, sem
equiparação com o cônjuge.
Em seguida, na ordem da vocação
hereditária, acham-se os
colaterais, parentes até o 4º grau e
incluem-se nesses, pela ordem, irmãos,
sobrinhos, tios e primos.
A situação ainda se completa
com a atribuição da herança ao Município,
quando não houver herdeiros
sucessíveis. Trata-se da herança jacente,
a ser declarada vacante, em
procedimento judicial próprio. O
beneficiário da herança vacante era o
Estado, até a modificação operada
pela Lei n. 8.049, de 20 de junho de
1990, que deferiu a outorga dos bens
daquela natureza ao Município.
Refogem à sucessão legítima
certos bens do falecido, transmitidos
por direito próprio, nos casos assim
chamados de “sucessão anômala”.
São as hipóteses de direitos securitários,
abrangendo a previdência social
e o seguro de vida, e as de sucessão
em pequenos valores, como
saldo de salários, Fundo de Garantia,
PIS/Pasep, aplicações financeiras
até 500 ORTN, devolução de imposto
de renda e restituição de tributos,
que cabem aos dependentes
do falecido, nos termos da Lei n.
6.858/80.
10 COMPANHEIRO SOBREVIVENTE
DE UNIÃO ESTÁVEL
A união estável entre homem e
mulher constitui entidade familiar digna
de proteção do Estado. A previsão
teve origem na Constituição Federal
de 1988, seguindo-se a regulamentação
dos direitos dos companheiros
nas Leis ns. 8.971, de 29 de
dezembro de 1994, e 9.278, de 10 de
maio de 1996.
Por essa legislação especial,
o companheiro sobrevivente ocupava
posição similar à do cônjuge viúvo,
tendo direito a usufruto parcial
sobre os bens da herança, se concorresse
com descendentes ou ascendentes
do falecido, ou à totalidade
da herança, se não houvesse descendentes
nem ascendentes, além do
direito real de habitação sobre o imóvel
que lhe servia de residência.
Com o novo Código Civil, art.
1.790, modificou-se substancialmente
a situação do companheiro sobrevivo,
que passa a concorrer no direito
de herança apenas sobre os bens
havidos onerosamente durante a vida
em comum com o falecido parceiro.
Importa dizer que o companheiro não
terá qualquer participação na herança
relativa a outros bens, adquiridos
antes ou havidos graciosamente (herança
ou doação) pelo autor da herança.
Sobre os bens comuns, porque
adquiridos na vigência da união estável
e a título oneroso, o companheiro
já tem direito à meação, pelo regime
legal da comunhão parcial de
bens, salvo contrato escrito (art. 1.725
do novo CC). Terá também direito à
herança em concorrência com os demais
herdeiros sucessíveis, recebendo
um quinhão nas condições seguintes:
I- se concorrer com filhos comuns,
receberá uma cota equivalente
à de cada filho;
II- se concorrer com descendentes
só do autor da herança, receberá
metade do que couber a cada
um;
III- se concorrer com outros
parentes sucessíveis, terá direito a um
terço da herança;
IV- se não houver parentes
sucessíveis, receberá a totalidade da
herança.
Favorável ao companheiro,
sem dúvida, o concurso na herança
com descendentes e ascendentes do
falecido, tal como se reconhece também
ao cônjuge sobrevivente. Mas
não se compreende que o companheiro
concorra com os demais parentes
sucessíveis, os colaterais até o quarto
grau. Trata-se de evidente retrocesso
no critério do sistema protetivo da
união estável, pois, no regime da Lei
n. 8.971/94, o companheiro recebia
toda a herança na falta de descendentes
ou ascendentes. Pelo critério
da lei vigente, o companheiro sobrevivente
terá direito apenas a um terço
de bens deixados pelo outro, enquanto
parentes distantes (como,
eventualmente, um primo do falecido)
ficarão com a maior parte do patrimônio.
Apesar disso, considere-se a
hipótese de o falecido ter deixado
apenas bens adquiridos antes da
união estável, ou havidos por doação
ou herança. Então, o companheiro
nada herdará, sem parentes sucessíveis,
ficando a herança vacante para
o ente público beneficiário (Município
ou Distrito Federal, se localizada nas
R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 57-63, out./dez. 2004 63e.
No sistema do Código anterior, o
cônjuge recebia toda a herança, se
não houvesse descendente ou ascendente;
ou tinha direito de usufruto
sobre parte dos bens, em concurso
com descendentes ou ascendentes.
Esse direito de usufruto desaparece
no novo Código, sendo substituído
pela concorrência do cônjuge na herança
atribuída aos herdeiros que o
precedem.
Resguarda-se, também, o direito
do companheiro do falecido, em
decorrência de união estável. Na legislação
anterior, os seus direitos hereditários
eram assemelhados aos do
cônjuge viúvo. Atualmente, o companheiro
tem participação concorrente
na herança, sobre certos bens, sem
equiparação com o cônjuge.
Em seguida, na ordem da vocação
hereditária, acham-se os
colaterais, parentes até o 4º grau e
incluem-se nesses, pela ordem, irmãos,
sobrinhos, tios e primos.
A situação ainda se completa
com a atribuição da herança ao Município,
quando não houver herdeiros
sucessíveis. Trata-se da herança jacente,
a ser declarada vacante, em
procedimento judicial próprio. O
beneficiário da herança vacante era o
Estado, até a modificação operada
pela Lei n. 8.049, de 20 de junho de
1990, que deferiu a outorga dos bens
daquela natureza ao Município.
Refogem à sucessão legítima
certos bens do falecido, transmitidos
por direito próprio, nos casos assim
chamados de “sucessão anômala”.
São as hipóteses de direitos securitários,
abrangendo a previdência social
e o seguro de vida, e as de sucessão
em pequenos valores, como
saldo de salários, Fundo de Garantia,
PIS/Pasep, aplicações financeiras
até 500 ORTN, devolução de imposto
de renda e restituição de tributos,
que cabem aos dependentes
do falecido, nos termos da Lei n.
6.858/80.
10 COMPANHEIRO SOBREVIVENTE
DE UNIÃO ESTÁVEL
A união estável entre homem e
mulher constitui entidade familiar digna
de proteção do Estado. A previsão
teve origem na Constituição Federal
de 1988, seguindo-se a regulamentação
dos direitos dos companheiros
nas Leis ns. 8.971, de 29 de
dezembro de 1994, e 9.278, de 10 de
maio de 1996.
Por essa legislação especial,
o companheiro sobrevivente ocupava
posição similar à do cônjuge viúvo,
tendo direito a usufruto parcial
sobre os bens da herança, se concorresse
com descendentes ou ascendentes
do falecido, ou à totalidade
da herança, se não houvesse descendentes
nem ascendentes, além do
direito real de habitação sobre o imóvel
que lhe servia de residência.
Com o novo Código Civil, art.
1.790, modificou-se substancialmente
a situação do companheiro sobrevivo,
que passa a concorrer no direito
de herança apenas sobre os bens
havidos onerosamente durante a vida
em comum com o falecido parceiro.
Importa dizer que o companheiro não
terá qualquer participação na herança
relativa a outros bens, adquiridos
antes ou havidos graciosamente (herança
ou doação) pelo autor da herança.
Sobre os bens comuns, porque
adquiridos na vigência da união estável
e a título oneroso, o companheiro
já tem direito à meação, pelo regime
legal da comunhão parcial de
bens, salvo contrato escrito (art. 1.725
do novo CC). Terá também direito à
herança em concorrência com os demais
herdeiros sucessíveis, recebendo
um quinhão nas condições seguintes:
I- se concorrer com filhos comuns,
receberá uma cota equivalente
à de cada filho;
II- se concorrer com descendentes
só do autor da herança, receberá
metade do que couber a cada
um;
III- se concorrer com outros
parentes sucessíveis, terá direito a um
terço da herança;
IV- se não houver parentes
sucessíveis, receberá a totalidade da
herança.
Favorável ao companheiro,
sem dúvida, o concurso na herança
com descendentes e ascendentes do
falecido, tal como se reconhece também
ao cônjuge sobrevivente. Mas
não se compreende que o companheiro
concorra com os demais parentes
sucessíveis, os colaterais até o quarto
grau. Trata-se de evidente retrocesso
no critério do sistema protetivo da
união estável, pois, no regime da Lei
n. 8.971/94, o companheiro recebia
toda a herança na falta de descendentes
ou ascendentes. Pelo critério
da lei vigente, o companheiro sobrevivente
terá direito apenas a um terço
de bens deixados pelo outro, enquanto
parentes distantes (como,
eventualmente, um primo do falecido)
ficarão com a maior parte do patrimônio.
Apesar disso, considere-se a
hipótese de o falecido ter deixado
apenas bens adquiridos antes da
união estável, ou havidos por doação
ou herança. Então, o companheiro
nada herdará, sem parentes sucessíveis,
ficando a herança vacante para
o ente público beneficiário (Município
ou Distrito Federal, se localizada nas
R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 57-63, out./dez. 2004 63
respectivas circunscrições, ou União,
quando situada em território federal –
art. 1.844).
Sobre esses dispositivos, assinala
Nelson Nery Júnior, em seu
Código Civil anotado1, que não está
claro na lei como se dá a sucessão
dos bens adquiridos a título gratuito
pelo falecido na hipótese de ele não
ter deixado parentes sucessíveis, por
isso conclui que a herança deve ser
atribuída na sua totalidade ao companheiro
sobrevivente, antes que ao
ente público destinatário da herança
jacente.
A argumentação do ilustre jurista
contém crítica à falta de técnica
legislativa e sugere uma interpretação
que favoreça os interesses do companheiro,
em atenção ao que teria sido
a real intenção do legislador:
“O CC 1790, caput, sob cujos
limites os incisos que se lhe seguem
devem ser interpretados, somente
confere direito de sucessão ao companheiro
com relação aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da
união estável, nada dispondo sobre
os bens adquiridos gratuitamente
durante esse mesmo período. É de
se indagar se, em face da limitação
do CC 1790, caput, o legislador ordinário
quis excluir o companheiro
da sucessão desses bens, fazendo
com que a sucessão deles fosse
deferida à Fazenda. Parece-nos que
não, por três motivos: a) o CC 1844
manda que a herança seja devolvida
ao ente público, apenas na hipótese
de o de cujus não ter deixado
cônjuge, companheiro ou parente
sucessível; b) quando o companheiro
não concorre com parente sucessível,
a lei se apressa em mencionar
que o companheiro terá direito à totalidade
da herança (CC 1790 IV),
fugindo do comando do caput, ainda
que sem muita técnica legislativa;
c) a abertura de herança jacente dáse
quando não há herdeiro legítimo
(CC 1819) e, apesar de não constar
do rol do CC 1829, a qualidade
sucessória do companheiro é de sucessor
legítimo e não de testamentário”.
Nada mais se contempla em
favor do companheiro, além desse
discutível e limitado direito de herança,
uma vez desaparecido o direito
de usufruto vidual. E o direito de habitação
foi previsto somente em favor
do cônjuge, no novo ordenamento
civil, embora razões de ordem social
recomendem sua extensão ao companheiro,
por interpretação analógica
ou pela residual aplicação do art. 7o,
parágrafo único, da Lei n. 9.278/96.
11 CONCLUSÃO
Pelo exame da nova sistemática
do Direito Sucessório, houve notável
mudança em relação à legislação
anterior, especialmente no plano da
vocação hereditária.
Foram introduzidos novos
regramentos, com a especificação
das pessoas que se habilitam a suceder,
incluindo-se a posição do
nascituro. Também se cuidou, com
destaque, da cessão do direito à sucessão
aberta, com normas sobre a
forma de sua efetivação e o resguardo
do direito de preferência dos coherdeiros.
No entanto, a ordem de chamamento
dos herdeiros na sucessão
legítima foi a mais alterada. Reforçouse
a posição do cônjuge, por ser herdeiro
necessário e em vista de sua
participação concorrente na herança
com descendentes e com os ascendentes
do falecido, num complexo
sistema condicionado ao regime matrimonial
de bens e à origem dos descendentes,
quando o concurso se dá
com relação a estes.
No que se refere ao companheiro,
observa-se tratamento legal
muito inferior ao que existia nas leis
especiais da união estável. Sua participação
sucessória ocorre apenas
em bens havidos onerosamente durante
a convivência. De outro lado, tal
disposição do novo Código beneficia
indevidamente o companheiro, em
comparação com o cônjuge, uma vez
que este, no regime comunitário de
bens, não recebe nada mais que o
direito de meação.
Esses e outros pontos da nova
legislação civil merecem mais detida
análise dos estudiosos, com o objetivo
de eventual reforma que venha a
propiciar os necessários acertos no
texto do Código, de sorte a permitir
que seja um instrumento de efetiva
aplicação da justiça no Direito
Sucessório.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
1 NERY JÚNIOR, Nelson. Código Civil
anotado. São Paulo: Saraiva, 2002.
ABSTRACT
Euclides de Oliveira é Advogado de Família
e Sucessões, Doutor em Direito
Civil pela USP e Vice-Presidente do
IBDFAM em São PauloRegarding such notification, the author
understands that the current Civil Code has
innovated in its article 1,798, by explaining both
personal requirements for legitimating
succession and special rules on the capability
to entering testamentary succession, a subject
little discussed on the old Civil Code.
He also highlights the remarkable
changes related to heirs' notification according
to the order within legal succession, which
resulted not only in acknowledging the spouse,
with his inclusion as a necessary heir, but also
in disfavoring the surviving partner from a stable
matrimonial union, who has the right to partition
into inheritance on certain assets only.
He concludes that such questions,
besides others mentioned, deserve to be deeply
studied, aiming at a casual reform, with a view
to promoting the necessary adjustments for the
text of the Code.
KEYWORDS – Civil Law; Inheritance
Law; legal succession; testamentary
succession; Family Law; new Civil Code –
articles 1,784 to 2,027; causa mortis; de cujus;
inheritance; testament; heirs' notification –
order; spouse; partner; stable matrimonial union.

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