terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A Vida Mística e Oculta de Jesus(livro final)

Os Cismas e as Exegeses
"E a terra era de uma só língua e de uma só fala", disse Moisés,
depositário das tradições de Rama.
Se bem que já tivéssemos ocasião de explicar esta frase, que se refere à
Religião e à Língua científica dos Templos, lembraremos que o primeiro cisma
havido na índia, há cerca de 5.200 anos, foi o provocado por Irshu, contra o
Bramanismo (Ba-rama), pontificado por Krishna. Foi o advento do Ionismo contra o
Dorismo que muito sofreu de sua perseguição. A prova encontra-se na própria Bíblia
quando se lê que não se conhecia a genealogia ou parentela de Melquisedeque,
rei de Salém, cuja ordem, colégios e pontífices tinham sido destruídos, perseguidos
e martirizados a ponto de alguns que sobreviveram se terem refugiado em
subterrâneos ou se retirado para as montanhas do Himalaia, ocultando, com medo,
as formidáveis ciências que possuíam; daí nasceu a expressão Ciências Ocultas.
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Com o decorrer dos tempos, os cismas se multiplicaram
assombrosamente, não só pelas constantes invasões guerreiras, que destruíam os
templos dos vencidos, edificando outros sobre suas ruínas359, subjugando crenças e
costumes, como pelas fusões de cultos heterogêneos, pelas exegeses que as
discussões provocavam, pelas corrupções levadas à sua mais grosseira
interpretação, por falta do respectivo ensino, que ia desaparecendo à medida que se
afastavam de sua fonte principal, pela mistura de raças e povos, e deram motivo ao
aparecimento de milhares de cultos e seitas que infestam a terra e ao esquecimento
da primitiva religião, da Proto-síntese, como a chamava Santo Agostinho.
Não temos aí uma prova evidente, na própria Religião Cristã, que se
cindiu em duas igrejas que se anatematizam, mutuamente, a católica e a ortodoxa,
isto é, a latina e a grega?
Foi sob o reinado de Basílio, assassino do seu benfeitor Miguel, o jovem,
que, em 867, se deu a separação dessas duas igrejas.
Esse cisma consistiu em que a igreja grega fazia emanar o Espírito Santo,
somente do Pai, ao passo que a latina o fazia emanar do Pai e do Filho.
Não temos aí os quacres, na América e no Norte da Inglaterra, seita
fundada no século XVII pelo sapateiro Jorge Fox, auxiliado pelo teólogo Roberto
Barclay, sob a base do primitivo Cristianismo, isto é, de acordo com o ensino do
Cristo?
Não temos aí o Protestantismo subdividido em mais de 600 seitas, que
seria fastidioso enumerar?
Não temos aí o próprio Catolicismo, que dia a dia se cinde em outras
tantas igrejas independentes, afastando-se da de Roma, e constituídas com os
359 Vide Maspero.
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melhores elementos intelectuais do Romanismo, saídos do seu próprio seio, após
maduro estudo?
Não temos aí o Calvinismo, que se desligou do Romanismo e do
Protestantismo, constituindo a Igreja Reformada?
Lutero restabeleceu a fé cristã como fora no seu início, pois a Igreja
Católica havia transformado a religião de Cristo em um vergonhoso balcão. Ele
rejeitou os dogmas do purgatório, inferno, indulgências, papas, bispos, missas,
imagens, culto dos santos, conventos, virgindade de Maria, rosários etc. etc.,
substituindo tudo isso por Pastores que pregam a Palavra de Deus, exarada nas
Escrituras, e isso na língua de cada país e não em latim, que não é compreendido
pelos fiéis.
Adolph Harnach resume admiravelmente a obra de Lutero na seguinte
frase: "A Liberdade religiosa obtida por Lutero foi a fonte de todas as outras
liberdades".
E se essas igrejas ainda não abafaram a de Roma é porque o seu
número de fiéis é constituído por uma formidável maioria de analfabetos e fanáticos,
ao passo que o daquelas é limitado a uma seleção de homens livres e inteligentes,
que sabem ler e raciocinar.
Ademais, coisa curiosíssima, onde o católico pode ler os Evangelhos em
português senão na Bíblia que os protestantes publicam aos milhões de exemplares
em todas as línguas do mundo e que Roma condena, por não se parecer dos
Setenta e de São Jerônimo?
Os primeiros séculos da Igreja Católica, do mesmo modo os três séculos
que a precederam, foram séculos de falsários, que procuraram adaptar a letra do
Pentateuco e dos Evangelhos, de acordo com suas conveniências.
700
A Igreja Católica aceita do Velho Testamento os seguintes livros:
Os Canônicos: Gênese, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
Os Históricos: Josué, Juizes, Samuel, Reis, Crônicas, Esdras,
Macabeus. Jó, Rute, Judite, Ester, Tobias.
Os Filosóficos ou Morais: Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos
Cânticos, Sapiência.
Os dezessete profetas.
Entretanto, o Concilio de Trento, em 1546, declara que a Bíblia
integralmente tem Deus como autor e deve ser recebida com respeito, amor e
piedade. Eis os termos textuais do Concilio (4º Sessão, 8 de abril de 1546):
"Sacrosanta synodus oecumenica... omnes libros
tam Veteris quam Novi Testamenti, quum utriusque unus Dei sit
auctor... paripietatis affectu ac reverentia suscipit ac veneratur"
"Si quis libros ipsos íntegros cum omnibus
suispartibus non susceperit, anathema sit".
Vá lá o católico que ignora o latim ler a Bíblia do padre!
É uma das razões por que raríssimo será o católico capaz de citar uma
frase, uma passagem, um ensino de Jesus, que o Bíblio traz de cor e disserta
acerca do assunto. E se algum recitar o Pai-Nosso, ou alguma outra oração do
catecismo, é porque o padre lhe ensinou sabe Deus com que custo.
701
Não temos, aí, o Maometismo, o Muçulmanismo e o Islamismo* que
também se subdividiram em Vaabismo, Bahaísmo, Laicismo, ou seja, 71 seitas
diferentes?
O Vaabismo combate indistintamente tudo quanto parece heresia, não
admitindo templos nem imagens.
A seita dos Ismaelitas foi criada por Mirza Ali Mohammed, que estava
convencido de que ele era a encarnação de Moisés e de Jesus, por isso atacava a
hipócrita santificação.
O Juízo Final, o paraíso, o inferno e a ressurreição tomam um novo
sentido entre eles.
Ele morreu martirizado em 1850 pelos católicos. Seus discípulos
pretendiam fazer dessa seita a religião da humanidade. Contudo, na Ásia, na Europa
e na América do Norte está solidamente estabelecida.
Mas não nos alongaremos em citações que iriam longe.
Não será isso uma prova da fragilidade dos alicerces teológicos ou
besteológicos do Catolicismo?
Ora, se essas dissidências se dão nas classes que estudam, que diremos
das camadas iletradas que, em regra, constituem a maioria de uma nação?
Para verificarmos isso, não precisamos nos internar nos sertões da África
ou do Brasil; basta passearmos pela nossa capital, tão modernizada, para assistir à
fraqueza mental a que chegou uma parte de sua população, tão apregoadamente de
fundo essencialmente católico. Raro é o subúrbio em que não existam inúmeros
centros denominados Candomblés ou Macumbas, nos quais se praticam as mais
estúpidas cenas da baixa magia negra ou feitiçaria que, infelizmente, nossa
* N. do E.: Sugerimos ver também Os Mistérios do Islã, de Reynold A. Nicholson, Madras Editora.
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imprensa confunde ou denomina de Baixo Espiritismo e nos quais não se encontrem
personalidades católicas de alto coturno social e até autoridades policiais,
incumbidas, por ironia, de os perseguir. São esses vergonhosos centros, que
garbosamente se mostram a personalidades científicas européias, de passagem por
nosso país, como sucedeu em 1932, com a comitiva da Marquesa de Noailles. É o
cúmulo da falta de critério e patriotismo. Como evitar assim que nos tomem ao
ridículo lá fora!
E quem contribui, em parte, para essa degeneração?
Infelizmente, certa imprensa que chega a estabelecer por gravuras, não
só a melhor encenação e arrumação dos petrechos litúrgicos, como ensina um novo
ritual, com pretensões a científico, e uma nomenclatura de nomes rebarbativos e
fórmulas cabalísticas estapafúrdias, para serem adotados por esses pobres cérebros
que se auto-sugestionam, e tudo por... cem réis.
Bem disse Getúlio Vargas, quando deputado, em uma entrevista que deu
ao O Paiz, em 29 de agosto de 1925:
"Quanto à emenda n° 10, estipulando que a Igreja
Católica é da quase totalidade do povo brasileiro, acho, em
primeiro lugar, essa afirmação muito contestável. Para que uma
pessoa se diga católica, é preciso que conheça a doutrina,
aceite seus dogmas e a pratique. Nessas condições, há
apenas uma elite, uma minoria selecionada. A alta sociedade
adota um Catolicismo um tanto cético e elegante. E a grande
massa ignara está na fase fetichista da adoração de santos
com várias especialidades milagreiras".
703
Entretanto, em plena praça pública, o autor dessas sensatas palavras, por
ocasião da passeata carnavalesca de Santa Aparecida, impelido, não sabemos por
que fenômeno psíquico, como representante de uma Constituição que lhe vedava o
gesto, se bem que revogada, pelo seu Poder discricionário, curvou-se
elegantemente a beijar-lhe os pés de gesso, ante o sorriso irônico do Cardeal, que
o mirava orgulhoso, por ver o Temporal curvado ao Espiritual360.
O católico, em regra, é católico por simples atavismo, e raros existem que
o são por convicção.
Anatole France diz que o Catolicismo não é outra coisa senão a forma
mais elegante da indiferença religiosa.
Conhecemos indivíduos católicos que, não admitindo que lhes toque na
crença, são vistos hoje vestindo o balandrau de uma irmandade com a respectiva
tocha em mão, e empunhando amanhã o martelete de grão-mestre da Maçonaria e
servindo no dia seguinte de médium do espírito de Napoleão e, mais tarde, numa
macumba, representando, ainda, o papel de pai-de-santo, ou Oxêlê, pai de Deus...
Não deixa também de ser curiosa a seguinte observação:
Que um materialista se suicide, ainda se pode compreender, pois para ele
nada mais existe depois da morte.
Que um budista se deixe definhar aos poucos, até o aniquilamento,
também se pode compreender, porque seu fim é vencer a dor, causa da miséria
deste mundo, e ganhar o Nirvana.
Que um católico, porém, se suicide, como diariamente sucede, é o que se
não pode compreender, dada a crença em um inferno, para onde terá de ir
360 Recorrer às fotografias do ato.
704
irremediavelmente por toda a eternidade, sendo-lhe, mesmo, recusada in nomine
pela Igreja, qualquer intervenção divina após a morte, salvo se o padre ignorar que
foi suicídio, fingir ignorar ou resolver resolutamente na sua esclarecida inteligência
que não foi suicídio, como sucedeu com o eminente Cônego Max Dowell, por
ocasião do suicídio do inditoso Cartier, ficando assim Deus tapeado!
Dizer-se católico e suicidar-se, só de um imbecil!
Na Inglaterra, país protestante, o suicídio constitui crime e, como tal, o
Estado herda todas as propriedades e bens do suicida; o corpo não pode ser
submetido a nenhum ritual e seu sepultamento só é executado das 21 às 24 horas.
Por que nossos legisladores não adotam essa lei? Seria, quiçá, um
remédio preventivo ou uma boa renda para a nação.
O estudo, portanto, dessas divergências, dessas cisões entre cultos do
mesmo Credo, não deixa de ser interessante para demonstrar que, sendo o prisma
um só, cada qual, porém, lhe vê uma cor diferente, segundo o ponto de incidência
em que se coloca, e procura convencer o outro observador de que a cor azul que ele
vê é a única que ali existe, ao passo que seu contendor, colocado em outro índice,
vê vermelho, e se obstina em julgar que ele é que está certo. Se ambos se
colocassem no mesmo ângulo de incidência, reconheceriam a verdade do seu erro e
as cores iriam aparecendo, uniformemente, para todos.
Mas, se um deles recusar-se a olhar, ou sofrer de daltonismo, então não
haverá lógica possível que o faça compreender que o azul é azul e não vermelho,
embora se lhe arrume na frente um regimento de algarismos representativos das
vibrações cromáticas.
Daí os Cismas. Daí o fanatismo católico.
705
Deus é esse prisma, simbolicamente falando, bem entendido. Nesse
prisma se encerram leis de cromatonímia, de sonometria, de física, de química e de
toda a razão de ser dos Números que regem qualquer sistema solar. Tudo vibra, a
Vida como a Morte, o Éter como o Vácuo, o Sol como o Átomo e tudo obedece a
uma rigorosa Unidade, que é Deus.
Querer defini-lo, portanto, desta ou daquela maneira, representando-o
como o Sol de Zoroastro, como o fogo devorador de Moisés, que seria a eletricidade,
como luz imaterial dos Hermetistas, como um belo rabino na figura de Jesus, como
Brahma ou Buda, com meia dúzia de braços, é conceber um Deus tão limitado e
mesquinho como nossa acanhada inteligência.
Mais importante e mais de acordo com os últimos progressos da Ciência,
seria, então, o Deus imaginado por Georges Lakhowsky, em sua notável obra
L’Universion (Univers-Ion), cuja resenha não podemos fazer aqui, por longa e
científica, mas que simplificaremos, dizendo que Deus são os Íons elétricos em que
mergulha toda a infinita astralidade, base da eletricidade e gérmen da vida,
confirmando não só o antigo aforismo de Hermes "Deus vive em nós e nós nele",
como o de Jesus "O Pai vive em mim e eu vivo no Pai".
É certo que Deus não se incomodará que os presunçosos micróbios
humanos desse glóbulo homeopático o representem de qualquer forma. O que mais
lhe importa, como referem os Profetas e o próprio Jesus, é que lavem suas mãos
manchadas de sangue dos seus semelhantes, que cumpram o Decálogo, que desde
o começo do mundo ele deu ao homem decaído espiritualmente de outro planeta,
para reabilitar-se neste, conforme se lê nos livros herméticos361 e da doutrina de
Paulo.
361 L'Égypte — Champollion Figeac.
706
Jacob Boehme, o sapateiro filósofo, que dizem ter sido analfabeto, assim
se exprime em sua obra Aurora: "Consideremos os pássaros da floresta: eles
louvam Deus, cada um à sua maneira, sobre todos os tons e modos. Pensais que
Deus se ofende com essa diversidade e faça calar todas as vozes discordantes,
todos esses cismas sonoros? Todas as formas do Ser são caras ao Infinito".
A diversidade de religiões, ou melhor, de cultos espalhados pelo mundo,
todos baseados na mesma crença de um só Deus Criador, embora com diferentes
nomes, é uma prova de que a primitiva religião da humanidade, há milhares e
milhares de anos, era uma só, como, aliás, ainda continua a ser, pela simples razão
de que, não havendo nelas dois deuses diferentes, não pode haver duas religiões,
assim como, na opinião dos Chineses, uma vez que só há um Céu não podem nele
residir dois deuses.
"Uma religião não se inventa, diz Alfred Poizat, é
preciso que ela possa provar que sempre existiu ou, pelo
menos, que é impossível fixar-lhe o começo."
E essa antiga religião que Jesus veio novamente revelar ao homem. É
essa pedra angular que os homens rejeitaram, que ele indicou ao mundo. São essas
pedras que se calaram por tanto tempo e que a arqueologia tem feito falar, para
desespero do Catolicismo.
Essa pedra angular é, como já vimos, a pirâmide de Gizé, símbolo
pontifical de Rama, ao lado da qual se ergue a famosa Esfinge, síntese da religião
desse patriarca representado por João na Besta do seu Apocalipse.
707
Segundo os cálculos de Jean-Izoulet362, há no mundo mais de mil religiões
ou cultos. Mas, na realidade, o gênero humano divide-se em duas metades iguais, a
saber:
Os pagãos, com cerca de 800 milhões.
Os não-pagãos, com cerca de 900 milhões.
O grupo dos não-pagãos divide-se em três subgrupos:
Cristãos................. com cerca de 673.000.000
Maometanos......... com cerca de 227.000.000
Judeus................... com cerca de 15.000.000 9 1 5 . 000.000
O grupo dos pagãos também se subdivide em três subgrupos:
Brâmane-Budista...... com cerca de 364.000.000 (?)
Confucionistas......... com cerca de 360.000.000 (?)
Xintoístas................... com cerca de 75.000.000 (?) 799.000.000
O subgrupo acima dos cristãos se subdivide em três frações:
Católicos romanos............... com cerca de 304.000.000
Cismáticos greco-eslavos.... com cerca de 154.000.000
Protestantes........................ com cerca de 212.000.000 6 7 0 .000.000
362 Professor no Colégio da França.
708
Contudo, pode-se dizer que, na superfície do globo, há sete grandes c
principais religiões.
Três na Europa: Catolicismo — Protestantismo — Ortodoxismo, na
Europa do Norte, do Sul e Oriente.
Três na Ásia: Brahma-Budismo — Confucionismo — Xintoísmo, na Índia,
na China e no Japão.
E a última, o Maometismo, em três raças e 21 povos.
Há, porém, o Mosaísmo de Israel que lhes serve de traço de união.
Assim como as sete cores do espectro solar reconstituem o raio branco,
do mesmo modo o Mosaísmo de Israel é sua reconstituição sintética, surgindo o raio
branco puro que é o puro Cristianismo.
Apelo aos estudiosos
Como diz Saint-Yves, todos os interpretadores ou criadores de novas
seitas, após a ressurreição, seja Pedro, Paulo, Maomé, Lutero, Calvino,
Swedenborg, Annie Besant etc., devem ser desculpados de seus erros, porque
laboraram, involuntariamente, com fragmentos de materiais que, com o tempo, se
tornaram, ainda, mais imperfeitos, incompletos, deturpados e interpretados de mil
modos pelos próprios discípulos e apóstolos de Jesus.
A chave esteve perdida até agora. Saint-Yves a restituiu pela
Revelação363 e, doravante, como ele diz, não mais desculpas haverá para a pobre
humanidade que a não quiser manejar, a fim de penetrar no templo da Verdade.
363 O Arqueômetro.
709
Que se organize, pois, no nosso país, um núcleo de cientistas e filósofos
para que seja estudado o "Arqueômetro" e as obras de Saint-Yves, para o bem da
humanidade em geral, a exemplo do que fazem as seitas teosóficas.
Em um futuro próximo, o homem reconhecerá que a verdadeira religião
iniciada por Deus ao homem, não só pela Revelação aos patriarcas, como ao povo
israelita, por intermédio de Moisés e de Jesus, é a que se sintetiza, como temos
visto, na expressão genérica de — Judeu-Cristã — por encerrar as mais antigas
tradições da terra, e a mais pura moral de que se acham saturados os livros
bramânicos, budistas e o primitivo Cristianismo, que lhes é a súmula.
Seria ir contra todas as regras da sã razão, da lógica e do bom senso
admitir-se que Deus tivesse criado esta máquina rotativa, há milhões de anos,
deixando essa infeliz humanidade, inconsciente de seus deveres espirituais para
com ele, entregue ao léu da sorte e aos azares do Princípio do Mal, por ele mesmo
criado, para, por fim, ao cabo de milênios de sofrimentos injustos, em que milhões
de entes pereceram, sem merecer sua graça, cuja existência desconheciam, vir de
repente em pessoa, num espaço de dois mil anos somente, encarnar-se neste
planeta, ou, mesmo, mandar seu filho carnal, o qual, por falta de ser compreendido,
motivou um culto à sua pessoa, como soa ser o Catolicismo, culto incoerente com a
doutrina que ele pregou, motivando intermináveis discussões e divergências, que a
reduz a um aglomerado de plágios, de adaptações, de contradições, de
incoerências, cujas provas abundam neste trabalho, terminando por fazer deste culto
uma formidável associação política, com fins absorventes do mundo inteiro.
Os Concílios, procurando simplificar a teogonia mosaica e patriarcal, para
satisfazer suas ambições políticas, falsificaram tudo.
710
Daí resultou terem feito de Jesus um Deus, fabricante de um casal
ingênuo, pois ele era o Verbo que tudo criou, diz João, para depois apanhá-lo em
uma ratoeira, por ele mesmo armada no paraíso; um Deus que leva castigando
eternamente esta pobre humanidade; um Deus que faz sangrar seu próprio Filho
sobre a cruz, para resgatar seu próprio erro inicial, oriundo de uma falta de previsão
de sua parte; um Deus que cria um rival para enganar o único par de anjos que vivia
na Terra; um Deus que permite a Satanás ir aborrecer o incauto Jó, reduzindo-o à
extrema miséria, só pelo prazer de provar ao diabo que ele não conseguiria vencêlo;
um Deus que, arrependido de ter criado a canalha humana que se multiplicou,
afoga tudo em um dilúvio; um Deus, finalmente, que consente todos os males e
sofrimentos de bilhões de entes mortos, passados, presentes e futuros para, por fim,
condená-los às penas eternas se não fizerem parte de uma futura organização
romana!
Francamente! Só de um Deus maluco ou perverso!
Gandhi, o Santo homem budista, escritor e nacionalista indiano, em seu
livro364, assim se exprime: "Considero o Cristianismo do Ocidente, pelo modo por
que é praticado, como uma negação do Cristianismo de Cristo".
"Não posso conceber Jesus, se ele tivesse vivido
entre nós, aprovando as instituições cristãs, o culto ou seus
modernos ministros. Se os cristãos indianos se dedicassem só
ao sermão da Montanha, proferido pelo Cristo, não só para
seus pacíficos discípulos, como para o mundo sofredor, eles
não se poderiam enganar. Eles veriam que nenhuma religião é
364 La Jeune lnde — 1925.
711
falsa, e que se todos vivêssemos de acordo com as luzes e no
temor de Deus, não teriam necessidade de se inquietarem com
instituições, forma, culto ou ministros."
Quando os verdadeiros cristãos se compenetrarem de que o culto romano
é absolutamente antagônico com a religião de Cristo, culto cuja moral não resiste a
um confronto sério com a budista, o que foi confirmado pela recusa do Papa em
receber o Mahatma Gandhi, que lhe pedia uma audiência, e cuja palavra humilde faz
estremecer a poderosa Inglaterra, então, os cristãos se cindirão de uma vez e
deixarão o Vaticano entregue à sua Política imperialista, e correrão ao crucifixo, a
enxugar as lágrimas do meigo profeta Nazareno que, ali pregado, assiste cheio de
tristeza ao desmoronamento da sua obra.
Fim do mundo
Todas as religiões ou crenças espalhadas no mundo civilizado ou
selvático possuem nos seus livros sacros ou nas suas enraizadas tradições terríveis
oráculos acerca do Fim do Mundo, conforme já tivemos ocasião de falar quando nos
referimos ao Dilúvio Universal; mas, para não nos alongarmos citando-os todos, o
que, certamente, encheria um livro, frisaremos somente o que constar do próprio
Cristianismo e serve de esteio à crença do Juízo Final.
Não só os profetas, como o próprio Jesus e, por fim, João, em Apocalipse,
anunciavam que essa humanidade teria de desaparecer por meio de um inenarrável
cataclismo.
712
As predições frisavam que grandes guerras existiriam entre as nações,
que a terra tremeria em vários pontos, que sinais se veriam nos astros etc. etc. não
sendo, porém, senão o começo do fim.
Jesus, mesmo, salientou que aquela geração (a de seu tempo) não
passaria sem que essas coisas se realizassem, o que fez com que Paulo se
convencesse disso e pregasse, urbi et orbe, que ele e seus adeptos, em carne e
osso e com vida, haviam de ir ter com Jesus nas nuvens, quando ele ali brevemente
aparecesse como prometeu.
Mateus X, 23, empresta mesmo a Jesus, a seguinte frase: "... porque em
Verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades de Israel sem que
venha o Filho do Homem".
Em XXIV, 15, Jesus acreditava na profecia de Daniel, pois assim se
exprime ele: "Quando, pois, virdes que a abominação da desolação, de que falou o
profeta Daniel, está no lugar Santo..." (quem ler entenda). Hão de convir que é um
pouco difícil entender-se esta frase; mas, enfim vá lá...
Marcos XIV, 62, Mateus XXVI, 64; e Lucas XXII, 69 colocam estas
palavras na boca de Jesus: "Vereis o Filho do Homem sentar-se à direita da
Potência e vir sobre as nuvens do céu".
Mateus, em todo o capítulo XXIV; Lucas XXI, 9 e seguintes, só se ocupam
do fim do mundo que, para eles, era uma questão indiscutível.
E muitas outras citações que deixamos ao leitor estudioso o cuidado de
anotar.
Jesus disse que voltaria.
E quem sabe se é esta previsão dos fatos que tem retardado sua volta?
713
Se, porém, um dia ele surgisse entre nós, sem se dar a conhecer, numa
modesta choupana de operários e se pusesse em campo, doutrinando com mais
doçura e bondade do que o fez da vez passada, sobre as injustiças dos homens,
sobre a desobediência aos dez mandamentos de Deus, profligando o insaciável
militarismo, condenando os detentores do Poder e os ricos que oprimem os pobres,
condenando os fariseus do Catolicismo que transmutaram sua doutrina em reles
política, fulminando com seu verbo seu pretenso representante, protótipo do orgulho,
da vaidade, da presunção, da arrogância, é indubitável que o perseguissem e o
atirassem no cárcere ou o recolhessem a algum manicômio, dispersando a patas de
cavalo a turba crente que o acompanhasse, acoroçoados por uma imprensa
associada à Cúria Romana.
Ptolomeu, astrônomo, depositário de farrapos da tradição — haja vista o
estalão musical e o mapa planetário da Figura 21 —, que viveu no segundo século
da nossa era, considerava a Terra no Centro do Universo; que ela era habitada
somente na parte superior, colocada acima da água e que além dos elementos havia
9,10 ou 12 esferas concêntricas transparentes, sobre as quais o Criador tinha
pregado os planetas e as estrelas. Todas giravam em volta da Terra e a última
esfera era o empíreo ou, melhor, o Céu, a residência de Deus, conforme a Figura 21.
Daí a fazer o Catolicismo crer, mais tarde, que o Cristo se elevou nos ares
e que de lá voltaria em carne e osso sobre as nuvens, a dificuldade não era grande.
Hoje, tais crendices fazem sorrir à socapa o mais fervoroso católico
inteligente e nós, em nome do bom senso, da Verdade, também lançaríamos o
anátema ao Vaticano, por agir falsamente contra a doutrina do Cristo, se Jesus não
nos sorrisse como sorriu a Pedro.
714
Vejamos, agora, em que se funda essa abominação da desolação de
Daniel, de que falamos acima.
Esse profeta em seus capítulos VII, 25 e VIII, 14 apresenta os dois
curiosos números 1.260 e 2.300 envolvidos em uma charada de um tempo, tempos
e metade de um tempo.
Essa charada tem dado muito que fazer a idealistas, que viam nela o fim
do mundo. Entretanto, é o abade Moreux quem nos vai dar a solução. Diz ele que
foi o sábio astrônomo de Cheseaux, em sua obra — Remarques sur Daniel — quem
desvendou o mistério.
Descobrindo ele o ciclo de 315 anos, pelo qual o Sol e a Lua regressam
ao mesmo ponto do céu, de onde partiram, verificou que este número é
precisamente a quarta parte de 1.260 e concluiu que este período de 1.260 anos
deveria ser também um ciclo lunissolar.
De fato, ao cabo deste tempo, o Sol e a Lua voltam ao mesmo ponto de
eclíptica.
O segundo número 2.300, igualmente, é um ciclo perfeito, pois o erro dez
vezes menor do ciclo de Calipe é, exatamente, o do ciclo de 1.260 anos.
Daí se conclui que a diferença entre os dois ciclos 2.300, menos 1.260 é
igual a 1.040 anos e que, este número, também deve ser um ciclo perfeito, ao
mesmo tempo, solar, lunar e diurno que os astrônomos, cansados de procurar,
declararam quimérico ou impossível.
Ora, o Sol faz 1.040 revoluções em relação ao primeiro ponto do Carneiro
em 379,852 dias e a Luz, no mesmo tempo, realiza o mesmo número de revoluções.
O ciclo de Daniel dá para o ano trópico 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 55
segundos de acordo, portanto, com o admitido hoje pela ciência.
715
No ano 652, data muito aproximada da profecia de Daniel — para a vinda
do Cristo —, o Equinócio da Primavera, o Solstício de Verão e o Equinócio de
Outono chegaram todos os três na mesma hora, ao meio-dia, no meridiano de
Jerusalém, assim como o exige o movimento que resulta do período de 1.040 anos!
Ora, isso é mais transcendental e mais sério do que profecias a respeito
do Fim do Mundo, baseadas em Tempo, tempos e metade de um tempo, que
nada exprimem fora da Ciência, a não ser o de demonstrar a capacidade imaginativa
de charadistas.
O Midrasch Raba LXXXII conta que alguns santos, dirigindo suas preces
ao Altíssimo, para saber quando seria o dia do Juízo Final, este lhes respondeu:
"Perguntai aos homens".
Virgílio, segundo Platão, descrevendo o Eliseu e o Tártaro disse: "No dia
do Grande julgamento, os bons passariam para a direita e os maus para a
esquerda".
Ora, os evangelistas copiando Platão dizem que o Cristo deve presidir ao
fim do mundo fazendo passar os bons para a direita e os maus para a esquerda.
Quase dois mil anos são passados, muitas gerações se extinguiram,
tremendas guerras e cataclismos assolaram o mundo, muitos eclipses houve, sem
que essas profecias se tenham realizado, continuando essa bola a girar
regularmente em seu eixo.
E claro que essa falta de cumprimento de um programa, tão fartamente
anunciado em vários tons, não deixa de estremecer um pouco a fé dos crentes
inteligentes, e concorre para que seus antagonistas descreiam de profetas, de
pitonisas, de taumaturgos, de hierofantes, de João, de Paulo e do próprio Jesus.
716
Contudo, se as leis da mecânica celeste ainda não manifestaram sensível
desequilíbrio, é incontestável, porém, que o Cosmos está passando por
extraordinários fenômenos sísmicos e meteorológicos, como não há memória de se
ter produzido, com a simultaneidade e intensidade que se verifica em várias partes
do globo terráqueo, constituindo verdadeira calamidade pública em várias nações.
Será que os tempos são chegados, conforme apregoam certos credos
religiosos, inclusive o Espiritismo?
Será o prenuncio de pavorosas catástrofes?
Pelo menos os acontecimentos caminham aceleradamente. Por isso
devemos estar espiritualmente preparados para o dia, pois, certamente, nessa
ocasião, os procuradores de almas abandonarão desabridamente seus pobres
constituintes, procurando em primeiro lugar salvarem-se a si próprios, senão o
corpo, ao menos a alma, gritando-lhes: "Salve-se quem puder", a não ser que
tenham comprado a vela Santa do frade de Pesqueira, em Pernambuco, que
profetizou o fim do mundo para 1932!
Foi outro fiasco do Catolicismo!
Os Cultos dos Deuses dos
heróis, dos Mártires, das
Relíquias dos Santos
O leitor já deve estar mais ou menos compenetrado, pela leitura das obras
citadas por nós no decurso deste trabalho, de que os primitivos patriarcas da
humanidade, numa época que remonta, talvez, há mais de 80 mil anos. já haviam
observado o firmamento, estabelecendo, mais tarde, a base de toda a mecânica
sideral. Essa ciência era chamada Astrologia, isto é, o estudo externo dos astros,
assim como havia a Astrosofia, que era o estudo interno dos mesmos, isto é, da
717
vida planetária. Essas ciências comportavam, necessariamente, outras, como a
matemática, a geometria, a trigonometria, a geografia, a geodésica, a química, a
física etc., que eram ensinadas, nas academias adâmicas, aos mais aptos dentre o
povo.
Nada de novo foi descoberto depois pelas nossas academias, a não ser
combinações, aplicações e desenvolvimentos, firmados nos princípios por eles
estabelecidos, muitos dos quais se acham arquivados na pirâmide de Gizé,
conforme já vimos.
Notaram esses sábios que todos esses pontos luminosos, inclusive a
própria Terra, não haviam aparecido no cenário celeste, subitamente, como nas
mágicas teatrais; todas obedeceram a rigorosas leis que impunham forçosamente ao
espírito a preexistência de um legislador. Daí nasceram a Cosmografia, a Mitologia e
o Culto a esse inefável Criador.
Mas como manifestar às massas ignorantes a existência de um poderoso
Ser, de modo que seus pobres espíritos pudessem compreender essa formidável
força?
Pelo mapa estelar, confeccionado para a demonstração da precessão dos
Equinócios, com suas respectivas constelações, as quais deram nomes pela
nomenclatura terrestre, desenham-se-lhes as figuras, representado-se esse Sol
como fonte de movimento, de calor e de vida, e como razão de ser dos seis
planetas, sob cuja influência atrativa e repulsiva se movem os mesmos.
Esse Sol era chamado, nas antigas cosmogonias, ora Filho de Deus,
como criação direta do Inefável, pois Deus não podia ser visto nem representado de
modo algum, ora como símbolo desse mesmo Deus, pelo seu Poder vivificador. Para
auxiliá-lo nessa inominável tarefa, criaram a corte dos semideuses, que tomaram
718
vários nomes, entre os diferentes povos e tinham por missão gerir as forças
fenomenais secundárias. Eram os Eloístas de Moisés.
Daí a criação do Mito Solar e da dinastia Solar que se estendeu por toda
a Terra, como tivemos ocasião de nos referir. Era a Cosmogonia.
Foi, pois, sobre esse tema que os geniais poetas bordaram seus
inolvidáveis poemas mitológicos, que eram representados teatralmente nos Templos
de Abidos, de Elêusis, de Osíris, de Hércules, de Júpiter, de Apoio, etc.
A parte selecionada da Sociedade que tinha entrada nesses templos, por
isso mesmo chamada de iniciados, e que constituía, como já vimos, o Colégio dos
Deuses, explicavam-se essas Ciências.
Para a massa ignorante, não em condições, portanto, de assistir a essas
solenidades, as ciências eram ocultadas sob o selo do Mistério.
Esses Pontífices, saídos do Culto dos Deuses mitológicos, passaram na
Terra a representar essas divindades, no decorrer dos séculos, pelas invasões
guerreiras e conseqüentes embaralhamento, dispersão e cisões de incalculável
número de seitas que se iam novamente forjando com elementos heterogêneos. Os
templos eram erguidos a esses Pontífices, a esses Melquisedeques, ou Reis de
Justiças, e a idolatria foi se multiplicando à medida que penetrava em novos centros
povoados. Foi a era do Culto dos Deuses, era que o Catolicismo chama de pagã,
embora adorassem todos um único Deus insondável nas suas cerimônias internas.
Hermes, ou pelo menos sua escola que, para nós, era a de Rama, já
dizia:
"O Egito, Egito! Tempo virá em que, em vez de uma
religião pura e de um culto puro, só terás fábulas ridículas,
719
incríveis à posteridade e que só te restarão palavras gravadas
sobre a pedra, únicos monumentos que atestarão tua piedade".
Para o povo, porém, o Culto externo era outro. Todas as forças da
natureza, todas as suas manifestações de vida ou de morte, eram representadas por
uma entidade que presidia aos seus atos. A agronomia, por exemplo, tinha seus
deuses para cada uma das operações de tratar a terra, lavrá-la, semeá-la etc., como
já vimos anteriormente. As artes, igualmente, tinham seus deuses protetores como a
do sapateiro, do carpinteiro, etc. Cidades e moléstias tinham seus patronos, como
hoje os santos do Catolicismo.
As festas públicas eram, do mesmo modo, presididas por um deus ou
deusa.
Os valentes guerreiros vitoriosos ou os hércules gladiadores e lutadores
com feras nas arenas eram considerados eleitos dos deuses e criou-se daí o CULTO
DOS HERÓIS. Oh! bem diferentes dos Heróis modernos do futebol e outros
esportes!
É desse culto pagão, isto é, desse culto dos pagani, da gente do campo,
dos ignorantes não iniciados, que o Catolicismo copiou tudo, sob a invocação de
nomes de indivíduos, cuja santidade, talvez, seja muito problemática, como
veremos365.
Só o calendário gregoriano que usamos comporta 365, por não poder
comportar mais, havendo mesmo dias com santos geminados, afora os 1.354 santos
que o Vaticano canonizou em 1932.
365 L. DU BROC DE SECANGE — Les Saints Patrons des Corporations — 1888.
720
O próprio Jesus e sua dileta mãe, cujos nomes por si só seriam
suficientes para invocação, são invocados e adorados sob uma infinidade de
atribuições milagreiras.
Cada uma dessas especialidades requer um templo e seu respectivo
sacerdote, único meio de dar ocupação à legião de outros tantos santos a canonizar,
pelo esforço que eles têm de empregar para manter a fé dos fiéis que os alimenta e
sustenta.
As perseguições das religiões dominantes deram lugar mais tarde à
criação do Culto dos Mártires, transformado em seguida pelo Catolicismo em Culto
dos Santos, do qual, conseqüentemente, surgiu o Culto das Relíquias.
Os pagãos diziam que aos heróis os deuses tinham dado uma parte dos
seus poderes e, assim, eles podiam intervir de modo eficaz nos negócios humanos.
O catecismo do Concilio de Trento (parte IV, capítulo VII, §1,3) diz: "Se
pedimos aos santos para que nos obtenham do que precisamos é porque eles têm
crédito perante Deus".
Mas, em 754, um Concilio de 338 bispos orientais anatematizou
solenemente os adoradores de imagens.
Os pagãos heroicizaram seus heróis por meio de Decretos do Senado.
Os papas Alexandre III e Inocêncio III tomaram a si o privilégio de
canonizar os servos de Deus (Dec. Livro III, título 45, capítulo I, Audivinus).
Segundo Havet366 foi o papa Gregório quem canonizou todos os papas
desde São Pedro até São Siricius V e daí por diante não cessa a canonização de
todo papa que morre, pelo seu sucessor, ao qual os católicos terão de venerar,
embora, como veremos, tenham sido os mais terríveis criminosos.
366 Les Saints successeus des Dieux.
721
Cultuar pontífices católicos é outra imitação dos pagãos que cultuavam
seus pontífices.
Não é de admirar, portanto, que, com o tempo, tais heróis ou santos, por
suas supostas virtudes, tivessem estabelecido uma corrente de fanáticos, surgindo
entre os pagãos as pitonisas, que se encarregavam de estabelecer a comunicação
entre os heróis e seus admiradores, e entre os cristãos, os místicos, que recebiam
os oráculos por meio de aparições de anjos, de sonhos ou de milagres.
Ora, uma vez implantado o Cristianismo no Oriente à custa de sangrentas
cruzadas e, principalmente, no Egito, após tremendas lutas selváticas, fácil foi surgir
a necessidade de relíquias e de corpos de santos e de heróis.
Com relação à "Vida dos Santos", enviaremos o leitor a P. Saint-Yves,
cujo aprofundado estudo esclarece a falsidade da lista desses eleitos, pressupostos
mártires, visto os nomes terem sido mal interpretados das inscrições tumulares. O
Catolicismo, para cimentar o Culto dos Santos, que, em suma, é o que mantém a fé
dos fiéis, serviu-se de materiais falsos, que, com o tempo, se têm desfeito em poeira,
ameaçando o desmoronamento do Panteão. Render culto a santos, que a Igreja
apresenta e que nunca existiram, é render culto aos ossos de malfeitores,
descobertos enterrados nas igrejas e catacumbas e cujas inscrições, por má leitura e
interpretações, deu causa aos nomes que a Igreja venera.
Esta é a primeira fonte de documentos em que se pode beber a luz que
esclarece esse assunto. A segunda fonte encontra-se na interpretação de episódios
legendários, apoiados em documentos figurados. Nesses casos se acham os santos
degolados que caminhavam com a cabeça nas mãos.
A terceira fonte são os templos e o mobiliário litúrgico.
722
Com tais elementos apócrifos e falsos é que os hagiógrafos escreveram a
Vida dos Santos, sendo um dos mais notáveis, Atanásio, aliás, assassinado por
outros santos.
Documentos falsos, inscrições de túmulos mal lidos, imagens de
sarcófagos, erradamente determinadas, símbolos litúrgicos e mesmo pagãos,
relíquias etc., tudo arranjado depois das Cruzadas para reconfortar o culto das
relíquias que haviam sido destruídas.
A quarta fonte repousa em fábulas e parábolas e os duplos dos
hagiógrafos.
Da literatura da Índia tiraram os hagiógrafos farta messe de contos
moralistas, que adaptaram aos seus santos. Por exemplo, a obra do autor,
grandemente espalhada naquela época com o título — Diretriz da Vida Humana — é
uma cópia do Pantcha-Tantra da Índia ou dos Cinco Capítulos e como esta muitas
outras. Do Romance oriental de Sendadar, que se acha nas Mil e uma Noites,
fizeram o Romance dos sete sábios e o Dolopatos. São Barlaam e São Josafá é
outra paródia tirada de contos indianos e reproduzida por Coquin (Contos populares
de Lorena, páginas 51 e 52). Em 1859, no Journal des Débats, de 26 de julho,
Edouard Laboulaye descobriu que essa história de Josafá nada mais é do que a
história de Buda.
Portanto, o Santo Josafá, venerado na Igreja Católica, santo que nunca
existiu, é o Buda indiano.
Nos mesmos casos de origem búdica, estão os supostos santos: Santa
Bárbara, Santa Irene, Santa Cristina, Santo Aleixo, São Tomás, Santa Venera etc.
723
Bruno Krusch367 diz, falando dos hagiógrafos: "Por trás da piedade se
esconde a mentira; seu fim é enganar e, para isso, se intitulam de testemunhas
oculares! Eles quiseram enganar e falsificar a história em honra dos santos, e todos
conseguiram seu fim. Todas essas vidas de santos foram utilizadas pelos
historiadores os mais estimados dos tempos modernos, como fontes antigas e
autênticas. Sob Pepino escreveram-se, audaciosamente, histórias que cada um
inventou e aplicou-se a esta mercadoria o selo da autenticidade contemporânea".
Da quinta fonte verifica-se que o Culto dos Santos é o resultado das
tradições populares e do amor ao sobrenatural. Este culto foi uma maquiavélica
invenção do Catolicismo, que se propõe a servir os mortos à custa dos vivos.
Os maniqueístas têm um anjo para cada dia do ano, ao qual enviavam
uma saudação, tal como faz o católico com seu santo diariamente.
Os pagãos igualmente tinham uma oração para seus gênios.
Era regra, nos primitivos povos, atribuírem às coisas mais sobrenaturais
aos santos, contra todas as leis da natureza, inventando-se aparições de divindades
e anjos, acreditando-se em transformações de homens em animais, em animais
falantes, em operações mágicas, como ainda acreditam os supersticiosos católicos.
Mas, como não se podiam inventar mais prodígios, além dos já
conhecidos, passaram, então, na opinião de Baillet368 a servir-se dos mesmos
milagres atribuídos a um santo para revestir outro de sua veneração.
A Vida dos Santos está cheia de mortos que ressuscitam, de falsos cegos
que recuperam a vista, de cajados de São Pedro entre as mãos de seus discípulos
que ressuscitavam seus companheiros mortos em viagem de Roma a Gália, de
367 Les Falsifications de Ia Vie des Saints Burgonds
368 Fatos e milagres mendigados.
724
cajados de São Gregório que, espetados no chão, criavam raízes, de degolados que
caminham com a cabeça nas mãos, o desdobramento de Santo Antônio, etc.
De modo que, para os cristãos, apóstolos e mártires nada mais havia de
ordinário na Terra, tudo era extraordinário; o próprio natural era sobrenatural.
Os teólogos católicos proclamam a impossibilidade científica das
manifestações da alma sobre a matéria.
Entretanto, a Vida dos Santos, dentre alguns milhares dos quais se pode
destacar Santa Filomena, falecida há cerca de 15 séculos, prova, em flagrante
contradição com a Igreja, o emprego dos mesmos meios usados pelos médiuns
modernos, em suas experiências psíquicas.
A Igreja Católica, acreditando na comunicação dos mortos, como reza seu
Credo, praticando a invocação de santos, recebendo comunicações tiptológicas,
verbais, visuais, auditivas e até escritas do além do próprio punho dos missivistas,
materializações, luminosidades etc., imita, ou antes, praticava há muito mais tempo
o Espiritismo que agora condena. Para essa igreja suas manifestações psíquicas
tomam o nome de Milagres, enfim infringindo as leis que regem a natureza, ao
passo que, para a Ciência, essas manifestações são o resultado de forças vivas
postas em ação pela relação simpática do médium, auxiliado pela oração, que não
passa de uma evocação, seja ela católica, reduzida a uma fórmula invariável ou a
um discurso, frase ou apelo leigo, simples e espontâneo.
Para a Igreja Católica essas manifestações são obra de Deus, ao passo
que as mesmas manifestações de leigos acompanhadas de conselhos piedosos e
morais são obra do diabo.
Adivinha se puderes e escolhe se és capaz, disse um escritor.
725
Para mais amplo desenvolvimento aconselhamos a obra de L. Chevreuil:
Le spiritisme dans l’Eglise, 1923.
Como seus indolentes espíritos não podiam admitir o mínimo esforço
intelectual, para compreender a razão das coisas, como ainda sucede entre os
católicos, eles inventaram o termo Milagre.
A. Marignan369 conseguiu resumir o maior número de milagres,
considerados como os mais extraordinários que se encontram nos Atos dos Mártires.
Os cristãos circunscreviam a ação de Deus à sua vontade, forçando-o a
intervir neste mundo, nas mais insignificantes coisas da efêmera vida, contrariando
mesmo as leis imutáveis por ele decretadas na organização da mecânica sideral.
O mais interessante, porém, é que, quando um pede chuva, por exemplo,
outro pede para não chover. Certo é que vencerá aquele cujo desejo coincidir com a
manifestação atmosférica. Milagre, pois, será para seus adeptos.
Em um convento de Derwiches, na cidade de Tekka, ao norte de
Dichbudak, o santo desse convento é um personagem notavelmente utraquista.
Para os turcos é São Akjasyky, para os cristãos é São Atanásio; cristãos e
muçulmanos o invocam para a descoberta de gado roubado; São Nicolau também é
santo turco; São Jorge é transfigurado em Chisr Llyas e é muito adorado.
Diz Cambry370: "O governo teocrático dos druidas, os milhares de germes
de que eles povoaram os elementos, o poder dos sábios sobre a natureza, todos
esses sonhos feéricos não foram destruídos pelos apóstolos do Catolicismo.
Transferiram para seus novos santos os milagres dos santos do tempo passado. Em
suas legendas só se vêem solitários castos, sábios e virtuosos, vivendo nas
florestas, enfrentando a inclemência atmosférica; eles aplacavam tempestades,
369 La foi chrétienne au IX siècle.
370 Voyage au Finistère----1836.
726
fendiam as ondas do oceano, atravessavam os mares a pé enxuto, navegavam em
rochedos de pedra flutuante, metamorfoseavam seus cajados em árvores, as fontes
brotavam sob seus pés, curavam doenças, o ar embalsamava-se a sua passagem,
os mortos ressuscitavam e o Universo estava submetido às suas leis". Para edificar
o leitor a respeito das legendas de santos, citemos uma, ao acaso, das melhores de
Cambry:
"São Pole começava sua carreira. Quando ele era
escolar, os pássaros destruíam os campos de seu mestre
Santo Hidalto; ele os pegou em alçapões e os conduziu ao
mosteiro. O Santo, indulgente e generoso, repreendeu os
pássaros e lhes deu sua bênção; eles voaram cheios de
gratidão. Desde então respeitaram as sementes do Santo
homem.”
“A irmã de Pole vivia em um convento banhado
pelas águas do mar; Pole intimou as ondas a se afastarem 4
mil passos, ordenou à sua irmã e às freiras de arrumarem
pedrinhas na praia. Essas pedrinhas cresceram e, em breve,
tornaram-se rochedos ameaçadores, capazes de subjugar o
mar e sua fúria.”
“Pole, em 517, deixa a pátria, e, levado sobre as
ondas, chega à ilha de Eussa (Ouessant) e a de Batz; o Conde
de Guythum era o governador, e morava em um palácio, cujas
ruínas nunca se viram. São Pole diverte-se ali curando três
cegos, dois mudos e um paralítico, só com o toque de seu
727
bastão. O conde, neste ínterim, cobiçava uma sineta que o
grande rei Marco da Inglaterra tinha a malícia de lhe recusar.”
‘Por ordem de São Pole um peixe engoliu-a e levoua
àquele que a desejava. Essa sineta de prata estava no
tesouro da catedral de Leon. Ao som desse instrumento as
doenças se curavam e mortos ressuscitavam. Havia, então, um
grande dragão na ilha, que devorava os homens e os animais
do país. São Pole vai à caverna em seus trajes pontificais,
acompanhado de um homem da paróquia de Cleder. O santo
ordena ao dragão que apareça; este sai, recortando a terra
com suas escamas e dando horrendos assobios; mas,
fascinado pela estola, ele caminha para o norte da ilha, onde,
com uma cajadada, é precipitado nas profundezas do Oceano.
O Conde de Guythum, encantado com seu hóspede, dá-lhe
seu palácio e retira-se para a ilha de Occismor. Partindo, fazlhe
presente de um manuscrito dos Evangelhos, colorido,
copiado por sua mão; Guilherme de Rochefort, bispo de Leon,
o cobriu de Vermeil em 1352.”
“De seu palácio da ilha de Batz, São Pole fez um
mosteiro, mas como lhe faltasse água ele a fez brotar com uma
cajadada.”
“Aborrecido dos homens, retira-se da ilha de Batz,
ordena que o enterrem na cidade sagrada de Occismor, de que
ele era bispo e morre com 102 anos em 594.”
728
Os habitantes da ilha querem conservar seus
despojos mortais, os de Occismor os reclamam; os
contendores entram em um acordo; colocar-se-ia metade do
morto em dois carros, um dirigido para o mosteiro e outro para
a praia. O Santo não esperou pelo fim da querela,
desapareceu, atravessou o mar e pelos ares foi ter em
Occismor, que desde este momento foi chamado São Pole de
Leon".
Certamente o leitor julgará que isso é uma história semelhante às Mil e
uma Noites, se não fosse extraída como a mais pura das Verdades da Vida dos
Santos.
Da sexta fonte surgem as tradições místicas, a origem dos contos e das
legendas, suas relações com os mitos.
Por exemplo: do tema mitológico da viagem subterrânea do Sol de
inverno, tiraram a legenda da descida aos infernos, que se encontra na vida de São
Breudan, de Santa Cristina, de Bolsena, na superstição do purgatório de São
Patrício, na descida de Jesus aos infernos, de que só se falou no século IV, e
formou-se completamente com o evangelho de Nicodemus371 que, aliás, não foi
aceito pelo Concilio.
A Fé, a Esperança e a Caridade são as três filhas da Sabedoria do
Paganismo.
371 J. Turmel — La descente du Christ aux Enfers — 1905.
729
A Igreja Católica transformou-a em três santas: Santa Fé, Santa
Esperança e Santa Caridade, dizendo que eram filhas de Santa Sofia (Sabedoria),
palavra grega.
A extensão desse estudo é tal, que só se recorrendo à obra de P. Saint-
Yves é que se pode verificar a farta documentação, irrefutável, de que o Culto dos
Santos do Catolicismo é uma cópia, com péssimas adaptações de contos e fábulas
indianas, chinesas, japonesas, gregas, egípcias, célticas, dinamarquesas etc.
É de admirar, porém, que ainda hoje, no século das luzes, se permita
iludir uma parte da população, constituída de crianças, adultos analfabetos e simples
de espírito, para, com isso, manter-se uma legião de espertalhões, ocupados em
perseguir os que lhes descobrem as velhacarias.
O Culto dos Mortos, dos Deuses e dos Heróis foi praticado desde a mais
remota Antigüidade, no Egito, na China e quiçá na Atlântida, pois ainda se verifica o
mesmo culto no México e no Peru.
O Culto dos Mortos era conhecido na China há mais de seis mil anos,
tendo vindo da Índia pelo livro de Manu. O Rig-Veda já se refere a ele: este livro foi
copiado do livro dos primitivos arianos (ítalo-celtas), por isso é encontrado entre os
gregos, os latinos, os sabinos e os etruscos.
Nas tumbas cristãs era comum lerem-se essas inscrições pagas: "Bebei e
diverti-vos", ou "Minha filha foi fiel entre os fiéis e pagã entre os pagãos".
O Culto dos Mortos deu lugar à criação de um ritual litúrgico especial, não
só entre os pagãos como entre os católicos.
Em toda a parte em que é conhecido esse culto, lamenta-se o morto,
chora-se por ele e faz-se que também chorem as carpideiras pagas para isso.
730
Essa prática perpetuou-se no Cristianismo. Os círios que se acendem em
volta do morto são uma imitação de um rito mágico, em que o fogo é um Deus
poderoso que subjuga as divindades das trevas.
Mas o perigo para o morto não residia somente em afastar esses maus
elementos do seu caminho; na longa viagem que empreendia era preciso também
provê-lo do necessário à sua manutenção e conservar-lhe a amizade, pois ele
passava a ser um deus, um herói ou um santo.
Para isso estabeleceu-se a prática das refeições fúnebres, ora na casa do
morto e em sua presença, ora na sua modesta tumba ou em uma capela erguida
sobre ela a que se chamava triclinium fúnebre, pertencente aos mais ricos.
Nessas refeições, comia-se, dançava-se, cantavam-se lamentações e, por
fim, abandonavam-se ali os restos e, se os parentes eram ricos, depositavam no
interior bebidas e alimentos, tais como vinho, água e comestíveis.
Os pagãos ricos porfiavam em manter seus correligionários fiéis às suas
crenças, fornecendo-lhes víveres para as ágapes.
Os cristãos, para não perderem na concorrência, procediam do mesmo
modo, tendo Santo Agostinho propagado que "com as nossas ágapes nutrimos os
pobres".
L. J. Guenibault372 assim se exprimia: "O que não deixa de estar provado
é o principal motivo que os cristãos tiveram, apoderando-se de uma tal instituição, de
origem totalmente paga".
"Ligando-se ao gênio de seu Culto, eles quiseram
atrair para o seio da Igreja, por uma aparente analogia, os
372 Note sur les Ágapes chrétiens — 1850.
731
espíritos grosseiros e uma multidão familiarizada desse século
com o uso dessas ágapes fúnebres. Era a norma, pela sábia e
industriosa política da Igreja, tirar dos erros e da fraqueza
humana, todo o partido que podia comportar a séria doutrina do
evangelho, a fim de multiplicar as conversões. A instituição das
ágapes, imitada do silicernium dos antigos, foi como que um
inocente estratagema empregado pela primitiva igreja para
captar os corações à fé cristã. Os testemunhos de São
Gregório de Nissa, de São Paulino de Nole e do papa Gregório,
o Grande, bastam para não deixar dúvida nenhuma a tal
respeito. Com o auxílio de uma prática tão conhecida a Igreja
se contentava de mudar o objeto e de purificar a intenção; o
povo sempre escravo dos antigos costumes deixava-se
mansamente levar do culto pagão dos manos, ao culto cristão
dos mártires".
,
Mais tarde esse costume não se limitou mais aos atos de sepultamento,
estendeu-se por todo o ano e além. As ágapes passaram a ser semanais, mensais e
aniversários.
O aniversário dos mártires e a festa dos santos provêm daí, bem como o
costume de se celebrarem missas semanais, mensais e aniversariais e o costume
de ir aos cemitérios acender círios, comer, beber e dançar.
São Paulo chegou mesmo a dizer aos Coríntios: "Meus irmãos, quando
estiverdes reunidos para comer e pregar a morte do Senhor, esperai-vos uns aos
732
outros. Se alguém for apertado pela fome, que ele coma em sua casa, a fim de que
não vos reunis para vossa condenação".
Para provar a exatidão do que fica exposto, basta citar o seguinte: Em
397, o 3º Concilio de Catargo declarou: "Sabemos que muitos cristãos bebem
ultrajosamente sobre o túmulo, e que depois de terem oferecido comida aos
cadáveres, sob pretexto de religião, comem e embriagam-se até caírem, por assim
dizer, mortos sobre seus mortos".
Nas nossas necrópoles a coisa não chega a esse ponto, mas assiste-se
às vezes a alegres piqueniques sobre as tumbas.
Santo Agostinho (Epístola XXIX), ad afipium, confirma o fato nestas
palavras: "Os pagãos viam-se impedidos de abraçar o Cristianismo, pela saudade de
seus festins, nos dias consagrados aos seus ídolos (os manes): por isso nossos
antepassados julgaram bom permitir-lhes que celebrassem com a mesma pompa e
profusão de solenidades em honra dos santos mártires".
Os pagãos, em Roma, comemoravam seus mortos de 13 a 21 de
fevereiro, e essa data tinha por nome parentalalis dies (dias dos funerais) e
terminava por uma festa aos falecidos, que se chamava feralia. Essa data foi
transferida um século mais tarde por Luiz, o Bonachão, para novembro.
O Cristianismo, não podendo destruir esses costumes, transformou essa
festa em "Banquete de São Pedro". Mas, em 566, o Concilio de Tours condenou tal
costume.
Atualmente, a festa dos santos padroeiros ou milagreiros limita-se a uma
missa, com leilão de prendas em coreto erguido na porta do templo a ele dedicado,
apregoado por um camelô desequilibrado e ao espoucar de um foguetório, apesar
de proibido pelas posturas municipais, posturas que não existem para o cura da
733
paróquia e para os quais os funcionários fecham os olhos por algum interesse
oculto!
Segundo a opinião de De Maistre, todos os erros do Universo se reuniam
em Roma, onde se erguia o Panteão construído para agasalhar todos os Deuses
pagãos. Ao fundo vê-se a estátua de Júpiter. Gregório III, em 13 de maio de 731,
substituiu essa estátua pela cruz do Salvador e dedicou esse templo em honra do
mesmo, da Virgem Maria, dos apóstolos, dos mártires e de todos os santos mortos.
Assim se formou o Culto dos Santos, cujos nomes servem de tabuleta a
cada casa de negócio espiritual, vulgarmente chamada Igreja.
Quando se lê que São Diniz, o areopagita, e o sofista Apolofane, estando
em Heliópolis (cidade do Sol) dizem ter visto distintamente, num pretenso eclipse do
Sol, em Lua cheia, isto é, contra todas as leis da astronomia, a Lua colocar-se
abaixo do Sol e ali ficar três horas e voltar depois ao Oriente no seu ponto de
oposição, onde só devia estar 14 dias depois, não se sabe que mais admirar, se a
coragem desses farsantes ou se a imbecilidade do católico que em tal acredita.
A mesma crendice foi introduzida em Portugal, com a célebre Nossa
Senhora de Fátima, em que o Sol teria dançado um jazz-band de um lado para o
outro, apesar de chover torrencialmente.
Coisa mais assombrosa é o dedo da mão direita de Santo Antônio, que
acabam de encontrar em Pádua e foi transportado para Pola, na Itália, com toda a
solenidade. Isso em outubro de 1932!
Quando se encontram falsários, como estes, sem vergonha para fabricar
tais peças, que dizer do resto dos escritores hagiógrafos e de seus crédulos leitores?
Há duas classes de homens: os velhacos, que sabem conduzir, e os tolos,
que se deixam conduzir.
734
A credulidade é um abismo profundo que recebe tudo quanto nele se
queira jogar. É para tapar esse abismo que apelamos para todo homem a quem
resta, ainda, uma centelha de liberdade e de luz.
Quanto mais se complicam os espíritos pelas exegeses de cultos, quanto
mais esses cultos se esfacelam em seitas, mais a humanidade sente a premente
necessidade de encontrar na religião o que é simples. E essa simplicidade reside
nos simplíssimos e inimitáveis dez artigos do Código de Deus.
Templos, cultos, sacramentos e dogmas foram todos condenados por
Jesus.
Já temos demonstrado, suficientemente, que somos cristãos, mas cristãos
deveras, de acordo com o próprio ensino de Jesus. Ora, se Jesus nunca
estabeleceu nada disso, como pactuar com as combinações maquiavélicas dos
Concílios romanos, cujo fim sempre foi conciliar a fé dos fiéis com as finanças da
Igreja, que de outro modo teria falido?
No livro Les Origines Lithurgiques, do abade de São Miguel, D. Cabrol, lêse
o seguinte, que extraímos de P. Saint-Yves373:
"Desde logo, escreve ele, nos achamos em face de
uma objeção: o culto católico não vem de Jesus — Jesus não
tinha liturgia, ele era inimigo das fórmulas ocas das práticas
exteriores; ele queria um culto íntimo, o do coração, era o culto
livre do Pai, que consiste na submissão filial a Deus, no amor,
na confiança; ele rejeita os ritos exteriores; ele quer uma
religião sem padres e sem altares, e não admite outro templo
373 Les Saints Successeurs des Dieux.
735
senão a alma. A liturgia católica, continua o Reverendo Padre,
não vem, pois, de Jesus, é preciso procurar-lhe a origem no
Gnosticismo e, mesmo, em última análise, no Paganismo; do
qual o Gnosticismo serviu de ponte, e que só foi vencido, por
um momento, pelo Cristianismo, senão para tomar uma
estrondosa revanche no século IV.”
“Se o Paganismo foi batizado na pessoa dos
imperadores, não nos apressemos em aplaudir. Recebendo as
águas do batismo, ele se contaminou, deixando seu vírus, e o
culto dos ídolos floresceu com mais vigor sob o manto de Culto
dos Santos, de Culto dos Mártires.”
“Todos esse esplendor de que o culto foi cercado no
século IV é um Paganismo litúrgico. Tal é a objeção renovada
do Protestantismo do século XVI, que partiu em guerra contra a
Babilônia do Papismo, suas superstições, suas idolatrias,
objeção que tomou, de algum modo, sua forma científica nas
obras de Renan, de Harnak, de Sabatier e de todos que se
inspiraram nelas.”
Vejamos o que é preciso pensar-se desta tese,
acrescenta o sábio abade. Será que verdadeiramente sejamos
pagãos sem que o suspeitemos? Será que, invocando a
Virgem Santa, ou os santos, tomando água benta, recebendo a
unção, acendendo os círios sobre o altar do Deus verdadeiro,
não passaríamos de grosseiros adoradores de Palas Atena, da
Magna Mater, de Júpiter Optimus Maximus? “
736
“Confesse que a situação seria picante.”
“Julgamos ter pelos mortos, em prol de Cristo, um
culto sincero e dedicado e, no fundo, esses mártires, se
saíssem de seus nichos dourados, amaldiçoar-nos-iam como
idolatras, tão exatamente interessante quanto os que os
condenaram ao suplício. A questão vale a pena ser examinada
de perto, não acham?"
Não é um herege que assim se exprime, não é nosso taverneiro da
esquina, inimigo de padres, mas sim um dos mais ilustrados sacerdotes católicos.
Que responderão a isso os papa-missas ou os jagodes besuntados de
óleo das lamparinas dos santos?
Fecharão os olhos, taparão os ouvidos e, desviando o pensamento para o
cinema próximo ou para o campo de futebol, ou ainda para o programa político do
Vaticano, continuarão seus caminhos conscientes de que sua alma já tem um lugar
marcado, senão no céu, ao menos no purgatório, de onde, necessariamente, Deus
terá de despachá-la para o paraíso, forçado pela missa que seus parentes lhe
mandarão rezar.
Simplíssimo! E daí talvez estejam muito convencidos que já merecem o
céu, de sobra!
737
Os Dogmas
Segundo o eminente professor Charles Guignebert, em cujo admirável
estudo374 fomos colher a súmula deste artigo, o termo Dogma vem do grego Dokei e
de Doktoi, significando: parece justo, está decretado.
Assim é que, no Império Romano, era hábito dizer-se: "Chegou um
dogma de César Augusto", isto é, um decreto.
Nos Atos dos Apóstolos XVI, 4, São Paulo confiava a guarda dos dogmas
a seus discípulos, como oriundos dos apóstolos e dos anciãos de Jerusalém.
Os primeiros dogmas, portanto, limitavam-se a confirmar os preceitos já
estabelecidos na antiga lei e na nova lei, tais como: não trabalhar no sábado, fugir
da convivência de pecadores, purificar-se nas formas prescritas, cumprir tal rito no
momento propício, amarem-se uns aos outros, preparar-se para o próximo dia final,
juntar-se no céu um tesouro de boas obras que a ferrugem e os ladrões não atacam,
ter-se fé em Deus-Pai e em Jesus, seu Cristo, seu mensageiro da Boa-Nova.
Os dogmas de Pitágoras ou os dogmas de Platão significavam a doutrina
particular de cada um desses depositários das tradições.
Essas doutrinas exigiam de seus adeptos a fé-confiança, mas,
sobretudo, a fé-crença, isto é, a adquirida pela razão e por ela firmada.
Na antiga Lei Mosaica a fé se empunha, porque os preceitos foram
impostos no Sinai pelo próprio Deus-Jeová.
Na nova Lei (Evangelismo), os apóstolos e os discípulos dispensavam
reflexões e especulações metafísicas, pela sua ignorância, limitando-se a dizer:
In illo tempore, dixit Jesus, ou seja: Ele disse.
374 L'Évolution des Dogmes.
738
Subentendiam, por aí, que eleja tivesse sondado o assunto em todos
seus aspectos e, inútil, portanto, eram as verificações.
Bastava tirar por ilação o seguinte: se se deve dar crédito à autenticidade
dos livros Mosaicos, ditados pelo próprio Deus, de quem Moisés era o Mensageiro,
forçosamente se tinha de dar crédito aos profetas, inspirados pelo Espírito Santo, e,
conseqüentemente, reconhecer em Jesus o novo profeta anunciado por Moisés,
como o Messias prometido ao povo de Israel, para salvá-lo da perdição e não
promovê-lo a Filho Carnal de Deus, terminando por torná-lo o próprio Deus, numa
das três pessoas.
Destruir essa lógica, como o faz o Catolicismo, é destruir Moisés, os
profetas e o próprio Jesus, que confirmou a veracidade desses ensinos; é dizer que
Jesus não soube o que fez, nem o que disse, quando venerava esses precursores,
em cujas palavras ele se apoiava; é desmentir a própria palavra de Deus.
supostamente encerrada na Bíblia que, por sua vez, é um repertório das primitivas
doutrinas de Rama, de Zoroastro e de Buda, ditadas pelo mesmo Deus Criador de
qualquer Credo anterior aos primitivos patriarcas da humanidade.
O 1º Zoroastro garantia, milhares de anos antes, que o Zenda-Avesta lhe
fora ditado pelo próprio Deus (Orzmud), tendo, para isso, sido levado à sua presença
por um anjo celestial. Zoroastro, segundo já vimos, já havia profetizado a vinda de
Jesus, não como Deus, mas como o Verbo, como a Palavra Perdida, como Profeta.
Maomé, posterior a Jesus, garante do mesmo modo ter recebido o
Alcorão, trazido pelo anjo Gabriel, por ordem de Alá. O que é mais curioso é ter sido
o mesmo anjo que avisou Maria do seu próximo parto.
Entretanto, muito anteriormente ao Cristianismo e ao Mosaísmo, Buda
também teria recebido a doutrina que espalhou, não das mãos de Deus, por esta ou
739
aquela forma misteriosa, mas elevando-se acima dos homens até Deus. pela sua
extraordinária santidade e força de vontade, e daí traçou à humanidade os preceitos
da sua admirável doutrina, na qual o Cristianismo foi buscar suas raízes, mas cujo
fruto foi destruído pelo enxerto romano.
O Deus de Jesus era o mesmo do de Rama, de Abraão, de Isaac, de
Jacó, de Moisés e dos profetas. Sua Lei era a que Moisés recebeu de Jeová e que
ele veio confirmar.
Para Jesus, a verdadeira transformação moral do homem reside no amor
ao próximo e nada melhor há do que isso ou mais próprio para ganhar o reino do
céu de qualquer rito. Ele era judeu e como tal ficou, não concebendo que houvesse
outra verdade que a revelada por Jeová aos seus profetas, de que ele era um dos
elos e aos quais sempre se referia, venerando especialmente Ezequiel.
Ele não veio salvar unicamente o povo de Israel, como se depreende, a
cada passo, de seus ensinos, proclamando que o pão das crianças não se deve
atirar aos cães, isto é, aos fariseus ou ao resto da humanidade paga, ou aos que
adorassem outro Deus que não Jeová. Ele veio salvar os que crêem na sua palavra
de amor e caridade, exatamente como ensina o Budismo.
Ele pregava a fé em Deus, em Jeová, o Pai e a iminência do Reinado do
Céu. Os apóstolos pregavam a fé em Jesus, ressuscitado, cuja volta esperavam e
não trataram mais do próximo Reinado.
Mais tarde, transformaram a fé-confiança dos primeiros discípulos em fécrença,
em fé-doutrinária. Os evangelhos, pouco a pouco, fizeram desses
preceitos os dogmas das escolas, e a Igreja Católica tornou esses conselhos de
moral prática em afirmações metafísicas. Ora, tais fórmulas dogmáticas
740
estabelecem, forçosamente, a noção de autoridade que os Concílios confundiram
com a noção de Infalibilidade, impondo a crença a seus fiéis, sob terríveis -penas.
Os principais dogmas do Catolicismo residem uns na Gênese de Moisés e
outros nos Evangelhos. Naquela é a noção do pecado original cometido por Adão e
Eva, que a crítica científica e filológica não mais pode aceitar ao pé da letra. Nestes
a noção da virgindade de Maria, igualmente fora dos quadros a exigência daquela
época, e a da encarnação de Deus em Jesus, com duas naturezas perfeitas e de um
Deus tríplice, numa só Unidade. Mais tarde a criação do céu, purgatório e inferno,
que aberra da infinita justiça e misericórdia desse Deus Criador da humanidade, é
proclamação que se perde em um verbalismo metafórico, com o fim de impor ao
espírito humano o conhecimento do desconhecimento.
Todos os dogmas, portanto, não se podem firmar sem um apelo à
Revelação, feito diretamente por Deus ao homem, incapaz, por sua natureza, de
penetrar esses mistérios.
Mas que essa revelação fosse feita nas eras patriarcais a homens puros,
ainda não viciados espiritualmente, ainda se pode conceber. Firmar, porém, que
essa revelação continua a ser feita exclusivamente ao Papa, como único
intermediário no mundo, entre Deus e o homem, é o que se não pode admitir,
máxime, tendo-se em vista a série de criminosos, sanguinários, devassos, que
ocuparam o trono pontificai.
A religião búdica apresentou-se sob uma forma de doutrina que se pode
submeter à razão e à experiência, e que um homem pode explicar e praticar sob as
vistas dos seus semelhantes. Foi assim que Buda e Jesus agiram, sem imporem
dogmas refratários à razão e à experiência.
741
Durante três ou quatro séculos, a Igreja viveu de braços com grande
quantidade de livros escritos por outros apóstolos, bem como os de Marcion e
Valentino, gnósticos, cheios de dogmas, os quais à medida que se recua iam
desaparecendo.
Jesus nunca pensou em estabelecer princípios de dogmas, nem organizar
clero nem lhe dar ritos, pois a chegada do Reinado de Deus, ou por outra, o fim do
mundo, estava próximo, e seus apóstolos não procuravam formar igrejas
organizadas, pois, igualmente, esperavam o grande dia.
São Justino e as Homílias Clementinas contestam mesmo os longos
discursos de Jesus, contidos em João, Mateus e Lucas, pois dizem que Jesus
pronunciava poucas palavras.
Os apóstolos nunca se impuseram como autoridades; eles falavam
procurando convencer, mas nunca ordenando a crença, como faziam os bispos ao
seu rebanho, sob pena de fogueira e outros suplícios, e como fazem hoje com a
excomunhão que encerra as mesmas penas, no caso de um dia lhes cair nas mãos
o Poder Temporal, tão almejado por eles. Por causa das interpretações as igrejas se
dividiram.
Dois métodos existiram para interpretar as escrituras: o sentido literal e o
sentido espiritual ou místico.
No sentido ao pé da letra, tomemos, por exemplo, entre muitos, o
seguinte (João I, 7): "Pois há três que prestam testemunho no céu: o Pai, o Verbo e
o Espírito Santo, e estes três não fazem senão um", dogma da Trindade que só ficou
conhecido e estabelecido no fim do segundo meado do século IV. Até então a
teologia romana se havia recusado a aceitar esse dogma.
742
Outro (São Paulo — Coríntios XIII, 13): "A graça do Senhor Jesus Cristo,
o amor a Deus e a comunicação do Espírito Santo estejam convosco".
São textos estes que, ao pé da letra, estabelecem o dogma da Trindade,
mas que não resistem ao exame, como já tivemos ocasião de ver.
Pelo mesmo sistema, ao pé da letra, pode-se negar uma contradição ou
reduzi-la à força para firmar, por exemplo, que Jesus, descendendo de Davi por
José, segundo a genealogia do 1° e do 3º Evangelhos e do próprio Paulo, foi,
contudo, engendrado pelo Espírito Santo e não por José.
Pelo outro sistema, o do sentido espiritual, pode-se transformar o dito
puramente material do Deuteronômio (XXV, 4): "Não atarás a boca ao boi quando
trilhar", pelo sentido que São Paulo lhe deu (IX, 9,11), de que "os fiéis têm o dever
de sustentar aqueles que pregam o Evangelho", o que teria surpreendido o escritor
daquele livro, se soubesse que seu texto ia ter essa interpretação, aplicada a um
Jesus de que nem sonhava, tanto mais tendo São Paulo afirmado que nunca viveu à
expensa de ninguém, mas sim do seu trabalho.
Outra: a incumbência de reger a Ordem terrestre, Cristo a transferiu aos
papas, pois, como prova esmagadora, lembram eles que Pedro, certa vez,
caminhou sobre o mar e, portanto, o mar significando as turbas populares, claro
está que o sucessor de Pedro possui autoridade para governar os povos.
É com essa lógica que os teólogos e apologistas católicos discutem.
Essas interpretações e acomodações de textos, terrivelmente elásticas,
fizeram surgir uma elite de intelectuais católicos modernistas, que propuseram uma
reforma nas fórmulas dogmáticas, de acordo com o espírito moderno e com a
ciência. Esses pensadores foram ouvidos nos meios ortodoxos, reconheceram-lhes
a razão, mas o papa falou e condenou toda tentativa, de modo que a massa
743
inteligente recolheu-se aos bastidores, aguardando melhor oportunidade para
amadurecimento do fruto.
Não fosse a peia da Infalibilidade do Papa, certamente assistiríamos à
colheita deste fruto, que seria apreciado por todos os credos da Terra, porque os
galhos do Cristianismo se prendem ao único tronco da primitiva religião de Rama, de
onde surgiram os ramos zoroástricos, bramânicos, budistas, judaicos, muçulmanos,
ortodoxos, etc. Todos reconheceriam com facilidade a origem do seu rebento, e a
Terra então entraria numa fase de liberalismo exegético, sem encontrar muralha
artilhada contra nenhuma tentativa, como sucede com o Romanismo.
Nem o Budismo, nem o Maometismo e nem mesmo o Ortodoxismo grego
possuem Sumos Pontífices, máxime, autoritários como o de Roma, nem igreja, nem
clero hierarquicamente organizado, senhor dos ritos e guias forçados da fé. Esses
cultos obedecem à opinião dos seus teólogos, dos doutores da Lei e, sobretudo, no
exemplo daqueles que eles consideram santos. Todos se guiam pelo livro que eles
pensam conter a Verdade, por ter sido revelado por Deus e esses livros contêm a
mais pura moral!
As interpretações, portanto, que só ocorrem no Catolicismo e não em
outros credos, deformando o espírito dos textos, trazem as igrejas de Cristo
eternamente desunidas, em decorrência da plasticidade a que se prestam, embora
procure imobilizá-los com sua destra erguida.
O movimento intelectual, porém, não se paralisa com uma simples bula;
sua lei é evoluir. Certo é, portanto, que o Romanismo terá um dia de ceder lugar a
uma Religião argamassada com os sãos preceitos de todos os Cultos do mundo, e
esta não poderá ser outra que não a de um Cristianismo puro, isento de dogmas e
sem hierarquia política, açambarcadora dos mais insignificantes direitos humanos.
744
O dogma da Imaculada Conceição foi combatido pelos próprios teólogos
da Idade Média e, sobretudo, por São Bernardo, São Tomás de Aquino e Pedro de
Ailly o fez condenar pelo papa Clemente VII, em 1386. O Concilio de Trento é que o
aceitou e foi confirmado pelo papa Pio IX em 1854, o que prova que os dogmas
residem mais na vontade de um déspota do que na essência da Revelação pelo
Espírito Santo.
Se bem que as seguintes considerações coubessem mais acertadamente
no artigo referente à Virgindade de Maria, contudo as apresentamos agora por
fazer parte de um dos mais sérios dogmas do Catolicismo.
V. Courdaveaux em seu magistral estudo Les Dogmes divide essa
legenda em quatro épocas.
Na primeira época, Marcos, que foi, segundo parece, o primeiro dos
evangelistas que apareceram, e João, o apóstolo, que fez de Jesus um Deus, não
falam do nascimento de Jesus. Só Mateus é que a isso se refere, pois Lucas, que
também a isso alude, não só não foi apóstolo de Jesus como nem o conheceu,
tendo sido discípulo de Paulo posteriormente à morte de Cristo, o que faz crer que
essa referência nestes dois evangelistas foi feita muito depois, e, se não fossem
essas duas referências, o papel da Virgem-mãe se tornaria o mais obscuro.
Os irmãos e as irmãs de Jesus não acreditavam nele e sua própria mãe o
julgava alucinado, por isso procurou detê-lo nessa missão (Marcos III, 21,31).
Ela não assistiu ao seu martírio, à sua crucificação, à sua ressurreição,
segundo se vê dos evangelhos sinóticos. Só no evangelho de João isso se lê, mas
considerando pela crítica, como positivamente apócrifo, escrito por outros
interessados em tornar Jesus um Deus.
745
São Paulo, a única vez que fala de Maria, é chamando-a de mulher. Nem
as epístolas dos Apóstolos nem o Apocalipse pronunciam esse nome.
Na segunda época, que se prende a 150 anos depois da morte de Cristo,
quando começaram a aparecer dezenas de evangelhos, não se cogitava acerca do
nascimento milagroso de Jesus. São Justino, em 155, desconhecia essa legenda.
Mateus I, 25 diz que José não conheceu Maria antes dela dar a luz à seu filho
primogênito.
Os Atos dos Apóstolos, São Paulo, Hegesipo, São Irineu, Tertuliano, as
Constituições apostólicas, o historiador Joseph etc., todos concordam em
reconhecer irmãos e irmãs de Jesus.
Na terceira época, no início do século III, essa história do nascimento
Virginal de Jesus e a dos seus irmãos e irmãs começou a incomodar os principais
pais da Igreja que, nessas condições, resolveram que a vida de Maria também fosse
rodeada de milagres.
Surgiram então dois livros: o proto-evangelho e um pseudo-Mateus, em
latim, pois o conhecido por segundo Mateus é escrito em aramaico, sua língua natal.
Faremos uma comparação dos dois, no proto-evangelho lê-se que:
Joaquim e Ana ansiavam por um filho; vem um anjo e anuncia o advento;
nasce Maria; com um ano ela é apresentada aos sacerdotes e ao povo que a
aclama; com três anos a deixam no templo; logo na sua chegada ela dança sobre os
degraus do altar; durante seu estágio no templo é nutrida por um anjo; com 12 anos,
os sacerdotes não a querem mais no templo, com receio de um acidente que a
manchasse; sob as ordens de Deus ela é entregue a José, velho de 80 anos, após
um milagre produzido; José a leva para casa, empreendendo, porém, uma viagem
de quatro anos; com 16 anos, um anjo lhe anuncia o acontecimento; três meses
746
depois José volta e fica muito aborrecido com o sucedido; um anjo, porém, lhe
aparece em sonho e o tranqüiliza; advém a lei do recenseamento e a viagem a
Belém; dores do parto em caminho e o recolhimento em uma caverna, que se
ilumina de uma luz ofuscante; a parteira maravilhada constata com a mão que Maria
é Virgem; a segunda parteira (Salomé) recusa crer e quer também tocá-la, sua mão
murcha, mas é curada quando pega Jesus nos braços; chegam os Magos; cólera de
Herodes e o massacre dos inocentes; Maria em vez de fugir para o deserto esconde
seu filho em um estábulo; Elisabete escondeu o seu em uma montanha que se abre
para recebê-lo e na qual faz luz como em pleno dia; Herodes julga que João Batista
é o Cristo e vinga-se matando Zacarias, marido de Elisabete. No pseudo-Mateus lêse
que:
1º — Joaquim abandonou de vez sua improfícua mulher; mas ela
concebeu antes da sua partida.
2º — Em vez de Maria dançar sobre os degraus do altar, ela galga de um
pulo os 15 degraus.
3º — Com três anos, ela mesma dividiu seu tempo, entre trabalhos e
orações, até que um anjo lhe traga sua refeição.
4º — Basta ela tocar os doentes para curá-los.
5º — Os anjos a obedecem.
6º — Ela mesma se consagra à virgindade, embora contrariando a lei.
7º — Aos 14 anos, o templo procura alguém para tomar conta dela,
cabendo essa tarefa ao velho José.
8º — Para que ela não se aborrecesse na sua ausência, José dá-lhe
cinco virgens por companheiras, as quais atestarão mais tarde da sua conduta.
9° — Na viagem para Belém é um anjo que conduz o asno.
747
10º — A caverna em que Maria concebeu é um subterrâneo escuro, mas
que se iluminou desde que ela ali penetrou e acima dessa caverna brilha uma
estrela de primeira grandeza.
11º — No terceiro dia, Maria sai da caverna e leva seu filho para um
estábulo, cujos animais o adoram, para confirmar as profecias, termo que não figura
no proto-evangelho.
12º — Os anjos anunciam os pastores.
13º — Apresentação no templo.
14º — Dois anos depois, os Magos vêm adorar Jesus.
15º — Fuga para o deserto, com encontro de cobras, leões, lobos,
leopardos que adoram o menino.
16º — Segue-se agora uma série interminável de milagres, sempre para a
realização das profecias.
Por exemplo: Maria tem sede. A um gesto de Jesus a palmeira curva-se,
ela apanha os frutos e da raiz brota a água que todos bebem.
A viagem se fez em cinco dias, em vez de 35, pela vontade de Jesus, A
família hospeda-se em um templo onde há 365 ídolos, os quais se desmoronam só
com a vista de Jesus. O rei então adora Jesus e todos crêem nele.
Jesus, brincando com seus camaradas, zanga-se e mata um. Grande
escândalo. Maria suplica a Jesus e este ressuscita o camarada, ora com um
pontapé, ora puxando-lhe as orelhas, como este evangelho mesmo conta o fato.
Dias depois ele ressuscita outro camarada. Fabrica pardais de barro, que
vivem, cantam e voam.
Mas, basta.
748
São Jerônimo no século IV quis, também, fazer adotar o dogma da
Virgindade de José, simplesmente para esmagar um contendor sobre a virgindade
de Maria, mas não o conseguiu.
O dogma da Ascensão de Jesus só é narrado em Atos.
Lucas (XXIV, 31) que, como sabemos, foi discípulo de Paulo, faz ali uma
menção muito vasta e simbólica, que a crítica moderna provou ter sido intercalação
feita muito posteriormente. João e o próprio Paulo interpretam isso como ascensão
espiritual e não corporal.
O dogma da divindade de Cristo é puramente uma visão de fé. Os fiéis
inteligentes curvam-se sem refletir as instruções da Igreja. E, se movidos por
exigências da razão e da história, eles se vêem embaraçados, atiram as afirmações
ortodoxas para um canto, de modo a não mais incomodá-los.
Os ignorantes ignoram sempre; estão no seu papel. Aqueles cuja inércia
intelectual faz retardar ou estacionar a evolução dogmática mantém-se na ilusão de
que o dogma é uma verdade divina revelada. Entretanto, o que se verifica nele é
puramente a prática e o rito, mas não o dogma. Foi no catecismo ou nos sermões
que ele aprendeu os principais dogmas, alguns dos quais se gravaram no seu
espírito, porque são fáceis de compreender, como, por exemplo, a esperança de um
paraíso eterno e o termo de um inferno eterno.
Assistir à missa, tirar o chapéu à passagem de uma igreja, comungar,
jejuar, recitar uma oração qualquer, benzer-se quando ouve o trovão, etc. são
práticas puramente automáticas, sem a mínima consciência mística e cercadas das
mais grosseiras superstições, herdadas do Paganismo e dos sertões da África. A fé
católica, propriamente dita, e sua teologia permanecem na medida do seu espírito.
749
De modo que a religião já não é mais o dogma, é o padre da freguesia a quem
entregaram por procuração a salvação da alma.
O dogma, portanto, pelo estudo de Charles Guignebert, de quem
extraímos esses pensamentos, nasce, evolui e morre como tudo.
O dogma nasce da fé que o adepto deposita no texto, sem lhe procurar
conhecer o fundamento e ainda menos analisá-lo. Pouco lhe importa que ele vá de
encontro à razão e à ciência.
O dogma evolui pela fé crescente em número, a ponto de a teologia
intervir codificando o texto por interpretações metafísicas. Aí estaciona.
O dogma morre, finalmente, pelas complicações que a teologia nele
introduziu, mas que não podem resistir à crítica científica, passando a servir
unicamente aos místicos ou àqueles cujas mentalidades se acham cerceadas pelos
cânones da Igreja.
Ouvimos uma vez, de um católico fanático, distinto arquiteto, a seguinte
resposta: "Não sei rezar, raramente vou à missa, nada entendo de religiões; mas...
satisfaz-me o culto católico” que, aliás, chama de Religião Católica.
A um padre pediram que respondesse a uns tópicos de um dogma, e ele
declarou que ele próprio não tinha o direito de fazer a si mesmo tal pergunta!
E fala-se em dogmas do Catolicismo como se fossem sentenças
decretadas pelo Supremo Criador!
Os principais dogmas do Catolicismo foram tirados de um poema da Sibila
de Cumes. Outra parte é copiada dos Vedas, do Vendidad Saddé, base da religião
de Zoroastro, e da qual fez parte Santo Agostinho, que tinha adotado o
Maniqueísmo, criado por Manu, extraído por uma genial combinação da doutrina de
Zoroastro, da de Buda e da de Cristo, aproveitando da primeira o dualismo divino
750
fundamental, da segunda o aparelhamento lendário e da terceira sua organização
militante e forma literária.
Este Pai da Igreja Católica, além disso, condensa seus conhecimentos
teológicos, tomando dois terços da teologia de Platão, discípulo de Sócrates e da de
Pitágoras, iniciado nos templos do Egito e nos da Grécia.
Em Confissão 1,7, 10, ele confessa que foram os dogmas de Platão que
o fizeram admitir o dos cristãos.
Antônio Fogazarro, notável escritor católico, assim se exprime: "Quem
formula as decisões senão os teólogos? E quem são os teólogos senão homens
falíveis e ignorantes como nós?"
Mas, para que o leitor fique perfeitamente inteirado de como nasceu,
evoluiu e se firmou o dogma da Trindade, damos, em seguida, a tradução de uma
conferência do V. Courdaveaux, inserida em sua importante obra Comment se sont
formes les dogmes.
E um estudo esmagador.
As Origens do Dogma da Trindade
(Suprimiremos as longas chamadas por serem citações dos livros sacros
e explicações de filologia grega, latina e hebraica que muito aproveitarão ao leitor
estudioso que quiser recorrer a essa obra.)
Diz este sábio:
"A Igreja expõe assim o dogma da Trindade”:
“Aquele que quer salvar-se deve guardar sua fé
católica, que é adorar um só Deus na Trindade e a Trindade na
751
Unidade, sem confundir as pessoas nem dividir a substância.
Outra é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito
Santo; mas a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é
uma, sua glória iguala sua majestade externa. Tal é o Pai, tal é
o Filho, tal é o Espírito Santo. Todos os três são incriados,
incompreensíveis, eternos, todo-poderosos e, no entanto, eles
não são três incriados, três incompreensíveis, três eternos, três
todo-poderosos; mas um só incriado, um só incompreensível,
um só eterno, um só todo-poderoso. Assim, o Pai é Deus, o
Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; no entanto, eles não são
três Senhores, mas um só Senhor.”
“Por outro lado, enquanto o Pai incriado não é nem
leito, nem engendrado, o Filho, também incriado, é nascido, no
entanto, do Pai, não feito, mas engendrado, e o Espírito Santo,
incriado por sua vez, é do Pai e do Filho, não tendo sido nem
engendrado, mas procedente. O que faz que haja um só Pai e
não três Pais, um só Filho e não três Filhos, um só Espírito
Santo e não três Espíritos Santos. Mas dessas três pessoas,
nenhuma é anterior ou posterior à outra, nenhuma é inferior ou
superior, de modo que por todos os lados, como dissemos, é
mister adorar a Unidade na Trindade e a Trindade na Unidade.”
“Nunca se jogou um desafio mais audacioso ao
princípio da contradição. Nunca se repetiu de tantos modos
que 1 + 1 + 1 = 1. Se as três pessoas são assim,
absolutamente semelhantes e, por conseqüência, são três
752
indiscerníveis, como o seriam três zeros, o que lhes tira toda a
razão de ser. Por outro lado, como é que se as pode dizer tais
uma como as outras, pois o Pai não é nem feito, nem
engendrado, nem procedente, que o Filho é engendrado, não
procedente, e que o Espírito Santo é procedente e não
engendrado? As palavras não têm mais significação, se se
admitir semelhante pilha de contradições, sob a capa
desilusória do nome do MISTÉRIO! Ora, digamos já, este
dogma monstruoso, negação da razão humana, não é um
ensino direto dos livros sacros, como o são a Unidade de Deus,
o nascimento milagroso de Jesus ou a ressurreição dos mortos.
Não passa de uma construção almejada, de um andaime
arbitrário e fictício de deduções fantasiosas, livremente tiradas
da aproximação de passagens isoladas, emprestadas de livros
originariamente independentes uns dos outros. Começou-se
por destacar cada um desses trechos do seu meio, a fim de
interpretá-lo mais à vontade; depois, quando se encontrou tudo
quanto se desejava, pensaram que só podiam conciliá-los
todos, uns com os outros, fundindo-se nesta inqualificável
mixórdia.”
“Eis o ponto de partida deste dogma da Trindade,
cujo termo não aparece pela primeira vez na história da Igreja,
senão 185 anos após o nascimento de Cristo.”
“Nem o termo Trindade, nem o de pessoas divinas,
que é seu corolário, figuram no Antigo ou no Novo Testamento
753
e, ainda menos, no pretenso Símbolo dos Apóstolos375. Isso é
um fato que os mais intrépidos defensores da Igreja são
obrigados a reconhecer. Tudo quanto eles puderam fazer, em
qualquer época que seja, foi pretender achar em algum recanto
da Bíblia indicações mais ou menos veladas do seu dogma
fundamental.”
“Assim, no Antigo Testamento, os primeiros
versículos da Gênese, em que Deus, depois de ter criado o céu
e a terra, disse: 'Que a luz seja', enquanto seu sopro pairava
sobre as águas, mostrariam em ato o Pai, o Verbo e o Espírito
Santo! Os últimos versículos do mesmo capítulo que fazem
Deus dizer: 'Façamos o homem à nossa imagem' e que conta,
em seguida, que ele o fez à sua imagem, seriam uma indicação
da pluralidade das suas pessoas e da sua Unidade
conjuntamente! E a mesma Trindade se discerniria nos
capítulos XVIII e XIX, em que o Senhor ora é um, ora dois, ora
três. Se a Trindade está verdadeiramente atrás de tudo isso,
Deus podia bem não ter dito, e se os judeus, para cuja
instrução foi ditado o Antigo Testamento, nunca suspeitaram
que ela lá estivesse, hão de nos permitir dizer que a culpa é um
pouco d'Ele.”
"Parece mais fácil achar a Trindade no Novo
Testamento, porque uma vez, ao menos, no fim de São
Mateus, lê-se a fórmula: 'Em nome do 'Pai, do Filho e do
375 Daremos adiante um extrato comparativo
754
Espírito Santo'. Mas a reunião desses três termos não basta
para constituir a Trindade. É preciso a afirmação da sua
Unidade na triplicidade, da sua triplicidade na Unidade. Ora,
isso não se encontra em parte alguma de Mateus, nem no resto
do Novo Testamento.”
“As Homílias Clementinas que, no último terço do 2°.
século, repudiavam, ainda, a divindade de Jesus Cristo,
empregam a fórmula de Mateus (L. X, capítulo IV); e, no século
IV, não há um herético que não lhe faça igualmente uso. Como,
pois, se formou esse dogma e por que fases passou ele, antes
de chegar à sua definitiva constituição? Eis o que desejaríamos
contar aqui. Esse como pode resumir-se em alguma palavra. A
Trindade nasceu, gradualmente, de duas necessidades: a de
engrandecer Jesus, cada dia mais, sem negar a unidade de
Deus, ensinada na Bíblia, e a de colocar de acordo, entre si, os
textos de diversas procedências, aos quais se acabou por
atribuir a mesma inspiração divina.”
“O Jeová da Gênese, aquele que se define, uma vez
por todas, 'eu sou quem sou', ou, se quiserem, o Deus da razão
pura, este ser impassível e imutável, que é impossível ser
representado, por falta de analogia ao nosso alcance, e de
quem é quase impossível nada dizer-se, senão que, na
plenitude de ser, ele é o princípio incompreensível de tudo,
este Deus não fala à imaginação nem ao coração. Entretanto,
que diferença do Jesus legendário! Que alimento para nossa
755
imaginação e nossa necessidade de amar, o de que este ser
misterioso e bom, após ter passado a vida pregando a caridade
e aliviando nossas misérias acabou por dar seu sangue para
redimir as nossas faltas! Como crer que uma figura tão atrativa
não fosse senão a de um homem? Quando certos escritores
começaram a fazer desse personagem, visto à distância, um
ser acima da humanidade e que, por sua vez, graças à
miragem do afastamento e a atração do maravilhoso, eles se
puseram na mesma linha que aqueles que mostraram Jesus,
homem, como parar antes de dar-lhes plena razão, igualando
este homem ao Deus Supremo, cujo bom senso, aliás, não
menos que a Bíblia, proclama tão alto a Unidade forçada? Eis a
explicação do dogma da Trindade.”
“Duas grandes correntes produziram-se entre
aqueles que acreditavam que Jesus era o Messias anunciado
pelos profetas.”
“Uma corrente judeu-cristã, que estacou aquém da
divinização do seu herói; uma corrente judeu-grega, que foi até
a divinização completa de Cristo. A primeira, nascida de
recordações embelezadas da vida de Jesus, aos seus
representantes, nos Evangelhos sinópticos de Mateus, Marcos
e Lucas, nas Epístolas de Pedro, Tiago, Judas, nos Atos dos
Apóstolos e nos numerosos evangelhos particulares aos
hebreus convertidos, que a Igreja depois rejeitou como
apócrifos!”
756
“Para toda essa gente, Jesus não passa de um
homem privilegiado, o maior dos profetas, predestinado ao seu
papel, desde a eternidade, e recompensado por isso, após sua
ressurreição, pelo título de Senhor, e pela função de juiz
supremo dos vivos e dos mortos, na sua próxima volta sobre as
nuvens.”
“Para nenhum deles, Jesus é Deus, apesar da
eminência dos poderes que Deus lhe deu, desde esta vida, e,
apesar, mesmo, do título de filho de Deus que ele tem de
comum com os anjos, com os eleitos, com Davi.”
“Ora, a facção que levava a imaginação dos fiéis a
engrandecê-lo, incessantemente, era tão forte, que esses
judeu-cristãos chegaram, nas Homílias Clementinas, a fazer de
Jesus, o Profeta Único, o servo bem amado, anterior ao
mundo, que se havia, sucessivamente, encarnado em todos os
grandes profetas, desde Adão, tão caluniado, até o próprio
Messias, passando por Noé, Moisés etc.”
“A corrente judeu-grega teve duas fontes bem
distintas: São Paulo e a filosofia platônica.”
“A doutrina de Paulo é um emaranhado inextricável,
se se admite, sem provas, com a Igreja, que todas as epístolas
que lhe atribuem são dele, e que, depois da sua conversão,
nunca mais variou de idéias, na qualidade de inspirado. Ela se
coordena e se esclarece, se se admite com a livre crítica que
suas idéias progrediram, ou que bom número das epístolas que
757
têm seu nome não é dele, e, nada mais fizeram do que
continuar, pela mão dos seus discípulos, o movimento
começado por ele. Mas, seja qual for dessas duas hipóteses a
se aceitar, um fato permanece incontestável: é que, enquanto
nas suas primeiras epístolas, Jesus não passa para ele,
daquilo que Ele é nos Sinópticos e nos Atos, um homem à
parte, predestinado por Deus a desempenhar o grande papel
que desempenhou; entretanto, em certas epístolas, Cristo
assuma uma verdadeira preexistência celeste, atinge uma
espécie de natureza divina que o eleva a cem pés acima da
humanidade, conquanto deixando-o abaixo de Deus real, seu
Deus e seu Pai, ao qual ele serve de instrumento e da livre
vontade, e do qual ele tudo recebeu, seu Ser, seus poderes e
sua recompensa.”
“Tal é a primeira porta pela qual a divinização do
Cristo entrou na Igreja. Eis a segunda”:
“No Timeu, de Platão, abaixo do Deus supremo, que
é o Bom por excelência, veio colocar-se, sob o nome de Razão,
uma espécie de Deus segundo, a primeira de suas criaturas
que lhe havia servido de agente para a criação dos outros
seres inteligíveis e para a organização do mundo material. Por
outro lado, os autores judeus dos Provérbios, ditos de
Salomão, tinham-se, mais de uma vez, deixado levar em um
surto de imaginação poética, a personificar por metáfora a
Sabedoria divina. Quando, pois, em seguida a fundação de
758
Alexandria, onde tantos judeus vieram estabelecer-se, por bem
ou por mal, as idéias platônicas e as idéias judaicas acharamse
em contato, uma mistura natural fez-se entre elas, e, nos
livros judaicos dessa época (desde a Sapiência ao Eclesiástico
até as obras gregas de Philon, no tempo de Jesus), o Logos de
Platão, identificado com a Sabedoria divina, se firmou cada vez
mais como o primeiro agente que Deus se havia dado para a
criação de todo o resto. E quando o Cristianismo, por sua vez,
foi introduzido em Alexandria, o entusiasmo por Jesus só teve
um passo a dar para chegar a identificá-lo com o próprio
Logos.”
“Essa identificação fez-se, somente, de dois modos:
os que a fizeram no Egito, não tendo conhecido Jesus, e tendo
conservado da filosofia grega a necessidade de se
entenderem, não puderam chegar a conceber que um mesmo
Ser pudesse ser ao mesmo tempo Deus e homem, finito e
infinito, conjuntamente, e desse Jesus ao qual nenhuma
recordação pessoal os ligava, eles fizeram uma pura aparência
humana revestida, um dia, pelo Logos divino.”
“Por isso foram chamados os Docetas, ou homens
da aparência, enquanto eles mesmos se intitulavam de
gnósticos, ou homens da verdadeira Ciência. Na Ásia Menor,
ao contrário, ou mesmo na Palestina, no seio de populações
menos filosóficas e onde se haviam conservado mais vivas as
recordações, seja da vida mesmo de Jesus, seja da predica
759
dos seus primeiros discípulos, fez-se a fusão da sua pessoa e
do Logos divino, respeitando-se a realidade divina e a
realidade humana. A encarnação do Logos ou Verbo no
homem Jesus foi tida como tão real como possível. E dessa
reunião de duas naturezas nasceram o evangelho e as
epístolas, ditas de São João, em que Jesus foi, ao mesmo
tempo, o homem e Deus, como em São Paulo (para quem,
entretanto, ele só era o Logos), mas um Deus sempre inferior
ao verdadeiro Deus, seu pai, da livre vontade de quem ele
possuía tudo, seu Ser, sua Ciência e seus poderes.”
“Entre a concepção Docetista do Logos e a
concepção Joânica houve guerra de morte, durante toda a
primeira parte do segundo século. Nessa guerra, foi a
concepção Joânica que venceu e isso devia acontecer. Com
efeito, ela possuía, além das recordações da personalidade
humana de Jesus, a vantagem de o engrandecer de um modo
bem diferente aos olhos das populações sedentas do
maravilhoso e aos olhos de pequenos e humildes, incapazes
de reflexão, no meio dos quais, principalmente, se propagava o
Cristianismo.”
“E, pois, a doutrina Joânica, unida à de São Paulo,
que domina nas obras, aliás, pouco numerosas, que nos
restaram do segundo século. Mas, que não haja ilusão, a
Trindade nada tem que ver nos Pais dos dois primeiros terços
desse século.”
760
“E de dualismo unicamente, ou antes, de diteísmo
que ali se trata, e toda a questão reside em conciliar a unidade
de Deus com a divindade do seu Filho; quer se suprima,
simplesmente, o Espírito Santo, como na Epístola a Dionísio,
quer se identifique o Filho com este, como no Pastor, de
Hermas, a conciliação realiza-se sempre, afinal, pela
inferioridade do Filho, Deus segundo, que deixa intacta a
Unidade do Deus Vero, pela vontade livre da qual ele nasceu,
ou num certo momento da duração, ou de toda a eternidade”.
“Além da Epístola a Dionísio e O Pastor, de Hermas,
essa doutrina da inferioridade do Filho é a das epístolas
atribuídas a Inácio, a Clemente Romano, a São Barnabé, a
Santo Hipólito, a São Justino de Militão de Sartes, a Taciano, a
Santo Hipólito de Artenagora, apesar das diferenças mais ou
menos sensíveis no detalhe, e a respeito do Filho ou a respeito
do Espírito. Enfim, por volta do ano 185 o termo de Tríade
divina, do qual saiu mais tarde a Trindade, encontra-se em
Teófilo de Antioquia, mas, uma só vez e fazendo do Logos e do
Espírito simples potências de Deus, confundindo I cada
instante duas funções”.
“Entretanto, uma vez que foi pronunciado o termo,
ficou como o embrião da coisa, e então começa uma nova era
de balbuciamento e de esforços para conciliar com a Unidade
do Deus não mais somente a divindade do Filho, mas também
a do Espírito Santo.”
761
“Esses esforços foram feitos, simultaneamente, no
Oriente e no Ocidente. Nessa grande escola cristã de
Alexandria, que tentou conservar à razão todos seus direitos ao
lado da tradição, Clemente, seu escritor, pronunciou uma vez o
termo de Tríade divina; mas, na realidade, do que se trata nele,
é menos a Trindade que a simples dualidade do Pai e do Filho,
do Deus e do Senhor Jesus, pois este é ao mesmo tempo o
Logos e o Espírito. Quanto à conciliação desta dualidade com a
unidade de Deus, ela se realiza de dois modos: ora, o Pai e o
Filho não são mais que dois pontos de vista, diferentes de um
só e mesmo ser; ora, e quase sempre, o Filho é simplesmente
no Pai, único Deus Vero, cuja superioridade sobre ele se acha
confirmada em mais de 20 passagens, conquanto ele também
seja chamado Deus. Em Orígenes, sucessor de Clemente, o
termo de Tríade divina se encontra mais vezes, e as idéias que
ele encobre variam ainda mais, graças às numerosas
alterações que o texto sofreu, conforme todo mundo confessa.
Mas, a despeito de todas as correções introduzidas pelos
copistas e tradutores ortodoxos, o que domina, hoje, ainda, é
que o Pai, o Filho e o Espírito Santo diferem de substância, e
que o Filho, inferior ao Pai, se bem que eterno, e o Espírito
Santo, inferior ao Filho, são os dois primeiros termos da série
de seres espirituais, criados por Deus, como intermediários
entre Ele e o mundo.”
762
“O Oriente, como se vê, nesse momento, pelo
menos, tinha apenas esboçado o dogma trinitário.”
“Foi no Ocidente, principalmente, que esse dogma
tomou corpo nos espíritos infinitamente menos ciosos dos
direitos da razão: em Santo Irineu, primeiramente, e em
Tertuliano, depois.”
“Santo Irineu, é verdade, nunca lhe pronunciou o
termo, mas nem por isso deixou de fazer com que o dogma
desse um passo notável, declarando o Filho e o Espírito Santo
absolutamente essenciais e necessários a Deus, embora se
mantivessem como seus inferiores e como desiguais entre si,
ali, onde ele consegue distingui-los.”
“Tertuliano, no seu surto africano, foi ainda mais
longe, e foi ele realmente o primeiro organizador da Trindade,
na qual acreditava, como em muitas coisas mais, porque era
absurdo — Credo quia ineptum.”
“Foi ele quem introduziu na fórmula trinitária o termo
de pessoas, pessoas ainda desiguais, aliás, pois não só o Filho
é desigual ao Pai e o Espírito Santo ao Filho, mas o Espírito
Santo e o Filho não existiram sempre, nascidos como eles são
da vontade livre do Pai, num dia dado, conquanto tirados de
sua substância.”
“E não é tudo: o tratado Contra Praxeam, em que
Tertuliano apresentou, desenvolveu e defendeu o dogma da
Trindade, é um livro que a Igreja de hoje considera como
763
herético; o autor nele declara que esse dogma é da Igreja de
então e era de uma simples minoria, e que a maioria era
unitária, isto é, partidária da Unidade da pessoa em Deus, a
começar pelo bispo de Roma.”
“Em Roma, com efeito, nesse momento, reinava
outra doutrina, a de Noeto, que entendia, a Trindade pelo modo
por que Clemente de Alexandria parece tê-la compreendido por
vezes. Para Noeto, o Pai, o Filho e o Espírito Santo não se
diferenciavam, senão no nome, sendo simplesmente o mesmo
indivíduo encarado com três nomes diferentes — Pai, antes da
encarnação, Filho até a ressurreição, Espírito Santo depois, de
modo que era diferente dizer que era o Pai ou o Filho ou o
Espírito Santo que se havia encarnado, porque, no fundo, era
sempre o mesmo Ser. E, sobre esses unitários de novo gênero
enxertavam-se outros, como o Papa São Calixto, que, para
justificar os diteístas, à moda de São Hipólito, haviam
imaginado dizer que o Pai não havia sofrido, mas co-sofrido,
que ele não se tinha encarnado, mas co-encarnado etc.”
“Assim, pois, até o meado do século III, só houve
disputas e confusões nas doutrinas nascidas de Paulo e de
João. Mesmo depois que o termo de Trindade foi lançado no
mundo cristão por São Teófilo, unitários, diteístas, triteístas,
trinitários, disputaram-se o lugar, numa impotência de se
entenderem ou de se imporem silêncio uns aos outros. E as
coisas continuaram assim até a época de Constantino. Mesmo
764
na primeira metade do século III, o unitarismo de Noeto foi
reencenado por Sabélio; depois, um pouco mais tarde, o dos
ebionitas, por Paulo de Samosata; o dualismo por Manes; o
triteísmo pelos continuadores de Orígenes, dos quais a História
não conservou os nomes; a Trindade, enfim, pelo Papa São
Diniz e por outros, mas, pondo o Filho e o Espírito Santo no
Pai, seu superior, que só é Deus, conquanto um e outro fossem
encarados de mais a mais como lhe sendo necessários, em
vez de serem nascidos da sua vontade livre.”
“Enfim, em 313, sobreveio o Edito de Milão, pelo
qual Constantino proclamava igual a liberdade de todos os
cultos.”
“Sua conseqüência imediata foi a de transportar para
a praça pública todas essas discussões, que até então se
tinham encerrado quase, completamente, no santuário ou nos
livros dos chefes de escola. O povo imiscuiu-se nessas
disputas; o sangue correu nas praças pública, e Constantino,
único responsável da paz de todo o Império, após sua vitória
definitiva sobre Licinius, em 323, teve, em nome da
tranqüilidade pública, de intervir nesses debates. Foi sobre a
questão da divindade completa do Filho, isto é, sobre sua
igualdade com o Pai, que a querela se reanimou com mais
violência. O incêndio nasceu em Alexandria e estendeu-se por
toda a Ásia. Foi um diácono chamado Arius que despertou os
debates. No Evangelho, segundo São João, se acham várias
765
declarações de Jesus, cujo sentido, quando se as aproxima do
que as envolve, é logicamente este: 'Que seja eu ou Deus meu
Pai quem vos fala, pouco importa para o valor do que vos
ensino, pois eu não digo ou nunca faço senão o que me faz
dizer ou fazer meu Pai, de quem possuo tudo quanto sou e que
me delegou todos seus poderes, de sorte que, me ver ou ver
meu Pai, me ouvir ou ouvir meu Pai, é a mesma coisa'.”
“Nada mais simples e mais inteligível que essa
declaração que já colocava Jesus tão alto.”
“Mas, apesar do entusiasmo sempre crescente dos
fiéis por Jesus, estes não puderam ater-se ao sentido natural
das palavras, a essa unidade toda moral, toda feita de
sentimentos e de idéias, que permitia a Jesus dizer a seus
discípulos”:
“ 'Sede um, todos juntos e comigo, como meu Pai e
eu somos um1; tinham-se tomado as palavras no sentido
absoluto, e era sobre elas que Tertuliano já havia fundado a
organização da sua Unidade. E, era sobre eles, também, que
Noeto e Sabélio, exprimindo a lógica até o fim, haviam
estabelecido sua unidade de pessoa em Deus.”
“Arius, pois, apoiando-se sobre estes e armando-se,
em todos os textos, do Evangelho, mesmo, de João, que
provam a inferioridade de Jesus Cristo, havia proclamado bem
alto que era preciso tomar essas declarações de Jesus no seu
sentido material, se não se queria ser Sabeliano; e, conforme
766
São Justino e tantos outros, Arius fez de Jesus um simples
Deus segundo, primeira criatura do Pai, que lhe havia dado o
Ser em certo momento. Arius arrastou consigo, pelo menos, a
metade dos fiéis de Alexandria. Mas tinha contra si o fanatismo
ignorante dos frades, Santo Antônio à testa, e a necessidade
geral sempre crescente de elevar Jesus até a divindade
completa. Que podia o bom senso contra semelhante treino,
quando, sobretudo, este bom senso já se achava ligado por
concessões primárias? Arius achou, na primeira fila dos seus
adversários, seu bispo Santo Alexandre e Santo Atanásio. Seu
bispo o excomungou; outros bispos o defenderam; e a Ásia
inteira, com o Egito, viram-se logo divididos entre os dois
partidos. Quando Constantino interveio na querela, em nome
da paz pública, nada entendia da questão; e seus conselheiros
eclesiásticos, todos saídos do Ocidente, pouco ou menos do
que ele entendiam da matéria. Constantino pensava que lhe
era suficiente uma palavra para fazer calar todo o mundo, na
sua qualidade de chefe da religião, e enviou o bispo espanhol
Osius, o mais íntimo dos seus conselheiros, levar aos dois
partidos uma carta que nos foi conservada, e em que tratava a
questão de inútil, ociosa e insolúvel e suplicava a todos de não
mais perturbar a paz pública por coisa de tão pouca
importância.”
“Ele desconhecia aqueles a quem se dirigia!”
767
“Osius achou os dois partidos igualmente irredutíveis
em suas opiniões; mas, tendo mais freqüentes relações, pela
força das circunstâncias, com Alexandre e Atanásio, deixou-se
ganhar sua opinião, que lhe parecia, aliás, mais digna do
Cristo; e, não tendo podido obter que Arius cedesse,
aconselhou a Constantino, quando de volta, que reunisse uma
assembléia de bispos, tão numerosa quanto possível, para
forçar, pelo número, os dissidentes à submissão.”
“Constantino aceitou com agrado esse meio assaz
natural de pôr fim aos debates; e, com sua autoridade privada,
reuniu o Concilio de Nicéia, por ele mesmo presidido.”
“O Concilio estatuiu uma primeira questão: 'O Filho é
da mesma substância que o Pai?' Isso, segundo pensavam,
estabelecia seu co-eterno necessário e seu igual.”
“A maioria dos Membros do Concilio pensava tanto
nisso quanto o próprio Osius. O fato está provado pelo discurso
que a história nos conservou de um dele. Mal Constantino tinha
tomado o partido de Atanásio e o apoiava com sua autoridade
imperial, ameaçando bem alto da sua cólera a quem não se
arregimentasse a uma opinião tão favorável ao Cristo. O
Concilio decretou, pois, com imensa maioria, que seria
anátema quem dissesse que o Filho é de uma outra hipóstase
ou substância que o Pai, as duas palavras sendo tomadas por
sinônimas. Era a condenação de Arius.”
768
“Mas isso só era a metade da tarefa. Depois de ter
estabelecido que o Filho não era de uma outra substância que
o Pai, isto é, que era da mesma, restava determinar em que
sentido se tomava este termo mesma, que ora se diz da
identidade e ora da simples semelhança.”
“Com a identidade, tinha-se a Unidade da substância
do Pai e do Filho. Com a simples semelhança tinha-se a
substância igual de um e do outro. Ora, a ìonoousia (uma
substância) foi rejeitada como manchada de sabelianismo.”
“E sìoiousia (substância igual) foi igualmente
rejeitada como deixando a porta aberta ao Arianismo.”
Que significação dar então à palavra mesma, pois,
entre a identidade e a semelhança, nem o bom senso nem o
dicionário a fornecem? Queriam, entretanto, alguma coisa que
tivesse ares de dar um sentido para marcar que não se era
nem sabeliano, nem ariano; e, entre as duas palavras
rejeitadas, estacou-se em um terceiro termo sìoousia
(coexistência das substâncias em uma substância), que o latino
traduz por consubstantialitas e o francês por consubstantialitê
recusando defini-lo, sob o cômodo pretexto da
incompreensibilidade divina, como se a primeira condição da
palavra humana não fosse exatamente de saber o sentido das
palavras que ela emprega! Sobre 17 antagonistas que a
fórmula logo encontrou, três somente resistiram até o fim, e
foram exilados.”
769
“Outros que pediam para Arius tinham cedido, tanto
mais facilmente, quanto, no fundo, a palavra sìoousia
(coexistência das substâncias em uma substância), nada
resolvia, porquanto, além da incapacidade em que se viam de
a explicar, ela se confundia com sìoiusia (substância igual),
no verbo único sìoiuìai (comprar), comum aos dois
substantivos; de modo que, servindo-se do verbo, em vez
destas, podia-se impunemente dizer tudo quanto se queria.”
“Por isso, três ou quatro anos depois, Constantino,
vendo-se perdido em todas essas fórmulas, e fazendo questão,
principalmente, de ter súditos dóceis, fez voltar Arius e seus
partidários, que lhe juraram submissão ao decreto do Concilio,
tornando Lei de Estado, e exilou Atanásio como rebelde, por se
recusar a reintegrar Arius; e, alguns anos mais tarde,
Constantino se fez batizar no leito da morte por um bispo
ariano. Depois de Constantino a querela continuou com mais
força. Atanasianos, sabelianos, arianos, semi-arianos (assim se
chamavam os hábeis ou hesitantes que se apegavam a
sìoiusia (substância igual), disputaram-se encarniçadamente.
O imperador Constantino, meio-ariano zeloso, empregou todos
os meios, quando a morte de seus irmãos o deixou só, senhor
do Império, para fazer com que todos os bispos se
conformassem com sìoiusia (substância igual), declarada ou
disfarçada sob novas fórmulas, e nem o exílio, nem as
770
perseguições de toda sorte lhe custavam pôr em prática para
conseguir o resultado.”
“O velho Osius e o papa Libério, mesmo, acabaram
por ceder e renunciar a sìoousia (coexistência das
substâncias em uma substância), salvo para Libério, que
ocultava o intuito de retratar-se mais tarde, quando o perigo
tivesse passado. Mas Atanásio e alguns outros ficaram firmes
e, enquanto os desertos se povoaram de bispos exilados,
enquanto o sangue mesmo corria em borbotões nas igrejas e
nas ruas, sob Valens, como sob Constâncio, as querelas entre
as seitas embrulharam-se de tal modo que, quando em 381, o
imperador Teodósio, espanhol de origem e Atanásio
intransigente, como todos os ocidentais, quis pôr fim ao
arianismo, renovando-se as profissões de fé do Concilio de
Nicéia, o Concilio de Constantinopla apegou-se a uma fórmula
que era a contradição formal da de Nicéia. Anátema, dizia este
Concilio, contra qualquer que crer que o Filho é de uma outra
upostasiz (hipóstase) ou ousia (substância) que o Pai'. O
Concilio de Constantinopla diz: 'O Deus ao qual nós cremos é
uma ousia (substância) em três upostaseiz (hipóstases) muito
perfeitas'.”
“A terceira hipóstase era o Espírito Santo, que o
Concilio de Nicéia, preocupado com Jesus Cristo, tinha assaz,
desdenhosamente, posto de parte, limitando-se a dizer que
acreditava nele também. Daí partiram alguns indiscretos para
771
negarem que o Espírito Santo fosse Deus e julgaram, a
propósito, preencher a lacuna.”
“Não é que a igualdade dos títulos do Espírito Santo
com os outros dois termos fosse bem evidente, pois nos
Evangelhos sua inferioridade é, pelo contrário, bem patente em
toda a parte, mas, se lhes tivessem admitido a desigualdade,
era preciso admitir, para ser lógico, o valor dos textos iguais
contra a igualdade do Filho com o Pai; e decidiu-se, então, já
que não tinham levado em conta os textos que provavam a
inferioridade do Filho, que não se levaria em conta igualmente
aqueles que provavam a inferioridade do Espírito. Era
impossível raciocinar-se melhor! O Espírito Santo, somente, em
vez de ser nascido do Pai, como o Filho, procedeu dele pelo
Filho, sem que se dessem ao trabalho de explicar em que
proceder diferia de nascer. E a Trindade fundou-se, assim, pelo
emprego achado de um sentido distinto para upostaseiz
(hipóstase) e ousia (substância). Houve, porém, pessoas que
acharam que a luz longe estava de ter sido feita em tudo isso e
pediram explicação a Santo Agostinho. Santo Agostinho levou
15 anos refletindo e, ao cabo desse tempo, deu à luz as
seguintes explicações em seu livro Da Trindade”:
“1 — A palavra upostaseiz e a de persona,pela
qual os latinos a traduziram, não têm absolutamente nenhum
sentido fora da substância. Uma substância em três hipóstases
ou pessoas significa, pois, exatamente, uma substância em três
772
substâncias; e, se não se emprega esta fórmula é unicamente
porque ela seria muito dura de aceitar.”
“2 — Cada pessoa da Trindade, sendo em si mesma
absolutamente perfeita e a perfeição absoluta não tendo graus,
resulta que cada uma delas tomada isoladamente é tanto
quanto as três reunidas, o que faz da Trindade um todo de que
cada parte é igual ao conjunto!”
“3 — Se tudo isso parece impossível, se unidade e
triplicidade parecem inconciliáveis, é porque não se atende a
que nossas palavras humanas não conservam seu sentido
quando se as aplica a Deus. Nele, três ou dois podem fazer
um, como sua justiça é a mesma coisa que sua eternidade!”
“4 —Ademais, a Trindade não é alguém (aliquis
unnus) , mas alguma coisa (unum quid), segundo a expressão
de João, Ego et pater unum sumus e não unus; e este alguma
coisa não se sabe o que é!”
“Era reduzir a fórmula, que se pedira a Santo
Agostinho resolver, a um som vago.”
“Eis ao que atingiram os esforços de quatro séculos
para construir e consolidar o incoerente andaime do qual
mostramos a construção, peça por peça. Não teria sido mais
simples que Santo Agostinho confessasse francamente que
não sabemos o que dizemos com a palavra Trindade? A
pesada mão de Teodósio não deixou, contudo, durante este
tempo, de esmagar no sangue o Arianismo, último esforço da
773
razão para conservar ao dogma algo inteligível; e depois da
invasão dos bárbaros o silêncio se fez sobre isso tudo até o
despertar da razão humana com a Reforma. Que melhor
argumento se poderia achar senão esta história, para justificar
a liberdade de consciência, este primeiro princípio da
Maçonaria e de todo governo liberal?”
Depois de tal argumentação será possível ainda persistir a dúvida de que
os dogmas do Catolicismo não sejam o resultado da pressão criminosa feita pelo
Jesuitismo?
O dogma da Trindade para o Catolicismo é um mistério, pois Deus é
incompreensível, segundo ensina.
Ora, se Deus é incompreensível como o dividem em três pessoas
distintas? Desse modo, desaparece o mistério e bem assim a tal
incompreensibilidade! A incoerência é palpável, mas o católico rebate logo essa
lógica dizendo que esta incompreensibilidade foi adquirida pela Revelação, arma de
que lança mão quando a outra lhe escapa, não se lembrando que desse modo o
mistério deixa de existir.
Ademais, a suposta revelação do Espírito Santo é uma criação dos bispos
e Concílios, para dar aos fiéis uma aparência de fundamento.
O versículo V, capítulo 7 de João acima citado, acerca das Três
testemunhas celestes, que estabeleceu, já no século I, uma espécie de Trindade,
ficou desmascarado pela exegese científica que provou ter sido ele encaixado no
século IV.
774
Diz o padre Loisy (Autour d'un petit livre) que tudo é movimento numa
religião viva: crença, disciplina, moral e culto. A tradição tende à estabilidade, mas a
vida impele ao progresso... e o progresso impele à morte, acrescenta Guignebert.
A antiga religião romana morreu; a cristologia do século IV e da Idade
Média morreu; os dogmas também nascem, evoluem e morrem.
As religiões da Antigüidade foram construídas como uma casa, com as
pedras de vários edifícios em ruína. Quando essas pedras constituíam o respectivo
edifício, davam a idéia de que jamais se poderia supor que, caídas em ruína, elas
fossem servir para edificar outro templo antagônico.
Foi o que se deu com o Catolicismo, que foi buscar seus materiais nos
templos do Paganismo e um dia terá de servir a outro destinado a propagar uma
nova religião, como a Verdadeira e a mais Pura pela seleção que o próprio tempo vai
fazendo entre o Erro e a Verdade.
Os dogmas do Catolicismo obedecem à mesma comparação e são
alimentados, atualmente, pela teologia.
Eis aí as bases dogmáticas em que assenta o edifício romano!
Não são palavras de Deus recolhidas por qualquer religião, na qual
imperasse a Verdade; mas palavras humanas nascidas de disputas católicas e
respingadas de sangue, por isso mesmo sintetizando o Erro.
Roma, consagrando seus Dogmas, fundiu numa só peça o altar e o trono,
resultando uma coisa híbrida, um bicéfalo.
Diz Fabre d'Olivet: "Para que o dogma da Unidade absoluta permaneça
no espiritualismo puro e não arraste o povo de que ele constitui o Culto em um
materialismo e em um antropomorfismo abjeto, é necessário que este povo seja
775
assaz esclarecido para raciocinar sempre certo, ou que o seja só um pouco, para
nunca mais raciocinar.”
“Se ele possui, somente, meias-luzes intelectuais e
se seus conhecimentos físicos o levam a tirar conseqüências
justas de certos princípios dos quais não pode perceber a
falsidade, é inevitável o desvio; ele se tornará ateu ou mudará
o dogma".
Alicerces do Catolicismo
É claro que não tivemos a pretensão de apresentar um estudo completo
do assunto, do capítulo passado, visto esse trabalho já ter sido feito por
competentes críticos; contudo, mesmo cambaleando, sem a necessária competência
literária, de que não cogitamos, recontamos quase a fonte primordial da religião,
desde que o mundo a conheceu e agravou em suas petrografias, pois, há de nos
conceder a gentileza de convir, que a religião não nasceu com o Cristianismo de há
dois mil anos, e ainda, menos com o Catolicismo ou Romanismo que é posterior a
esse de muitos séculos; e, se não nos desenvolvemos em detalhes acerca de sua
marcha evolutiva, a respeito das crises por que passou, acerca dos múltiplos
desmembramentos, cismas e seitas que se originaram da anarquia atravessada
pelos povos de sete mil anos para cá, é porque, como dissemos, esse trabalho,
também, já foi feito por especialistas, facilmente consultáveis.
Não temos, igualmente, a pretensão de possuir a verdadeira Verdade,
mas temos a pretensão de ter procurado desvendar com as próprias palavras das
776
Escrituras e dos fatos o formidável Erro do Catolicismo encoberto com a capa de
Cristianismo,
Demolido esse templo por operários de livre pensar, auxiliados por
obreiros competentes, poetas, músicos, literatos, com poemas, odes e música
litúrgica, não longe estará o dia em que veremos reerguido o primitivo templo da
Verdade, aquele que Jesus disse que reconstruiria em três dias.
Se todas as confrontações que temos feito entre as doutrinas do Cristo e
a do Romanismo não conseguiram abrir os olhos espirituais de algum leitor
inexperiente, é porque, sem dúvida, o golpe que lhe deram na infância sobre a
bossa do raciocínio foi tão forte, que chegou a atrofiá-la, sendo mister, agora, um
ritmado e longo exercício, um esforço intelectual, uma nova educação mental, para a
fazer funcionar, normalmente, o que não é fácil, como nós mesmos o reconhecemos.
Muitos perdurarão no erro, por inércia, outros por teimosia em não querer
aprofundar os mistérios, e outros por verem no contendor um preposto do inferno a
querer enganá-lo, como lhe fez crer o cura da paróquia.
Estamos, porém, convencidos de ter argumentado com os textos e com
fatos inconcussos, buscando, até, no próprio clero católico ilustrado, o apoio e as
luzes de suas esclarecidas inteligências.
Alguns são padres apóstatas, dirão os apologistas, sem refletirem que
essa apostasia lhes veio exatamente à força de estudos e comparações com seus
próprios livros e as palavras do fundador, nos quais descobriram o embuste do seu
culto, pelo completo afastamento da essência, tendo por isso a coragem de romper
os grilhões que lhes ataram a alma, inspirados, quiçá, pelo próprio Cristo, enojado
como deve estar da deturpação que fizeram da doutrina que ele difundiu.
777
Tampouco foi nossa intenção ferir personalidades da classe sacerdotal
que, indubitavelmente, conta em seu seio uma respeitável porcentagem de homens
ilustrados, sinceros, de boa-fé e de caráter ilibado.
Nosso intuito foi separar o joio do trigo, representado nas expressões
Religião Cristã, Religião Católica — Doutrina Cristã, Doutrina Católica —
Cristianismo, Catolicismo, que o povo incauto confunde, julgando ser a mesma
coisa, e de cuja confusão vive o Culto Católico, ou seja, o Romanismo, porque é
um Culto étnico de Roma, culto genuinamente político, tendo o Cristo por pretexto,
meio e fim.
A comparação, como temos visto, entre Cristianismo e Catolicismo é a
mesma da de dia e noite, da de céu e inferno, da do bem e do mal.
Se bem que cada um possa ser seu próprio padre, oficiando no altar do
seu coração, sacrificando ao Ser Supremo todos os gozos que infringem a Lei do
Decálogo, cultivando em seu lugar as virtudes que essa Lei lhe aponta; contudo,
reconhecemos a necessidade de um guia espiritual para os menos esclarecidos,
seja ele cura, pope, rabino, pastor, brâmane, bonzo ou pajé, visto como as abelhas e
as formigas também possuem uma rainha que as rege, os animais no campo uma
madrinha que os dirige, os carneiros, um guia e o rebanho, um pastor.
Mas esse guião deve ser um homem com plena liberdade de pensar, não
sujeito a dogmas, escolhido por exame e por provas morais acima de qualquer
suspeita, imparcial e justa.
Ora, é exatamente o que não pode existir no Catolicismo, tolhido como
está o Papa infalível, pelo — não posso.
Mais fácil seria encontrá-lo no Budismo, em que não se trata de política,
em que não há dogmas a não sei os da pura moral, em que não há clero, nem
778
comércio, nem embuste, em que só se discute o modo prático do homem tornar-se
bom e amante do seu semelhante, cultivar as virtudes.
O Catolicismo não admite discussões teológicas, por não lhe convir
enfrentar com os argumentos irrespondíveis da crítica científica; foge dela como,
segundo sua própria frase, o diabo foge da cruz. Seu pavor embarga-lhe a voz. Seu
silêncio assemelha-se ao silêncio do cataléptico, embora da discussão tivesse de
surgir a salvação de um descrente, pois, o que está escrito, não mais sofre
discussões; é crer... mesmo o absurdo. Os argumentos contrários são armas de
Satanás... Os absurdos são mistérios e mistérios não se discutem!
Diógenes, o cínico, já dizia que "os Mistérios tinham a pretensão de
garantir a felicidade eterna a celerados, uma vez que fossem iniciados, ao passo
que os homens honestos, que deles se afastassem, teriam de sofrer nos Infernos376".
Repugna aceitar como de essência divina a idéia de que um homem
virtuoso, caridoso, temente a Deus, possuindo, em suma, todos os requisitos de um
santo, como os há aos milhões em credos contrários, se veja condenado como
herege à excomunhão e às penas, não só terrenas, como as de um inferno eterno,
só pelo fato de não aceitar os dogmas do Catolicismo, de acordo com o apregoado
livre-arbítrio que por pilhéria, ele preconiza, ao passo que um celerado, assassino,
ladrão, devasso e hipócrita merecerá todas as honras e as regalias do céu, uma vez
que tenha abdicado do irônico livre-arbítrio e satisfaça as tabelas absolutórias, ou,
na última hora, se tiver tempo, peça perdão a Deus, o que não deixa de ser de uma
grande comodidade para os bandidos, mas pouco edificante em moral e em religião.
E a massa analfabeta ou dos simplórios e a dos fanáticos a qual só se
cogita a exterioridade, abandonando a parte espiritual que desconhece, entrega-se
376 Salomon Reinach — Lettres a Zoé.
779
inconscientemente de corpo e alma nas mãos de uma legião de cegos espirituais,
que lhe suga o último vintém, em benefício único do tesouro do Vaticano, senão
mesmo atirando-lhe a própria alma nos braços do seu maior agente, o Satã! É com
tais armas que o Catolicismo se ostenta, e é com tal massa que ele computa a
maioria do Brasil, e que erroneamente computava a da Espanha.
Durante cerca de 300 anos a Igreja Romana viveu, por assim dizer, ao
Deus dará; cada qual cultuava como entendia, cada qual interpretava a seu modo,
chegando mesmo a ligar-se com o Paganismo, até que, sobrevindo os Concílios,
estes passaram a decretar coisas tais que as consciências se revoltaram entre os
próprios adeptos, causando sanguinolentos encontros e as horrorosas guerras das
Cruzadas, o Santo Ofício da Inquisição e uma política de perseguições entre os
próprios Papas, o que fere de frente o próprio meigo Jesus, e abala os fundamentos
da alma de quem lê a História do Cristianismo, Antigo e Medieval, para terminar
transformando essa doutrina, toda espiritual, em uma organização política romana,
que só tem em mira apoderar-se da espada do Temporal.
Durante esses três primeiros séculos, o Cristianismo, ainda assim, ia se
propagando pela persuasão. Quando, porém, surgiu Constantino, ele se transformou
em perseguidor. Ele fez o mesmo que o cavalo da fábula de La Fontaine que, para
vingar-se do veado, pediu ao homem que o montasse e o dirigisse em perseguição
dos seus adversários.
O imperador Julião, o apóstata, dizia que os cristãos haviam herdado dos
judeus sua cólera e seu furor contra o gênero humano. Amiano Marcellino,
historiador do século IV, citando este imperador disse: "Os animais ferozes não são
tão terríveis quanto o são os cristãos entre si, quando divididos por crenças ou por
sentimentos".
780
O Catolicismo tem sido mais aterrador pelas suas ameaças do que
consolador pela esperança.
Platão faz Timóteo dizer que "é costume atemorizar os homens pelo terror
religioso, que se encerra nos discursos culturais em que se pinta a vingança dos
deuses celestes e o suplício inevitável reservado aos culpados nos infernos", bem
como outras ficções escritas por Homero, segundo os antigos livros sacros.
"Assim como se cura às vezes o corpo com veneno,
quando o mal não cede a remédios simples, subjugam-se
igualmente os espíritos com mentiras, quando não é possível
subjugá-los com a verdade."
Todos os patriarcas e os super-homens da Antigüidade ensinaram que
Deus era um, indivisível, tivesse ele os nomes que lhe quisessem dar: Ea, Mitra,
Júpiter, Osíris, Baal, Brama, Buda, Jeová, Alá, Tupã etc.
Esse Deus em nenhuma das respectivas religiões era adorado sob figura
alguma, e o templo que se elevava ao Deus Único era despido de imagens e servia,
unicamente, como ponto de reunião dos fiéis para orarem. Moisés proibiu os templos
de pedra e figuras.
Jesus veio para cumprir esta lei, além de outras.
Ele disse que templos como aquele, ele os destruía e reconstruiria em
três dias, o que significava dizer que esse era o templo que devia subsistir de pé em
toda a humanidade.
Mas os apóstolos que ele enviou ao mundo propalaram, em Atos, que
Deus não requer templos feitos pela mão do homem, nem incenso, missas, velas de
781
cera ou gordura de carneiros, e nem é servido por mão de homem, isto é, por
padres.
Dessas duas sentenças visivelmente antagônicas, que os evangelistas
põem na boca do divino Mestre, resulta que, para não fazer de Jesus um pobre
amalucado, podemos interpretar aquelas frases como devendo ser o templo, aquele
em que ele oficiava — o homem, porém, é que não precisava dele, nem de padres
para orar ao pai, que tudo vê em oculto.
Jesus foi anticlerical, pois não cessava de censurar os fariseus, se bem
que aconselhasse aos fiéis que cumprissem tudo quanto eles dissessem, mas não o
que eles praticassem.
O clericalismo, propriamente dito, não é, pois, o padre e ainda menos a
religião, porquanto cada um pode ser o padre de si próprio ou de um núcleo de
homens; mas é o abuso que o padre faz desse Culto.
"É o padre exaltando-se até o absolutismo, à
infalibilidade, entrando em conflito com a escritura santa, que
ele fecha precipitadamente, porque o condena, e com a
consciência cristã que ele oprime em vez de aconselhá-la", diz
o padre Loyson377. "Respeitai todas as consciências, diz ele
ainda, mesmo a do ateu, porque é uma consciência. Respeitai
o ateu, porque ele sofre. Respeitai-o porque, talvez, sois vós
mesmos que lhe teríeis feito perder a crença."
“Hoje, nem a Igreja acorrentada aos seus dogmas
nem a ciência encerrada na matéria podem mais produzir
377 Ni cléricaux, ni athées.
782
homens completos, como na Antigüidade. A arte de criar e de
formar almas perfeitas perdeu-se, e só será achada quando a
Ciência e a Religião se fusionarem novamente para a felicidade
da humanidade.”
“Entretanto, 'a Ciência, a Religião, ou antes, a Paz, o
sereno esplendor da Glória, vos envolvem, vos penetram!' “
“Repelis inconscientemente o que desejais no fundo
da vossa alma e do vosso coração. Cegos e crianças que sois!”
“Quereis a Verdade? Sim, mas aquela que não fira
vossos hábitos, vosso amor-próprio, vossa hipocrisia!”
“Desejais a Paz? Mas, reclamais a ruína do vosso
inimigo social ou religioso! Procurais a Ciência? Entretanto,
algumas leis naturais que colheis, por grande acaso, em
vossas pesquisas, as utilizais logo em vossas obras de ódio e
de morte378.”
Bem diz C. Fornichi379: "A maioria dos homens não gosta de pensar e
curvar-se à cômoda observância dos preceitos tradicionais.”
“É incrível a soma de absurdos que se podem fazer
crer e praticar aos homens".
Nunca houve perseguição sanguinária de culto algum contrário ao
Catolicismo, o que houve e há é a reação contra a violência deste, protótipo da
378 Jean Jacques Riviêre— A l'hombre des Monasteres.
379 La pensée réligieuse de l'Inde.
783
intolerância. Quer a liberdade para si, tolhendo a dos outros. Se ele se limitasse a
cultuar intramuros, angariando adeptos pela palavra e pelo exemplo, sem se
preocupar com idéias políticas, o mundo viveria em paz como se viveu no Brasil
durante 42 anos.
Mais coerente, mais tolerante, mais de acordo com a própria doutrina do
Cristo são as várias religiões ou cultos espalhados na face do globo, que não
perseguem nem molestam o culto católico onde este se instala, nem se odeiam uns
aos outros.
Os bonzos chineses e os lamas tibetanos são rivais quanto a certas
regras do culto, mas tratam-se como irmãos de uma só família.
O Budismo proíbe que se fale mal das outras religiões, aconselhando, ao
contrário, que se honre o que nelas houver de honroso.
É pela palavra e pelo exemplo que se consegue convencer um contendor
e nunca pela força, pelo terror ou pelo crime, como faz o Catolicismo. Vencer não é
convencer. Vencer é a divisa de bandidos.
Que se termine essa intolerância incontida, essa inexplicável antilogia do
culto católico para com os israelita-judeus, muçulmanos, protestantes, ortodoxos,
espiritistas, budistas e para com as próprias igrejas cristãs, embora divergentes em
pontos de somenos importância.
Não somos, portanto, unilaterais como nos disseram; não procuramos
argumentos de contrários para defender a essência da nossa tese, fomos buscá-los
nos próprios livros que servem de colunas à tiara do Papa; e se esses argumentos
pudessem ser destruídos, ipso facto, iriam destruir os alicerces do Vaticano, que
ruiria fragorosamente, pois é certo, mesmo, que muito abalados já se acham pela
argamassa com que foram construídos: roubo, esbulho, lama, sangue e impostura.
784
É, igualmente, nas obras de apologistas, de teólogos, de padres militantes
e de sacerdotes independentes, que fomos colher algumas migalhas dos elementos
que desmascaram o embuste do culto católico.
É mais uma prova de que sua literatura, movendo-se constantemente no
mesmo círculo de ferro em que a meteram, forjada com silogismos paradoxais, não
pode resistir à mais simples crítica.
E por isso que não se pode esclarecer a consciência de um padre ou de
um leigo fanático, vedada como é ao primeiro toda e qualquer leitura profana e
tolhida, a ambos, a sua liberdade de pensar e de raciocinar, se bem que o infalível
Papa Bento XV em sua bula de 1º de novembro de 1914, declare que, "nas
questões de liberdade de crenças, cada um é livre de dizer e de defender o que
a razão lhe ditar."
Diga-se isso a um padre ou aos governadores do Brasil!
E São Tomas de Aquino, o farol jurídico do Catolicismo, afirma que "uma
doutrina só se revela justa quando está em harmonia com a razão" (São Tomás
1º. e 2º. q. 98, a 1).
Mesmo porque é fácil compreender que, quando se pretende combater
uma crença ou um erro, já enraizado, mormente em matéria de Fé, não é entre
apologistas fanáticos que se encontrariam argumentos contrários e próprios a
destruir o erro em que laboram, por inconsciência ou por conveniência, pois tais
argumentos já são preparados para melhor cimentar aquela Fé, e sabemos quão
mestres são os jesuítas em transmutar um vício em uma virtude.
Quem prega a religião do Espírito pode estar certo de ter contra si os
incapazes arregimentados pelos habilidosos.
785
É certo que não se convencerá um comunista iletrado dizendo-lhe que
sua doutrina é um crime contra a propriedade alheia, fruto do trabalho, da economia
ou da inteligência, convencido como está, por lhe terem dito seus arautos, e pelas
obras publicadas a respeito, que a propriedade alheia é um roubo à coletividade.
É necessário recorrer-se aos que estudam desapaixonadamente com o
único fim de procurar a verdade em seu benefício e do da humanidade, livrando-a
das garras dos espertalhões ou velhacos. São sábios que levaram a vida inteira
comparando os livros sacros de todas as religiões perante a História e perante a
Ciência. Podem seus argumentos ser tachados de errôneos pelos sofismas, mas
não podem ser destruídos pela lógica, pela razão e pelas próprias palavras do
Cristo.
Jesus disse: "Eu sou enviado, unicamente, para salvar as ovelhas
perdidas da Casa de Israel" e aos seus discípulos mandou que pregassem primeiro
ao povo de Israel, o que significa, mais uma vez, ser sua religião a de Israel, isto é, a
Mosaica, religião anti-política, isto é Sinárquica.
Assim, pois, em nome de Deus, em nome do Pastor, não espanteis o
resto do rebanho com gritos de guerra; chamai-o pela palavra mansa, pela
humildade, pelo exemplo e pela tolerância.
"Quem não é contra nós é por nós", disse Jesus380.
A religião cristã lucrará mais com isso e mais depressa preparará o
caminho para a volta de um novo Profeta, que será, então, o Pontífice Rei, o
Melquisedeque de Rama, de Jacó, de Abraão, de Moisés e de Jesus.
O contrário é contraproducente e ilógico.
380 Mas o Catolicismo adota Lucas XI, 23 por estar mais de acordo com seu programa de
perseguição.
786
O mal produz o mal; o bem produz o bem; o bem opondo-se ao mal o
destrói.
Para corroborar, portanto, o que acabamos de dizer e tudo quanto temos
citado a respeito da impostura do Culto Católico, extrairemos a esmo da citada obra
de Guilherme Delhora mais algumas sentenças de entre milhares, pronunciadas
pelos próprios papas, por santos, por doutores da Igreja e por notabilidades
mundiais, a fim de arrolhar aqueles que pretenderem ser mais realistas que o rei,
mais cristãos que o próprio Cristo e mais católico que os próprios papas.
Papa Pio II (1460):
"A Corte de Roma recolhe todo o dinheiro; ela vende
o Espírito Santo, as ordens sacras e os sacramentos; ela
perdoa todos os delitos a quem tiver para pagar a absolvição."
Papa Honório III (1220):
"O amor ao ouro foi sempre o escândalo e o opróbrio
da Santa Sé. Quem não oferece dinheiro ou presentes nada
obtém de Roma."
Papa Adriano VI (1522):
"Sabemos que há muito tempo existem excessos
abomináveis na Santa Sé. A corrupção se estendeu da cabeça
787
aos membros, do papa aos prelados; temos todos descarrilado;
não há um só que tenha praticado o bem, nem um só!"
São Clemente, de Alexandria:
"Quando a Igreja usava cálice de madeira, ela
possuía sacerdotes de ouro, hoje que possui cálice de ouro, os
sacerdotes passaram a ser de madeira, mas da madeira que o
Evangelho manda cortar para jogar no fogo por infecunda."
Papa Gelásio I:
"Os patrimônios da Igreja se devem conservar como
bens dos pobres e para alívio dos mesmos devem ser
distribuídas suas reservas."
(Pio IX legou uma fortuna fantástica e dois de seus herdeiros acabam de
ser descobertos no Brasil.)
Garibaldi:
"Abolir as corporações religiosas é salvar a Itália da
ronha mais perigosa que pode ferir uma nação. Punhal de uma
tirania mascarada, o sacerdote católico reduziu a França,
desde o primado das nações, ao baixo fundo da escala
humana. A Espanha é um teatro de lutas fratricidas, em que o
788
bandoleirismo, suscitado e conduzido por curas, assola aquela
belíssima parte da Europa."
(Que profecia!)
Mazzini:
"A humanidade já teve a religião do Pai e depois a
do Filho, que se abra, pois, o campo à religião do Espírito."
Leão X mandou um frade para a Alemanha com uma caixa amarrada ao
pescoço, tendo o seguinte letreiro:
"Ao som de cada moeda que cai no fundo desta
caixa, uma alma voa do purgatório."
É o cúmulo da desfaçatez!
Ao Papa Eugênio III escreveu São Bernardo: "De toda parte os oprimidos
apelam para seu tribunal. Que justiça lhes seja feita! Quando mais não seja, é
necessário que os opressores sintam que os gritos de suas vítimas são ouvidos...
Que há de mais ímpio, que o mau não cesse de triunfar impunemente, enquanto o
inocente continue a se debater em vão?”
“Bárbaro! Serás tu insensível às penas, aos
trabalhos, ao desprezo do inocente oprimido?”
789
“Acorda, homem de Deus, tem piedade, deixa-te
comover pela indignação".
A Gregório XI (1370-78) e a Urbano VI (1378-89), Santa Catarina de
Siena escrevia deles: "Esses glutões insaciáveis sugaram tanto sangue à Igreja, que
ela hoje está extenuada e pálida".
Pelaio chamava os chefes de Igreja de "lobos que sugam o sangue da
alma".
Pastor381 escreve: "No mês de outubro, um pregador se tinha queixado,
em pleno Vaticano, que a lei de então (punição dos vícios de sodomia e de
bestialidade Histoire des Papes — VIU, 38; 48, nota 4. etc.) não era aplicada senão
aos pobres e nunca aos ricos. O Papa Pio V, à vista dessa acusação, decretou a
aplicação da pena — morte pelo fogo — contra a sodomia e a bestialidade" que,
aliás, caiu com o tempo — Tout casse, tout lasse, tout passe!
Ao legado do Papa Paulo IV perguntaram .u ma vez: "Como distinguir os
heréticos dos católicos?"
"Matai-os todos! Deus reconhecerá os seus!"
Foi a mortandade em massa dos albigenses, no século XII; cerca de 30
mil almas, entre mulheres, velhos e crianças!!!
Duas palavras acerca desses albigenses ou cátaros, isto é, os puros: seu
templo era uma grande sala, despida de ornatos; sobre uma mesa o Novo
Testamento aberto no primeiro capítulo de São João. As cerimônias consistiam na
381 Histoire des Papes — VIU, 38; 48, nota 4.
790
leitura deste livro e uma curta prédica; a bênção e a distribuição do pão
comemorativo da ceia do Cristo e, finalmente, a recitação da oração dominical, numa
fórmula admitida, em que se dizia nosso pão consubstancial, isto é, espiritual, em
vez de nosso pão de cada dia.
Eles diziam que Jesus tomou a aparência de um homem e não se
encarnou, realmente, porque o bom não se pode aliar à matéria.
Repeliam a liturgia católica, por ter o Cristo ensinado uma só oração —
Padre-Nosso.
Eram antimilitaristas, obedecendo assim à proibição de Cristo, em ferir
com ferro; proclamavam a hierarquia da Igreja, baseada em homens santos; os
poderes sacerdotais deviam depender das virtudes, o que se não verificava na Igreja
de Roma, por isso a repudiavam como sendo a Sinagoga de Satanás e os padres,
seus ministros.
Há no mundo, diziam eles, duas igrejas, uma que foge e perdoa — a
catara — e outra que cerca a primeira, a atinge e a escorcha, a romana.
Por tudo isso chamaram os hereges e os suprimiram com o maior amor
ao próximo, em nome desse mesmo Jesus.
O inquisidor Bernardo Gui, que os conhecia muito bem, escreveu: "O que
os cátaros dizem antes de tudo, e correntemente deles mesmos, é que são bons
cristãos, que não juram, nem mentem, não maldizem de ninguém, não matam, nem
homens, nem animais, nem ser algum. O que eles dizem, ainda, é que observam a
fé de Jesus Cristo e seu Evangelho, tal como ele o ensinou e igualmente os
apóstolos, que o substituem. Eis por que os membros da Igreja Romana, isto é, os
prelados, os clérigos, os religiosos e, principalmente, os inquisidores, do mesmo
modo que os fariseus, perseguiram o Cristo e seus discípulos, lhe infligem
791
perseguições e os qualificam de heréticos, se bem que seja gente honesta e bons
cristãos".
Portanto, ser cristão não significa ser católico, mas agir de acordo com a
doutrina que Jesus pregou; o católico segue a doutrina de homens políticos, na
expressão do próprio Jesus, doutrina manchada de sangue, como se poderá ver na
Mission des Souverains de Saint-Yves e em milhares de obras escritas pelos
historiadores imparciais.
É mesmo bom dizer, de passagem, que nenhuma obra de Saint-Yves
jamais foi incluída no "Index", sendo esse escritor, amigo particular do Papa Leão
XIII, cognominado o papa pagão, por ter idéias adiantadas; o referido papa tentou,
mesmo, uma vez, reformar os dogmas do Catolicismo, de acordo com os progressos
da Ciência, no que foi obstado pelos jesuítas.
A Religião Cristã foi desfigurada por Paulo desde seu início e tornou-se
irreconhecível pela Política Papista, que sempre se moveu em um chão de
simbioses e de sincretismos absurdos.
O culto católico foi amassado com a lama dos papas e o sangue de
milhares de inocentes almas, algumas leigas e outras que faziam, até, parte dessa
agremiação de loucos fanáticos, desencadeados do inferno, de onde traziam o fogo
para queimar suas vítimas. Queimar... queimar... era o que as inebriava.
Se fôssemos citar, pormenorizadamente, o libelo traçado nessas poucas
linhas, para mostrar os materiais sobre que assentam os alicerces do Vaticano,
mister seria transcrevermos centenas de obras que tratam do assunto.
Mas, para que algum leitor, menos erudito, não julgue que exageramos,
por espírito de maldosa crítica, citaremos, somente, por alto, meia dúzia de fatos e
não dos piores, tirados da própria "História do Vaticano" e lá mesmo arquivada.
792
E, se quiserem enfronhar-se nessa História, apontamos-lhe a obra de
Miguel Zevaco, em que é relatada a vida dos Bórgias, história esta reproduzida em
folhetim, no Popolo di Roma, em maio/junho de 1931, e que causou os
acontecimentos entre o Quirinal e o Vaticano. Leia-se também O Papa e o Concilio
de Rui Barbosa (Janus) — Alexandre Herculano — F. R. Santos Seabra e a
monumental obra de Lachatre.
É um dever de humanismo lembrar esses fatos históricos aos que os
esqueceram, e uma caridade ensinar aos que os ignoram o perigo que eles
encerram para a humanidade.
Nos sete primeiros séculos, a Igreja era regida pelos bispos — epíscopos,
isto é, vigilantes —, títulos estes comprados a dinheiro, tal como o de papa, os quais
se guerreavam militarmente como nações inimigas.
Bento IX foi um dos que compraram e revenderam seu título de papa.
É bom dizer, mesmo, que eram raros os bispos e cardeais que
soubessem ler e ainda menos a legião de padres.
Só no século VIII João VII se coroou com a tiara e adotou o título de Papá
(pai), aliás, não sancionado pelo clero, como suprema autoridade e reprovado pelo
próprio Jesus.
São Tertuliano critica o Bispo de Roma por se apegar a título sem valor.
São Cipriano o chama de Colega.
São Firmiliano escreve a Estêvão que ele está indignado do orgulho
insensato do Bispo de Roma, que pretende ser, em seu bispado, o herdeiro do
Apóstolo Pedro.
793
Os papas sempre se intitularam, falsamente, Sucessores dos Apóstolos,
pois nem os evangelhos, nem os Atos dos Apóstolos, fazem a mínima referência a
essa sucessão, como veremos em Adendos.
No século X, o Papado tinha caído em tão grande aviltamento, que duas
cortesãs chegaram a dispor da tiara para seus amantes e filhos espúrios.
Essas cortesãs foram Marozia e Teodora, ambas prostitutas em Roma.
Esta fez nomear papa a João X, filho do seu amante, o Papa Anastácio III: aquele
mandou matá-lo e colocar no lugar um filho de 16 anos, que ela teve do Papa Sérgio
III e que se chamou João XI, o qual morreu miseravelmente em prisão com sua mãe.
A degradação da Igreja foi tal que até uma mulher ocupou o lugar de papa
— Joanna Gilbert. Daí a criação da "Cadeira Furada" para o reconhecimento de
Papas.
A Papisa Joana pontificou entre Benedito III e Leão IV, durante dois anos
e meses, sofrendo as dores do parto em plena procissão, entre a igreja de São
Clemente e o Coliseu. Seu busto encontra-se na Catedral de Siene, entre os dos
Sumos Pontífices.
No século XIII a Igreja chegou a ter três Papas simultaneamente: Urbano
XI, Clemente XII e Gregório XI, os quais, além de mutuamente se excomungarem,
se guerreavam de armas em punho.
O ódio entre papas era tal que Estêvão VI mandou desenterrar o cadáver
do Papa Formoso, cortou-lhe a cabeça e jogou-a no Rio Tibre.
Este próprio Estêvão VI terminou seus dias enforcado em uma prisão,
pelos horrores que cometera.
João XIII fez também desenterrar o cadáver do seu antecessor e cortá-lo
em pedaços. Esse papa vivia em um serralho de mulheres.
794
João XVIII envenenou João XVII.
João XXII fez queimar 114 espirituais e teve as mãos decepadas, as
orelhas cortadas e os olhos arrancados das órbitas. Esse papa praticou o incesto
com sua própria mãe.
Estêvão VIII teve a cara cortada pela população indignada com suas
atrocidades.
João XII, neto de Marozia e papa com 16 anos, devasso, é assassinado
entre os braços de uma mulher, pelo marido ultrajado. Na hora da morte ele não
quer receber o viático por não acreditar na religião. Uma vez, em um banquete, ele
bebeu à saúde do diabo!
Leão X, que sucedeu a Júlio II, foi um monarca protetor das artes; mas
não um Pontífice, pois ele mesmo não acreditava nos dogmas do seu culto.
Gregório XVI, possuidor de um respeitável nariz, foi um alcoólico incorrigível.
Foi ele quem criou o exército vaticanista, com infantaria e artilharia e foi
acérrimo inimigo de Estradas de Ferro.
Gregório VII foi o autor e causador de 500 anos de guerras civis,
sustentadas por seus sucessores.
Paulo II, Xisto IV, Inocêncio VIII, Alexandre VI e muitos outros
procuraram tirar o recorde em matéria de vícios escandalosos, sem falar nas delícias
que os secretários de papas faziam das obras de Poggé, Aretino etc. etc.
Xisto III deflorou uma jovem, foi absolvido e depois canonizado como
santo!...
Pedro Niceto e Enéas Silvio Picolomini, futuro Pio II, trocam entre si
uma repugnante correspondência a respeito do casamento e da livre união, que
preconizam.
795
Poggé tinha 14 filhos bastardos reconhecidos e dizia que "como leigo ele
tinha filhos, mas como diácono ele dispensava a esposa".
João VIII, Fidelfo, Porcelo Valia e Poggé, mesmo, eram sodomitas.
Inocêncio VIII, como papa, casou ele próprio seus dois filhos. Ordenou o
uso de uma beberagem, como Elixir de Vida, composta com o sangue de três
crianças de dez anos, degoladas para este fim, insinuando que era receita de um
judeu.
Inocêncio X autorizou a degola, na Irlanda, de 200 mil protestantes.
Inocêncio XI instigou os católicos a matar todos os londrinos, ateando
fogo à cidade.
Alexandre VI — Alexandre Bórgia — tinha seis filhos antes de ser papa e
como tal ainda teve mais dois. Lucrécia Bórgia era sua filha e sua amante. Esse
papa cometeu igualmente o incesto com suas duas irmãs. Teve concubinas, entre
elas Rosa Vanozza de Cattanei. Mandou matar Savanarola e vários cardeais que
discordavam dos seus intentos.
Esse papa comprou publicamente a tiara e seus filhos compartilharam das
vantagens. Seu filho César Bórgia, a quem ele fez duque de Bórgia, fez matar, de
acordo com seu pai, os Vitelli, os Urbinos, os Gravinos, os Oliveretto e centenas de
outros senhores, para lhes roubar seus domínios, que constituem hoje parte do
patrimônio vaticanício.
Júlio II, animado do mesmo espírito, excomungou Luís XII, deu seu reino
ao primeiro que apareceu e, armado de capacete e couraça, foi atear fogo e
derramar sangue em uma parte da Itália.
Pio IX considera abominável deixar-se enterrar nos mesmos cemitérios
católicos, protestantes, israelitas etc. Por isso vemos, no nosso país, necrópoles
796
destinadas aos fiéis dessas crenças, vindos já do tempo do Império, em que a
Religião era a do Estado, sendo esta uma razão que afugentava a emigração de
braços trabalhadores e de capitais.
Esse papa foi elevado ao trono pontifical pela Maçonaria, da qual ele fazia
parte, e depois virou-se contra ela.
Esse papa foi quem estabeleceu a Infalibilidade Papal, surgida da
cabeça dos jesuítas e apoiada pela Cúria romana, da qual eram e são senhores
absolutos.
Esse papa tinha 13 amores adúlteros.
Nicolau V e Calixto III proibiram aos cristãos utilizarem-se dos serviços
médicos.
Paulo III fez de sua filha Constança sua amante e praticou o incesto com
sua irmã Júlia.
Paulo IV não acreditava no Inferno — no que, aliás, fazia bem.
Paulo V escreveu ao rei de França, Carlos IX, censurando o Marechal
Tavannes por haver poupado a vida aos prisioneiros de guerra, protestantes, após
uma grande batalha: "Em nome de Cristo, nós vos ordenamos que mandeis enforcar
ou decapitar os prisioneiros que fizestes, sem consideração alguma pelo saber,
categoria, sexo ou idade, sem dó nem compaixão... O holocausto mais agradável a
Deus é o sangue dos inimigos da religião católica; fazei-o correr em ondas sobre
seus altares". E assim foi feito!
João XXII compareceu perante o Concilio no qual ficaram provados seus
horrendos crimes de adultério, incestos, sodomia, simonia, roubos, violação de 300
monjas e defloramento em Bolonha de 200 donzelas, que passaram a ser vítimas de
sua lascívia.
797
Segundo Guilherme Dias, esse papa teria declarado o seguinte:
"Matei meu pai, deflorei minha irmã, tive amores com
minha filha, adulterei, fui sodomita, cometi o pecado de
bestialidade, mas tu não me perseguirás, que eu sei quanto
custa teu perdão; eu sei quanto é preciso dar-se ao Juiz
Supremo (Deus) para peitá-lo nessas coisas; eu sei como se
obriga Deus a aceitar uma bolsa com dinheiro".
Constantino II, à mão armada, apoderou-se da Sé Pontifical, ocupando-a
durante três meses, quando um Sínodo o depôs, arrancando-lhe os olhos e
anulando-lhe os atos!
Sixto IV mandou que apunhalassem os Médicis, Lourenço e Júlia quando
estes se curvassem na missa, perante a elevação da hóstia. Admitiu a sodomia.
Sixto V impôs uma Bíblia forjada por ele, excomungou todos que não a
aceitassem ou a corrigissem. Essa Bíblia foi revogada por se ter achado para mais
de duas mil inexatidões. Mandou enforcar 60 heréticos, diante do seu palácio.
Mandou cortar as mãos e a língua a quem havia ridicularizado ter sido sua irmã sua
lavadeira.
Inocêncio III não admitia a liberdade de consciência e era inimigo da
imprensa. Esse déspota conseguiu tornar o Deuteronômio um livro de leis cristãs,
por ali existir um texto favorável à sua teoria de "Poder de vida e morte", que ele
alterou para favorecer a seus fins.
Antes de sua investidura no século XII, os papas eram chamados Vigários
de Pedro. Ele passou a chamar-se Vigário de Cristo.
798
Ele considerou herege todo aquele que divergisse no que fosse do gênero
habitual do vulgo.
Pio IV (João Ângelo Medicis — 1559-65), depois de investido a papa,
passou a ser o contrário do que era: colérico, ávido, invejoso, sensual, lúbrico,
déspota, fingido.
Estrangulou Caraffo, decapitou Palliano e mandou exibir as cabeças
ensangüentadas no castelo de Santo Ângelo.
Clotário II mandou matar os netos de Brunehaut, Corte e Sigebert.
Quando o algoz, na presença desse papa, erguia o cutelo, uma das vítimas
exclamou: "Senhor rei, não me mate, deixe-me viver... eu sou uma criança...
Piedade, senhor rei... Piedade...". E esse papa, esse representante do Cristo e de
Deus respondeu: "Fere, algoz, fere... depressa!" e a pobre criança apresentou o
pescoço; a lâmina entrou e o sangue, espirrando, foi manchar as luvas de ferro
desse preposto do inferno!
Silvestre II — Martin Polono e outros historiadores proclamaram que ele
dizia ter alcançado a suprema dignidade da Igreja, por um conchavo que fez com o
diabo.
Virgílio, em 546, condenou a doutrina Nestoriana e em 553 revogou essa
condenação. O Sínodo, porém, o excluiu da comunhão da Igreja; mas, para não
perder a prebenda, declarou que "infelizmente não fora ali mais do que instrumento
de Satanás, empregado em arruinar a Igreja, e que era por instigações do diabo que
ele entrara em desavença com seus colegas do Sínodo; mas que, enfim, Deus já o
havia iluminado!" Ah! Velhaco cínico!
Três vezes, pois, se contradisse, apesar da infalibilidade dos papas:
Quanto à hipocrisia, o fanático, naturalmente, a achará desculpável.
799
Honório I foi excomungado e condenado como herege, pelo Concilio de
Constantinopla, em 680.
Adriano I foi condenado pelo absurdo de adoração de imagens.
Benedito VIII mandou cortar a cabeça da rainha dos sarracenos.
Benedito IX, feito papa com 12 anos, foi tão criminoso quanto João XII.
Quatro vezes foi expulso de Roma por devasso. Os capitães romanos tentaram
estrangulá-lo no altar, pela vida horrenda que levava. Ele consegue fugir, vende a
tiara e casa-se. Volta a Roma, ocupada por dois anti-papas e é expulso novamente.
Fez envenenar Clemente II para recuperar a tiara. Depois desaparece para sempre
na floresta de Tuculum.
Simnaco (303) foi tachado de certos crimes.
Eugênio IV mandou prender o carmelita Cenuto, santo homem, torturá-lo
e queimá-lo vivo pela Inquisição.
Pio VI e Pio VII foram expulsos de Roma pelos seus fiéis.
Luís XI, Inocêncio IV, Alexandre IV, Clemente IV, Calixto III etc.
decretaram leis terríveis para a Inquisição.
São Bonifácio VII chegou a dizer que: "ainda quando um papa seja
abominável, a ponto de levar após si, ao inferno, povos inteiros, ninguém lhe deve
impor censura, porquanto, a ele que julga todos os homens, pessoa nenhuma o
pode julgar, excetuando apenas o caso em que se desviar da fé".
Pedimos ao leitor inventar um termo para qualificar essa sentença.
Esse papa prendeu João XIV em masmorra, onde o deixou morrer de
fome e assassinou Bento VI.
Urbano II declarou que não devia ser tachado de assassino aquele que
por amor à Igreja matasse um excomungado: "É claro, disse ele, que se não deve
800
punir somente, mas sim matar os perversos", isto é, aquele que a Igreja tachar de
perverso.
Gregório IX chegava a excomungar até a 7º geração! Pobre
descendência. É a fábula do lobo e do cordeiro. E Jesus mandou perdoar 70 vezes
sete.
Gregório XIII levou Carlos IX, rei da França, a cometer a maior matança
que jamais o mundo viu por questão de religião, na noite de 23 para 24 de agosto de
1572, chamada de São Bartolomeu, em que foram vitimadas mais de 70 mil
pessoas, entre mulheres e crianças, segundo as memórias de Sully, durando a
carnificina três dias em Paris e tudo em nome de Jesus! Depois, esse papa mandou
dar salvas de artilharia, queimar fogos de artifício, em regozijo, cantar Te-Deum,
presentear tal rei com uma rica espada e cunhar uma medalha comemorativa do
fato!
Clemente V e outros excomungavam famílias inteiras, cidades, povos e
Estados!
Clemente VII escreveu: "Que nos importam, em suma, os dogmas? O
que nos convém é uma obediência passiva; o que devemos desejar é que os povos
estejam eternamente submetidos ao jugo dos padres e dos reis; e, para conseguir
este fim, para prevenir as revoltas, para fazer cessar esses ímpetos de liberdade,
que abalam nossos tronos, é preciso empregar a força bruta, transformando em
algozes os vossos soldados — os de Carlos V —; é necessário acender fogueiras,
matar, incendiar; convém exterminar os sábios, aniquilar a imprensa! Então, tende a
certeza de que nossos súditos entrarão na ortodoxia e adorarão de joelhos vossa
majestade imperial". (M. Lachatre, História dos Papas, volume 3, página 403, Lisboa.
1895.)
801
Nicolau escreveu: "Sou tudo, em tudo e acima de tudo. De modo que o
próprio Deus e eu, o vigário de Deus, temos ambos um consistório e posso fazer
quase tudo o que Deus pode fazer. Em todas as coisas, minha vontade prevalecerá;
porque posso, por lei, dispensar a Lei; do mal posso fazer justiça, promulgando leis e
revogando-as. Portanto, se o que faço dizem não ser de homens, mas de Deus, que
me podeis considerar, senão Deus? Se Constantino chamava e reputava por
Deuses os prelados da Igreja, eu, sendo superior a todos os prelados, sou, por essa
razão, acima dos deuses. Portanto, não fique maravilhado se está em meu poder
mudar tempo e tempos, alterar e mudar a lei, dispensar todas as coisas, sem os
próprios preceitos de Cristo. Porque onde Cristo manda a Pedro embainhar a
espada e exortar a seus discípulos a não usar a força material, exorto eu, Papa
Nicolau, escrevendo aos bispos da França que puxem pelas espadas materiais".
Desculpem a modéstia!
Bonifácio VIII, na Palestina, fazia arrasar cidades e arrastar os habitantes
ao cativeiro; condenou a anatomia. Este papa escreveu o seguinte:
"Que Deus me faça somente o bem neste mundo; pouco me importa a
outra vida! Os homens têm alma semelhante à do animal; é tão imortal quanto a
outra. O Evangelho ensina mais mentiras do que verdades. O parto da Virgem é
absurdo; a encarnação do Filho de Deus é ridícula e o dogma da transubstanciação
é uma tolice! São incalculáveis as somas de dinheiro que a fábula do Cristo tem
produzido aos padres. As religiões são criadas por ambiciosos para enganar os
homens. É necessário que os eclesiásticos falem com o povo, mas que não tenham
as mesmas crenças que ele. É tão grande pecado entregar-se as pessoas à
voluptuosidade com uma rapariga ou um rapaz, como esfregar as mãos uma na
802
outra. É necessário que a Igreja venda tudo quanto os simplórios querem comprar"
— Lachatre, volume 3, páginas 83 e 84.
Eugênio chamava o Cardeal de Aries de Prole de Satanás e Filho da
perdição!
Christien II, rei da Dinamarca e arcebispo de Upsal, primaz do reino, em
1520, prendeu os cônsules, os magistrados de Estocolmo e 94 senadores e os
mandou massacrar, sob pretexto de estarem excomungados pelo papa, por terem
defendido os direitos do Estado contra o arcebispo.
Duas Cúrias houve de uma só vez: uma em Avignon, na França, e outra
em Roma, com dois papas inimigos a se amaldiçoarem mutuamente, de 1378 a
1409; e de 1409 a 1465 três papas, sendo eleito o napolitano Urbano VI. Cada qual
se julgava o representante de Deus na Terra, infalível, excomungando seu rival,
chamando-o de infame, apóstata, herege, anti-Cristo, ídolo de perdição eterna.
São Tomás de Aquino — Suma II, 9, II, artigo 3, 4 — para justificar as
atrocidades das torturas da Inquisição e das penas de morte assim se exprime:
"A Escritura Santa chama os hereges de salteadores
e lobos: ora, é costume enforcar os salteadores e matar os
lobos. Outras vezes designa um herege sob o nome de Filho
de Satanás, de onde se conclui que é justiça dar-lhes logo,
neste mundo, a sorte do pai, isto é, fazer que ardam com ele.
Ao dito João, apóstolo, que aconselha evitar o herege, se
depois de duas tentativas não o tiverem convertido, acrescenta
que o melhor meio de evitá-lo é matá-lo".
803
Com relação aos relapsos, entende ele absolutamente inútil qualquer
tentativa de conversão e propõe queimá-los pura e simplesmente, sem mais
formalidade!
Oh! Jesus! Certamente essa página ecoou no Empíreo e... não fulminaste
esse inimigo da humanidade pela qual veio sacrificar-se.
E toda essa legião de católicos assassinos, devassos, verdadeiros
prepostos do Inferno, cuja similaridade, não só em perversidade, como em número,
não é encontrada nas mais criminosas organizações dos antigos bárbaros ou de
salteadores, foram todos canonizados santos!
Para amenizar esses horrores e confirmar o reino de Satã no Vaticano,
copiaremos mais uma página de sua história:
Gregório Magno, o melhor dos papas, não admitia que lhe dessem esse
título criminoso e blasfemo a Deus. Queixava-se que seu espírito, curvado ao peso
do expediente, não podia mais lançar-se às regiões superiores.
Basílio Magno chamara os papas de presunçosos insolentes, que só se
empenhavam em arraigar a heresia.
Leão IX recusou aceitar o título de Bispo Universal.
Leão X, para satisfazer seus gozos, vendia indulgências como se fossem
mercadoria.
Leão XII proíbe a vacinação e a medicina é tida por herética.
Eugênio IV, no leito de agonia, disse: "Oh! Gabriel, quanto melhor não
fora para a salvação de minha alma, nunca tivesse chegado a cardeal e papa".
Proibiu que os cristãos se utilizassem dos serviços médicos.
Adriano VI mandou dizer por seu legado Chieregate aos alemães: "É real
que, de anos para cá, muitos horrores se têm dado na Santa Sé; tudo se tem
804
pervertido e a corrupção se tem dilatado da cabeça aos membros, do papa ao
prelado".
Inocêncio X confessou que tendo levado a vida em questões jurídicas
nada entendia de teologia. Ele tinha Olímpia por amante.
Gregório XVI era tão vaidoso e presunçoso que respondeu a Cappacini,
quando este lhe propôs projetos de finanças: "Mas eu sou papa! Não é possível que
erre; devo saber tudo melhor que ninguém!"
Marcelo II exclamou um dia, cheio de angústia: "Não compreendo como
um papa consiga evitar a condenação eterna".
Inocêncio II, em 1139, entre um despautério de injúrias, arrancou dos
ombros dos prelados o palio que seu rival Pierleone havia conferido a eles, mediante
60 mil francos pagos por cada um.
O poeta Dante dizia: "Não estudam senão as decretais, transcuram os
Evangelhos e os padres da Igreja: daí a origem da corrupção".
As Falsas Decretais do pseudo-Izidoro e as de Graciano, aproveitadas
por Nicolau I, para consecução da supremacia da Igreja, foram, afinal, em 1789, pelo
Papa Pio VI, confessadas como fraudulentas, sendo a falsidade reconhecida em
1866 pelos jesuítas de Paris. E as Enciclopédias encobrem essa verdade!
Os cardeais, em 1408, escreveram ao Papa Gregório: "Na Igreja, da
planta dos pés ao alto da cabeça, não há sequer um ponto são".
Mendoza, escrevendo ao rei Carlos V a respeito do Papa Paulo III, assim
se exprimia:
"Ninguém sabia, nunca, em que sentido ele
caminhava; cobria-se com o manto da piedade, quando tinha
805
de cometer algum crime e servia-se de espadachins para se
desfazer daqueles que se opunham aos seus projetos.
Regulava todos seus passos, pela conjunção dos planetas, que
consultava, mesmo para atos insignificantes; e, quando os
acontecimentos não justificavam suas previsões, entregava-se
a acessos de uma cólera espantosa e proferia blasfêmias
horríveis. O santo padre levava a impiedade a ponto de afirmar
que Cristo não era senão o Sol, adorado pela religião de
Zoroastro e o mesmo Deus Júpiter Amon, representado no
Paganismo sob a forma de Cordeiro. Explicava as alegorias da
sua encarnação e da sua ressurreição, pelo paralelo que São
Justino fizera de Cristo e de Mitra, que o Evangelho, bem como
os livros sagrados dos magos, fazem nascer no Solstício de
Inverno, isto é, no momento em que o sol começa a voltar para
nós e a aumentar a duração dos dias. Dizia que a adoração
dos magos não era mais do que a imitação da cerimônia, na
qual os padres de Zoroastro ofereciam ao seu deus o ouro, o
incenso e a mirra, as três coisas afetas ao astro da luz; objetiva
que a constelação da Virgem, ou antes a Ísis, que corresponde
a esse solstício e que presidia o nascimento de Mitra, tinha sido
igualmente colhido como alegoria do nascimento de Cristo; e
que, segundo o papa, bastava para demonstrar que Mitra e
Jesus eram o mesmo Deus. Ousava dizer que não existia
documento algum de uma autenticidade irrevogável, que
provasse a existência de Cristo como homem e que sua
806
convicção era que ele nunca existira. Finalmente, pretendia
que a própria tiara era uma imitação dos barretes dos
sacrificados persas". (M. Lachatre, História dos Papas, volume
4, p. 6, Lisboa, 1895.)
Abade Testory, Capitão-mor do exército francês no México: "O cristão é
da Igreja e o cidadão do Estado. Que a Igreja se ocupe, pois, do cristão, mas deixe o
cidadão ao Estado". O Brasil será surdo?
G. Delhora: "Administradores do céu e do inferno e especialmente dos
bens terrenos. O espírito vivo da Igreja Romana reside no corpo do jesuíta em cuja
bandeira vermelha lê-se Inquisição".
Luiz Setembrino: "Dezoito séculos de delitos, rapinas, sangue, fogueiras,
tormentos, um imenso acúmulo de males, de corrupções, de ignorância, de
ferocidade, a escravidão da Itália e de tantos países da terra me faz concentrar a
alma e pensar no sacerdote, que tem sido a causa de toda a miséria humana".
Felipe Turati: "A luta anticlerical é de supremo interesse para o
proletariado; ela se funde com a luta pela sua liberdade de ação e é, junto a ela, a
defesa da sua dignidade e do seu salário".
Victor Manoel II (rei da Itália): "Se a autoridade eclesiástica usa armas
espirituais para interesses pessoais, eu, na segura consciência e nas tradições dos
meus antepassados, encontrarei a força para manter a liberdade civil e minha
autoridade, das quais devo dar conta só a Deus e a meus povos".
Da mesma obra de G. Delhora:
Santa Brígida
807
"O papa é o assassino das almas, dilacerando e
destruindo o povo de Cristo. É mais cruel que Judas, mais
injusto que Pilatos, mais abominável que os hebreus e pior que
Lúcifer, mesmo; mudou os dez mandamentos de Deus neste
só: 'Faz que venha dinheiro!' “
“A Cúria romana não pede cordeiros sem lã. Tosa
aquele que a tem e cerra as portas àquele que não a tem (que
profecia relativa a Gandhi!). O papa que deveria convocar o
mundo inteiro para dizer: 'Venham repousar aqui vossas almas,
grita, pelo contrário, venham olhar-me em minha magnificência,
maior que a de Salomão, venham a mim esvaziar vossas
bolsas e achar a perdição de vossas almas.”
“Os sacerdotes, da cabeça aos pés, estão cobertos
pela lepra da vaidade e da avareza; são mudos quando devem
falar a Deus, loquazes quando se trata de seus interesses. Eles
se aproximam de Cristo como ladrões e traidores e cerram às
almas as portas do céu, para abrir as do inferno".
E é uma santa canonizada por Bonifácio IX quem assim fala.
Pio II: "A Corte de Roma acorda toda ao som do dinheiro; ela vende o
Espírito Santo, as ordens sacras e o sacramento; ela perdoa todos os delitos a quem
tiver para pagar. Mandou massacrar os insurgentes".
Honório III: "O amor do ouro foi sempre o escândalo e o opróbrio da
Santa Sé. Quem não oferece dinheiro ou prendas nada obtém de Roma".
808
Gelásio I: "Os patrimônios da Igreja devem ser considerados como bens
dos pobres e para alívio dos mesmos devem ser distribuídas as rendas"
— Pois sim!
São Bernardo (padre): "Tudo que o sacerdote retém para si, depois de
haver tirado a parte do seu sustento e do seu vestuário, é furto, rapina e sacrilégio".
Friedrich Nietzsche*: "As Cruzadas foram verdadeiras piratarias e nada
mais".
São Bernardo, de Clairvaux: "Além de muitas outras coisas contra a
Igreja de Roma, disse o seguinte: 'Se desejais que vosso filho seja um homem mau,
fazei-o sacerdote'".
Esse dito era vulgar em Roma.
Aristides Briand: "Se o desenvolvimento da Igreja não é possível sem o
apoio do Estado é porque a Igreja está morta" — discurso em 1906.
Combes: "A coexistência de duas autoridades — espiritual e temporal —
é uma anomalia em uma república".
Pasquino: "O padre promete o céu para usurpar a terra".
César Lombroso: "Um sábio ou um homem de Estado que não veja no
Vaticano um inimigo, ou atraiçoa a ciência e ao povo, ou é imbecil" (que bela
carapuça para nossos homens!).
M. Rapizardi: "Colocar o Catolicismo na base da instrução e da educação
de um povo, isto é, o ensino oficial do absurdo, é uma ofensa à ciência, à razão e à
civilização".
São Jerônimo: "A maior desgraça na história dos povos foi obra dos
sacerdotes".
* N. do E.: Desde autor, sugerimos a leitura de Além do Bem e do Mal — Prelúdio de uma Filosofia do
Futuro, Madras Editora.
809
Robespierre: "Os padres são para a religião o que os charlatões são para
a medicina".
Schopenhauer: "Seria grande a lista das bárbaras crueldades que
acompanharam o Cristianismo: cruzadas injustificadas, extermínio de grande parte
dos primitivos habitantes da América e colonização desse continente com escravos
negros, arrancados, sem a menor sombra de direito, de seu solo natal e condenados
toda a vida a trabalhos de galé e a perseguição de hereges. Tribunais de inquisição
que clamavam vingança dos céus, noite de São Bartolomeu, execução de 180 mil
holandeses pelo duque de Alba, matança de 30 mil albigenses etc., fatos esses
pouco favoráveis acerca da superioridade do Cristianismo, isto é, do Romanismo".
Victor Hugo: "O maior perigo para uma nação é a de ver-se invadida pelo
partido clerical. Favorecer o sacerdote equivale a ceder o terreno à reação e
preparar a guerra civil". Ouviste, Brasil?
B. Malon: "Qualquer moral baseada no temor de castigo é moral de
escravos ou de mercadores".
Montaigne: "Devemos ao Catolicismo a falsificação da história, o
escurecimento da razão e a transfiguração de algum idiota em santo".
Frederico Barbaroxa: "Em nenhum lugar o culto divino é celebrado com
maior escândalo que em Roma e a casa de São Pedro está convertida em uma
vivenda de ladrões; o papa, qual Simão, o mago, vende tudo a peso de ouro. Quanto
às excomunhões não as temo; a mesma gentalha que está em torno do papa, ri-se
delas".
Henrique Heine: "Ao morrer, respondeu a uma irmã de caridade que
procurava reconciliá-lo com Deus: 'Não te aflijas, Deus me perdoará: é seu ofício'".
Kant: "Morrendo o dogma, nasce a moral".
810
Marx: "São os homens que fazem as religiões e não as religiões que
fazem os homens".
Michelet: "A vida do Catolicismo é a morte da República". Cuidado Brasil!
Guinet: "Perdidas as ilusões, a mulher se faz cortesã. O sacerdote,
jesuíta. O político, reacionário. O financeiro quebra. O general foge ou capitula. Os
amigos do povo se convertem em Césares e o povo se escraviza".
Elisée Reclus: "O Catolicismo está virtualmente arruinado; é uma religião
de mortos e nada mais: Em outros tempos se falava em Reis, Fé e Lei. A Fé não
existe mais e sem ela não há Rei e a Lei se desvanece e se transforma em um
fantasma".
Dante, apregoando a separação do espiritual e do temporal, disse: "Oh!
Povo feliz, oh! Gloriosa Itália, se Constantino não houvesse existido!"
Petrarca, poeta consagrado pela Igreja Romana e canonizado santo:
"Os estupros, os raptos, os incestos, os adultérios
são os jogos da lascívia pontifical; e Satanás assiste a tudo,
rindo-se como árbitro, entre os decrépitos e as donzelas.”
“Desta Babilônia parece que sai um fétido horrendo
que empesta o mundo e é um reconto informe, um duro inferno,
indecente e disforme canal no qual se concentram as
inquietudes e as porcarias do mundo inteiro, no qual nada é
sagrado, não há temor de Deus, nem santidade de juramentos,
nem sobra de piedade, em que habita gente que tem os peitos
de ferro, os ânimos de pedra e as vísceras de fogo.”
811
“Não há piedade, nem caridade, nem fé, nem
respeito a Deus; ali nada há de santo, justo ou humano; está
cheio de mentiras. A Igreja combate não pela fé, mas pela
potência terrena".
E é um santo que assim fala!
Tolstoi (Ma religiori): "A Igreja reconhece, 'em palavras', a doutrina de
Jesus; mas a renega com toda a formalidade do culto em obras, para os atos da
vida. A idéia de que a Igreja possa servir de base à justiça e à prosperidade é um
sarcasmo cruel em nossa época. Virá um tempo em que todos os templos cairão e
todos os ritos desaparecerão. Eu nego uma trindade incompreensível, nego a fábula
absurda da queda de um primitivo homem, nego a história sacrílega de um Deus
nascido de uma virgem, nego os sacramentos, não creio na vida do além, porque a
divisão do paraíso e do inferno é contrária ao conceito de um Deus de amor".
Maquiavel: "O melhor indício da sua decadência é ver que os povos mais
próximos da sede da Igreja Romana, cabeça da nossa religião, são os menos
religiosos".
Berthelot: "Deixemos aos mistérios seus ensinos: não perturbemos as
fantasias individuais ou coletivas de suas imaginações, porém não consinta-mos que
a intolerância nos imponha seus ensinos como regra da atividade social".
Bismarck: "Todo dogma, embora não aceito por nós, porém aceito por
milhões de cidadãos, deve ser respeitado por todos: mas não queremos crer nas
pretensões da autoridade eclesiástica em exercer uma parte do Poder do Estado".
Carlyle Tomás: "O tétrico Inácio de Loyola tem a culpa de haver
envenenado o mundo. Serviu ao diabo e imperfeitamente a Deus. Mas, pensar que
812
se pudesse servir melhor a Deus, tomando o diabo por sócio, era preciso que
surgisse Santo Inácio para tal descoberta".
O abade Hulst, vigário de Santo Ambrósio, em Paris, perguntava a si
mesmo por que havia tão pouca fé sobre a terra e respondeu: "Porque há muito
bons padres, mas poucos que sejam santos. Se relanceio a vista, começo a ser
severo; eu critico interiormente, com rigor, a vida cômoda a que nos habituamos, a
ociosidade, a frivolidade, a ignorância, a moleza, a cupidez velada sob as
conveniências; a ausência do espírito de oração e de penitência me chocam. Não
encontro aí a semelhança de Jesus Cristo e não me admiro da esterilidade do seu
sacerdócio".
Napoleão I dizia: "Estou cercado de padres que me repetem, a cada
passo, que seu reino não é deste mundo; mas o caso é que eles se apoderam de
tudo que lhes cair nas mãos".
Michelet escreveu: "Três elementos constituem o matrimônio: primeiro o
homem, forte e violento; segundo a mulher, fraca e submissa; terceiro o padre,
nascido homem forte, mas fingindo ser fraco, para se parecer com a mulher,
participando, assim, de um e de outro, para se poder acomodar entre os dois!"
São Jerônimo afirma que as maiores desgraças dos povos foram devidas
aos sacerdotes católicos!
Washburn garante que a maior maravilha do nosso século de civilização
é a que tolera o Catolicismo.
G. Delhobra: "Do Monturo da Roma antiga surgiu a podridão do Vaticano
que infeccionou o resto da Itália e o mundo inteiro".
Oh! Certamente depois de ter lido esse resumido extrato dos próprios
arquivos do Vaticano, o piedoso leitor de alma pura e sensível, amante do
813
verdadeiro Jesus, sentiu as lágrimas marejarem-lhe os olhos ante tanta barbaridade,
tanta infâmia e sua alma vibrou de tristeza, sabendo que ainda há homens no Brasil,
revestidos de certa responsabilidade — queremos crer que por pura ignorância da
história —, que se curvem para beijar os pés dos representantes do anti-Cristo, que
se sucedem na cadeira pontifícia do Vaticano, construída sobre os alicerces do
inferno romano, de onde irrompem, por vezes, as chamas pelas chaminés
vulcânicas.
Que se recorra à história da antiga barbaria selvática, das invasões
mongólicas, dos Atilas ou dos hunos, dos maiores cismas religiosos, das piores
quadrilhas de salteadores da Calábria, da Falperra, da França, da Camorra ou dos
nossos sertanejos bandoleiros, o recorde dos maiores crimes e das maiores
atrocidades pertence ao Catolicismo.
A Igreja Católica, com sua política imperialista, com suas leis de arrocho à
liberdade do homem, com suas sentenças de morte de todos que não curvem a
cabeça à sua altivez, sintetiza o reinado de Satanás e não o Reinado de Deus.
E, se nos tempos modernos, não vemos mais se erguerem fogueiras para
queimar a pobre humanidade, não quer isso dizer que essas leis, esses decretos,
essas bulas, essas fornalhas tenham sido ab-rogados e apagados; eles continuam
em pleno vigor, como em pleno vigor continua a terrível Camorra jesuítica. O fogo
choca sob as cinzas das vítimas passadas; as excomunhões continuam; o índex em
que se anotam livros como este não está selado; diariamente se cobrem suas
páginas de respeitáveis nomes de defensores da liberdade humana, os quais, como
cristãos sinceros, procuram guiar aqueles a quem cegaram por interesse próprio.
O Vaticano é o maior inimigo do progresso.
814
O que significa dizer que o inventor da imprensa, o que fez correr a
primeira locomotiva, o que fez o pensamento humano atravessar o espaço por um
tênue fio metálico, o que suprimiu este fio, o que tornou o corpo humano
transparente, o que permitiu a visão à distância, o que deu asas ao homem, o que
conseguiu armazenar a palavra, o que gravou os movimentos em uma fita, o que
determinou o movimento da Terra à roda do Sol, o que mostrou o caminho do
Universo sideral, o que demonstrou que os astros não são luminares, mas terras
habitáveis, o que sondou os arcanos da eletricidade, o que mostrou ao homem o
infinitamente pequeno, etc. etc., são todos condenados pela Igreja Católica, como
filhos do diabo, quando verdadeiramente são os eleitos de Deus, inspirados para
bem da humanidade e dessa mesma igreja que os excomungam!
Entretanto, o Cônego Melo Lula, em seu artigo no Jornal do Commercio,
de 14.12.1930, "A religião e o inimigo da Ciência", contesta que a Igreja seja inimiga
da ciência e, portanto, da moderna civilização, colocando-se pretensiosamente
acima da decisão do papa infalível, e, sem mais nem menos, passa-lhe uma
esponja.
Para produzir efeito na massa dos leitores de um jornal, na maioria pouco
eruditos, cita uma enorme lista de nomes de cristãos que inventaram até coisas do
arco da velha, algumas das quais comprovadamente falsas como Judas; mas, não
cita os de outros que descobriram as bases de inúmeras ciências e que por isso
foram queimados ou presos. Um deles que já citamos, Galileu, foi condenado por ter
dito que a Terra é que andava à roda do Sol e não este à roda da Terra, pois essa
asserção viria destruir a crença do texto bíblico, que afirma ter Josué mandado parar
o Sol para poder ganhar uma batalha. Mas, como sabemos que Josué foi o Pontífice
sucessor de Aarão, irmão de Moisés, e como tal senhor dos segredos da ciência
815
astronômica, não é de admirar que ele tivesse conhecimento do eclipse a dar-se
naquele dia e tivesse tirado partido disso, para melhor convencer seu povo da
intervenção direta de Jeová.
São essas descobertas que têm apavorado o Vaticano e solapam seus
apodrecidos alicerces.
E se o Vaticano aceita hoje o cinema, o alto-falante, o rádio, a televisão,
armas de guerra para seu exército e mantém um observatório astrológico é porque...
não pode fazer de outro modo.
Mas se um dia Satanás, isto é, o Princípio do Mal, encarnado na alma de
um papa, como tantas vezes se tem dado, conforme acabamos de ver, conseguir
apoderar-se das cabeças coroadas ou das faixas presidenciais, como ia sucedendo
em 24 de outubro de 1930382, para o que o jesuíta Melo Lula e outros trabalham
ardentemente, substituindo-se pelo Chapéu Cardinalício, então poder-se-á espetar
no Pólo Norte uma bandeira vermelha com o seguinte letreiro: Reino do Inferno —
realizando-se por esta forma o Apocalipse de João.
Que um padre católico se mantenha no seu papel, procurando propagar
sua Fé, administrando sacramentos, pugnando pelos seus interesses vitais, não só
pela tribuna como pela imprensa, ainda se pode compreender; é seu ofício, estudou
para isso; mas que um leigo, que prefere a jaqueta à batina, sem o menor estudo
filosófico, sem a menor leitura da História, se arvore em mentor de um povo, sobre
uma doutrina da qual só lhe conhece o nome, assim mesmo truncado, por simples
atavismo e ter à sua disposição as colunas de um jornal partidário, em que se torna
intangível, é uma deslealdade que o bom senso repele, a não ser que se admita ser
382 Fazendo incluir o artigo 8 do programa da Junta Pacificadora: "Solução da questão religiosa".
816
ele um simples fantoche movido pelos cordéis da bolsa de propaganda da Fé, da
Cúria Romana.
Se a doutrina católica fosse tão sólida em sua base, ela não deveria
temer controvérsias pelas colunas do mesmo jornal. A maioria dos leitores assistiria
às discussões públicas, que, forçosamente, trariam luz e paz de espírito e os
estudiosos abririam ao povo os livros da Antigüidade, inadquiríveis no comércio, nos
quais se evidencia que os primitivos habitantes desse globo eram mais
profundamente religiosos do que os sectários do Catolicismo, cuja doutrina anticristã
foi argamassada com a lama dos fundadores.
Emílio Zolá dizia que "ninguém ignora que os periódicos que se declaram
defensores da Moral estão, em sua maior parte, vendidos a companhias financeiras,
emboscadas na terceira ou quarta página, despojando os incautos leitores que nelas
se aventuram.”
"Ali se fala da verdade, dos bons princípios, da
religião, em belas frases; mas, sempre imperando o negócio e
com o fim, perfeitamente egoísta, de fazer fortuna ou de elevar
ao poder, e o vergonhoso tráfico com as paixões de um
partido."
O já citado apologista do Catolicismo, Fernahd Hayward, sem querer abrogar
sua fé, assim se exprime: "Recusar admitir as taras do governo pontifical e os
abusos desse regime que é, em regra, estreitamente retrógrado, é tão pueril como
querer manchá-lo à força e só ver nele a Besta do Apocalipse".
817
Isso se assemelha a uma informação que fora dada por um nosso amigo
acerca da conduta de um pretendente a emprego: o rapaz bebe, joga e gosta de um
pouco de orgia; mas é um bom rapaz!
Como resumo do desenvolvimento da Igreja Católica, extrairemos ainda,
de Charles Guignebert, as frases da sua marcha evolutiva.
Assim:
No primeiro século, Orígenes arranjou um sistema em que ele
amalgamou a regra da vida dos apóstolos em um sistema filosófico.
No segundo século, Valentim sincretizou os dados da filosofia grega
com as influências das religiões orientais.
No terceiro século, após a derrota dos gnósticos, surgiu nova luta dos
cristãos hostis ao filosofismo.
No quarto século, esta luta terminou por um acordo.
No quinto século, o Cristianismo viveu sobre esse acordo e sobre a
doutrina de Santo Agostinho que levou toda sua vida a se contradizer e a se retratar,
após ter levado uma existência de deboches.
No XI século, os árabes revelaram ao Ocidente os livros de Aristóteles,
discípulo de Platão (384-322 a.C). Na mesma ocasião aparecia sob o nome de Diniz,
o Areopagita, várias doutrinas neoplatônicas. Começou, então, no mundo intelectual,
uma adaptação da fé às teorias aristotélicas, que durou cerca de 200 anos.
No XIII século, uns eram seguidores de Platão e outros de Aristóteles,
sem bem compreendê-los.
No meio dessa indecisão, já no século XI, por exemplo, o Cônego
Roscelin quase consegue destruir o dogma da Trindade, sustentando a completa
individualidade de cada uma das três pessoas, unidas somente por uma vontade e
818
uma potência idênticas, proposições estas combatidas por Santo Anselmo.
Entretanto, Aristóteles triunfou sobre Platão e mesmo sobre Santo Agostinho.
Os dominicanos não queriam ouvir falar de Imaculada Conceição e os
franciscanos ficavam apavorados quando tocava-se neste assunto. A respeito desse
ponto já tivemos ocasião de relatar o processo a que deu lugar o escandaloso caso.
Dessa balbúrdia e das discussões de São Diniz de Aquino, São
Boaventura etc., surgiu um novo Cristianismo, em completo desacordo com as
doutrinas pregadas por seu fundador.
Nos XV e XVI séculos, veio a época da Renascença e nessa ocasião o
problema cristão não podia mais ser aceito como até o século XIII. Foi nessa época
que surgiram mentalidades, tais como Descartes, Copérnico, Galileu, Newton etc.
A teologia oficial enfrentou esse movimento e perseguiu Galileu e outros.
Bossuet, bispo, perseguiu e fez condenar Richar Simon, crítico da Bíblia.
No XVIII século, essa teologia reprovava o sistema de Copérnico. Ela
perseguiu André Vesale, fundador da anatomia moderna, por não ter este
encontrado nos cadáveres o osso imponderável, em volta do qual, no dia do juízo
final, deviam reunir-se os elementos dispersos de cada corpo. Ela considerou
intolerável a teoria da Terra, de Buffon (1707-1788), impondo-lhe uma retratação
humilhante. Ela condenou e reprovou o transformismo e o simples termo de
evolução lhe causa pavor. Mas, apesar disso, a ciência caminhou e caminha a
passos largos, apesar de condenada pelo Sílabo383.
"O que hoje refreia um pouco o esforço dos
modernistas não é só a existência da Cúria romana, o decreto
383 Sumário — Lista dos erros condenados pelo papa.
819
Lamentabiles e a encíclica Pascendi, é especialmente a
existência das fórmulas dogmáticas que o uso consagrou e o
Concilio de Trento confirmou e a Infalibilidade do Papa impôs
como a expressão da Verdade divina no cérebro de um clero
proibido de pensar e na mentalidade de uma massa analfabeta
ou ignorante, que precisa ser mantida na imobilidade, pelo
terror das penas terrestres ou divinas. O Catolicismo chama o
estudo dos modernistas de criticismo e a isso ele opõe sua
crítica. Aos seus adversários empresta intenções de descrédito
sistemático ou pelo menos partidárias, que os cega, e assim se
enche de ilusórias consolações. E de boa-fé que prolongou
uma resistência impossível, enquanto vai desferindo anátemas
e excomunhões, que produz um efeito de terror entre os
simplórios, os ignorantes e os tímidos. Dedicando-se
exclusivamente a encontrar semelhanças nas escrituras
bíblicas, com passagens dos evangelhos, a formular sentenças
sem estudos históricos, Biológicos ou sociais, o católico letrado
entende que só ele está com a Verdade divina, que não pode
ser confundida com o erro. O contra-senso que eu noto nas
discussões acerca de religiões, diz Max Müller, é de traduzirem
em linguagem moderna a linguagem dos antigos, em mascarar
o pensamento antigo com o pensamento moderno. Os
modernistas que criaram a Igreja Católica liberal, estudando a
história da Igreja Romana, seus dogmas etc., têm esclarecido a
ciência acerca dos seus erros.”
820
“Ao católico inteligente, àquele a quem ainda resta
um vislumbre de livre-arbítrio, seu espírito vacila entre a
aceitação interna ou externa dos dogmas, ou refuta-os pura e
simplesmente".
Ora, chegado a esse ponto, não é possível que o leitor católico sincero
não tenha sentido seu espírito vacilar e sua razão vibrar ante a lógica dos fatos e
não saiba agora discernir entre o Bem e o Mal, isto é, entre os dois termos
antagônicos de Cristianismo e Catolicismo e não ponha de parte, embora
provisoriamente até mais amplos estudos, as noções que seus pais, ignorantes da
matéria, lhes propinaram na infância.
Basta de cabotinismo
Para bem da humanidade em geral, é mister acabar-se com essa
dualidade de termos: Religião e Culto, intempestivamente usados pelo clero
católico e sua conseqüente confusão no espírito da massa desprevenida. É
necessário corrigir-se o incauto quando, impensadamente, emprega esses termos. E
imprescindível explicar-lhe a enorme diferença que existe entre os dois. É obra de
caridade instruí-lo de que o Cristianismo, deturpado por Paulo, desnorteado no seu
início por este sofista, manteve-se, contudo, mais ou menos puro nos três primeiros
séculos, até que, das exegeses nascidas das 1.001 interpretações dadas aos textos,
já corrompidos por copistas, tradutores e vários interessados, surgiram as
discussões em praça pública e a intervenção do imperador Constantino, que
consolidou esse culto, se bem que, nem por isso, deixasse de ser combatido, pelas
razões que constituem as páginas deste estudo.
821
Então, quando o verdadeiro cristão, aquele que se cinge à risca a palavra
de Jesus, se convencer de que o Catolicismo romano, com suas peias à consciência
e ao livre-arbítrio, ferindo a própria letra das escrituras e as bulas do Papa Leão XIII,
faz correr um véu sobre a Verdade, distraindo sua atenção como o aparato
carnavalesco interno ou externo, para lhe extorquir as economias, em benefício
único do Estado do Vaticano e do seu exército de clérigos, pois é sabido que o
dinheiro de São Pedro nunca foi destinado aos pobres nem à instrução, então,
dizemos nós, ele se concentrará numa hora de aflição espiritual e... sem procurador,
sem fórmulas latinas, sem incenso, sem templo, no seu modesto aposento... dirigirá
fervorosamente uma prece a Deus, por intermédio do bondoso Jesus, que invocará,
não para lhe pedir que chova ou deixe de chover, que lhe arranje um emprego,
descubra um objeto perdido, lhe cure uma mazela em si ou em um ente querido, que
faça seu exército sair vencedor matando todos os adversários, ou qualquer outra
futilidade de igual valor; mas, para rogar-lhe, com sinceridade, que lhe dê ânimo
para não infringir nem um dos dez lacônicos artigos da Sua Lei Eterna e Universal, à
qual homem nenhum jamais conseguirá adicionar o 11°, por mais simples que seja.
Isso é que é preciso difundir-se mais possível e esclarecer o homem
acerca da maior das heresias — a idolatria — condenada por Deus, pelos profetas,
por Jesus, por qualquer seita da mais extravagante religião selvática e da qual o
Catolicismo, por um abominável espírito de contradição, amparado pela máscara do
cinismo e da hipocrisia, lança exatamente mão dessa arma condenada, a fim de
fascinar a massa de pobres criaturas ignorantes.
É verdade que essa Hidra de Lerna, neste último século, tem recebido
terríveis golpes por parte de nações inteiras, como a Áustria e a França, ex-filhas
diletas, a Espanha seu último reduto, a Rússia, Portugal, o México, o Brasil de 42
822
anos atrás e outras, decepando-lhe algumas cabeças; mas não demorará muito o
dia em que surgirá outro Hércules mitológico para lhe cortar a do tronco.
Ah! Se os padres soubessem o tremendo castigo que os espera no além,
apavorados ficariam e romperiam o círculo de ferro em que seus superiores os
meteram e se dedicariam aos estudos da doutrina de Cristo, que hoje condenam,
reconhecendo, então, que Roma é, de fato, a Babilônia descrita por João, em seu
Apocalipse.
Jesus disse e certamente repetirá: "Ai de vós, doutores da lei, que tirastes
a chave da Ciência; vós, mesmos, não entrastes e impedistes os que entravam".
E disse mais: "A quem tem será dado e a quem não tem será tirado o que
tem", o que significa dizer que, a quem possui a ciência teológica, será acrescido
seu saber e a quem só possuir a ciência andrológica, a dos homens, lhe será tirado
este saber.
Quão profundas e misteriosas são essas palavras!
Meditem-nas os atuais doutores da lei e tremam pela imensa
responsabilidade espiritual que acarretam na prestação de suas contas ao Inefável.
823
Adendos
Mistificação
Em certo ponto deste trabalho falamos a respeito de um farrapo com a
efígie do Cristo, que o Vaticano acenara à Rússia e ao qual chama de Santa
Verônica.
Esclareçamos, agora, o fato, para que o leitor se convença, mais uma
vez, de que o Catolicismo não trepida em lançar mão do mais descarado embuste
para conseguir seus fins.
Os Evangelhos dizem que, descido Jesus da cruz, foi ele envolvido em
um sudário384, de propriedade de José, de Arimatéia, seu amigo íntimo — Lucas
XXIII, 53 —, e após ter polvilhado o corpo como era costume com aloés
succotrina385, o removeram para o túmulo de propriedade do mesmo José.
Quando Madalena correu, pressurosa, a avisar os discípulos de que
Jesus tinha desaparecido do túmulo, estes duvidaram das suas palavras, mas foram,
a medo, de longe, verificar o fato. Lucas XXIII, Mateus XXVII, Marcos XV, que como
se sabe, se copiaram, dizem ter visto um lençol dobrado a um canto e João XIX, 40
— XX, 6, 7 diz que eram lençóis e lenço.
É naturalíssimo que José, proprietário daquele túmulo, sabedor da sua
desocupação, lá fosse e apanhasse o sudário já dobrado e pronto a ser levado e o
conservasse consigo, como recordação do seu bom amigo.
Os séculos iam decorrendo e esse sudário passava como herança a
pertencer aos descendentes — que, aliás, não deixaram nome na história, pelo
menos até o século XIII. Daí para cá é que foi descoberto seu paradeiro em um
384 Era um pano de linho com quatro metros de extensão por 60 centímetros de largura.
385 Vida exemplar no Jardim Botânico, quadro XVIII, D, n° 763.
824
convento de freiras. Esta peça havia sido salva de um incêndio e o fogo atingira os
quatro cantos da mesma peça; as freiras a consertaram, sendo essa a razão do
aspecto das manchas brancas que apresenta na fotografia (Figura 24).
Figura 24
O sudário de Cristo
825
FIGURA 24-A
FIGURA 24- A: Esta figura do santo sudário não consta do livro original. Por considerar a figura 24 difícil
de observação e compreensão, chamamos por bem inserir a FIGURA 24-A. Os Digitalizadores.
826
De mão em mão, como sagrada relíquia, esse sudário, com suas
rigorosas proporções e de um modo impreciso, com relação às linhas e, sobretudo,
por meio de manchas, e o que mais é, de manchas negativas, isto é, em contrário.
Ora, se tal sudário tivesse sido pintado por algum genial artista desconhecido,
certamente o teria executado com manchas, é verdade, mas no sentido positivo. As
manchas que se vêem no sudário são as que correspondem às partes que mais
estiveram em contato com o corpo e foram influenciadas pela exalação amoniacal;
de modo que elas se iam esbatendo à medida que se afastavam da pele. Daí a
razão da absoluta falta de nitidez nos pés, que o artista não teria esquecido de
desenhar.
A mancha que se vê na ligação da parte posterior da cabeça com a parte
superior é outra prova de que ali não andou mão humana. As manchas mais vivas
como as da fronte, do flanco direito e das mãos são provenientes do contato mais
direto com o sangue coagulado nessas partes, que sofreram a ação de instrumentos
cortantes, como a coroa de espinhos, a lançada e os pregos. Por ali se verifica mais,
a não admitir dúvida, que esses pregos penetraram nos pulsos e não nas palmas,
como se convencionou representá-los.
Na parte posterior do corpo são evidentíssimas as marcas das varadas e
dos instrumentos denominados flagelos, constituídos por bolas de chumbo, em
forma de halteres, presas por uma correia. A profusão, a simetria e a direção dos
lanhos são outra prova da autenticidade do sudário.
O que, porém, ultrapassa todas as provas possíveis, é exatamente o
aparente alongamento da face, proveniente do contato do sudário em sua inclinação
em pontos que um pintor teria reproduzido um pouco mais afastado.
827
O empastamento do cabelo e da barba, representados em branco, na
figura, isto é, em negativo, é mais uma prova de que essas manchas não foram
feitas a pincel.
Ademais, a inimitável circunspeção e o ar de bondade daquela imagem
desafiariam o mais genial pintor, se houvesse existido em Jerusalém.
Portanto, é este, e não a ridícula cópia do Vaticano, que constitui o
verdadeiro sudário que envolveu o corpo de Jesus e que foi encontrado, dobrado a
um canto do túmulo, certamente pelos irmãos da sua Ordem esseniana, senão,
mesmo, pelo próprio José de Arimatéia.
Daí a balela do lenço esfregado no rosto do mártir para, depois de
esticado, aparecer impressa uma imagem, à guisa de mágica teatral, há um passo
mais sério e põe em evidência mais um embuste do Catolicismo para fascinar a
massa ignara.
Falsificações
Tudo é falsificação no Catolicismo.
Todos os lugares do itinerário de Jesus, tidos como verdadeiros pelo
Catolicismo e, como tal, consagrados no templo em Jerusalém, desde o do
nascimento ao de sua morte, são falsos, como acaba de o provar Gustave
D'Alman386, diretor do Instituto Arqueológico da Alemanha, em Jerusalém, e
fervoroso cristão e alguns arqueólogos ingleses.
Todas as pseudo-relíquias conservadas no Vaticano e no próprio local em
Jerusalém, tais como pedaços da cruz, pregos, lenço, sudário etc., são revoltantes
386 Les itinéraires du Christ.
828
artifícios que chegam até a ter o dom de se multiplicarem para a satisfação de
pobres fanáticos e, principalmente, do tesouro do Vaticano.
Se não, demos a palavra a Le Nain de Tillemont387.
"Foi tal a epidemia mental que se apoderou dos
pagãos e dos cristãos, que a lista das relíquias chegou a
ultrapassar os limites do bom senso e da razão, não só pelo
número como pela evidente falsidade dos mesmos."
Seria fastidioso enumerá-las; mas destacaremos algumas do próprio
Catolicismo para edificar o leitor: assim, o maná caído no deserto e conservado no
Vaticano e o círio de Arras, clamam Fraude.
Os falsários chegaram a apresentar ossos de animais, como tendo
pertencido a santos, verbi gratia.
Um braço de Santo Antônio, em Genebra, feito de um membro de veado.
Este Santo Antônio tem a propriedade de possuir cinco corpos, um em Istambul,
outro em Viena, outro no Dauphiné, outro em Marselha e outro em Arles, todos
autênticos, pois cada um produz milagres.
Santa Helena, também, tinha vários corpos, um em Constantinopla, na
igreja dos 12 apóstolos, outro em Roma, na igreja de Araceli, outro em Veneza, na
ilha de Santa Helena, outro em Hauteville e de quebra havia a quinta cabeça, avulsa
em Colônia.
Na igreja de São João de Latrão existe a lanterna que Judas levava na
noite em que foi denunciar Jesus! Em várias igrejas vêem-se as moedas que ele
387 Mémoires pour servir á l'histoire èclesiastique — 1701.
829
recebeu pela traição, embora as tivesse jogado no campo; há mesmo um pedaço da
corda com que se enforcou!
Os ossos de Santa Rosália eram de cabras; um pedaço de pedras-pomes
teve um culto como se fora o cérebro de São Pedro; três pedrinhas foram veneradas
em Chalons como sendo o umbigo de Jesus Cristo; inúmeros sudários do Cristo
surgiram como autênticos; o lenço com a Verônica do Cristo; as camisas da Virgem
Maria; a cintura da mesma Virgem Maria; o leite da Virgem Maria feito de galactite;
os vasos da boda de Cana; os cálices da ceia. Em Roma existe, ainda, uma coluna
junto à qual Cristo teria orado no templo de Jerusalém. O pomo da espada de
Durandel continha um dente de São Pedro, sangue de São Bazílio, cabelos de São
Diniz e um fragmento do vestuário da Virgem Maria; no de Joyeuse, de Carlos
Magno, havia um pedaço da lança com a qual furaram o flanco de Jesus. Em Roma,
venera-se o berço de Jesus. A vara milagrosa de Moisés é ali conservada. Em
Treves há o falo de São Bartolomeu. Na Catedral de Marselha mostravam-se duas
ou três espinhas dos peixes que Jesus havia multiplicado no deserto. Lá estão as
penas das asas que o anjo Gabriel deixou cair quando, entrando pela janela,
anunciou à Virgem eu parto. Até o burrico sobre o qual Jesus entrara em Jerusalém
veio aparecei em Verona, na Itália, por suas próprias patas — há quem garanta que
não foi pelas patas de mais ninguém — tendo atravessado a nado o Mediterrâneo;
aí foi ele venerado como Santo Asno de Verona, e isso até 1866.
A serpente de bronze de Moisés foi conservada por muito tempo em
Santo Ambrósio de Milão. O escudo de São Miguel é venerado em São Julião de
Tours; os cornos de Moisés se mostravam em Roma, na igreja de São Marcelo. O
sopro de Jesus foi trazido de Belém para Gênova. A lágrima do Salvador se
venerava no convento dos beneditinos, em Vendome. Heródoto conta que esses
830
frades se vangloriavam, na volta de Jerusalém, de ter visto um dedo do Espírito
Santo — o que já é ter dedo... para a mentira. O machado de São José está
conservado em Conchiverny. A pedra angular — a que Jesus se referiu — era vista
na igreja de Sion pelos peregrinos à Terra Santa. Na catedral de Santo Homero liase
o seguinte inventário: Maná que caiu do céu, pedra sobre a qual Cristo derramou
seu sangue; suor do Salvador; Pedra da Lei, de Moisés, escrita pelo próprio dedo de
Deus no Sinai; pedra sobre a qual São Tiago atravessou os mares; a janela pela
qual o anjo Gabriel foi saudar a Virgem; carta de Jesus Cristo escrita do céu,
incitando os cristãos a pagar o dízimo. (Essa carta é a mais importante de todas as
preciosidades, tanto mais por nunca ter ele escrito quando vivo.)
O que mais admira é a maneira por que essas relíquias se multiplicavam
e se espalhavam por toda a parte, cada qual como sendo a legítima, para o que
chegavam as igrejas a se desprestigiarem umas as outras, como embusteiras.
Assim é que São Mauro tinha nove corpos, Santo Erasmo 11, São
Francisco de Paula 12, São Juliano 13, São Pedro 16, São Paulo 18, São Pancrácio
e São Jorge 30, cada um; São Tiago tinha 11 queixos, São Leger 12, São João
Batista 20; Santo Inácio de Antioquia teve seis cabeças, sendo que uma foi comida
pelos leões, outra estava em Roma na igreja de Jesus, havia ainda a de Clarivau, a
de Praga, na Boêmia, a de Colônia, a de Messina; São Juliano teve 30 ou 40.
Ludovico Lalann assinala: 17 braços de Santo André, 12 mãos de São
Leger, 60 dedos de São Jerônimo. Nunca se viu uma criatura tão cheia de dedos!
E em 11 de outubro de 1932, em pleno século das luzes, Roma acaba de
telegrafar ao mundo, falando da solene procissão realizada para transportar um
dedo da mão direita de Santo Antônio de Póla, para Pádua, sua terra natal!
831
E... para o leitor não rir, o jesuíta Jean Ferrand diz, em sua obra: "nessas
multiplicações milagrosas só vejo o dedo da Providência para entreter a dedicação
dos fiéis".
Entretanto, ele via mais com os olhos das restrições; ele via o salutar
efeito da confusão dos termos: Cristianismo e Catolicismo; ele via a imbecilidade
humana se multiplicando em proveito da igreja romana.
Como presentemente não é mais possível à Igreja Romana fazer descer
do céu algum pedaço de uma porta velha ou a chave enferrujada de São Pedro,
criou a rendosa indústria religiosa da fabricação de ídolos e uma imensidade de
produtos, cuja catalogação seria difícil, mas que qualquer um pode examinar nas
vitrines dos seus armazéns comerciais. São Cristos, Marias e santos de todo feitio e
massas, caixinhas de metal para água benta e terços, rosários para todo preço,
escapulários para todos os efeitos, livros de missas, imagens, velas, animais e o
próprio menino Jesus para creches... É verdade que nada disso é vendido, mas
simplesmente... trocado por... dinheiro. E se o freguês desejar maior eficácia, basta
levar o artigo ao padre da freguesia para benzê-lo, deixando-lhe, bem entendido,
uma... esmola.
Francamente! Em qual religião do mundo se verifica tão vergonhoso
comércio com coisas santas?
Mas a Igreja responde que, para manter a Fé dos fiéis, é necessário
abusar da sua boa-fé.
Referências Bíblicas
Diz Saint-Yves, em O Arqueômetro, que todas as passagens tiradas da
Bíblia confirmam altamente a aplicação da música à arquitetura. Por elas, verifica-se
832
que todas as dimensões ali indicadas a Moisés, a Ezequiel, a João, a Daniel, em
Reis etc. para a construção do Templo, obedecem à mesma medida, o côvado e
que essa medida é funcionalmente o módulo, base de todos os sistemas de
proporções, de que já se encontra o estalão na pirâmide de Gizé, como já vimos.
Se, continua Saint-Yves, confrontarmos todos os números desses
côvados com a corda musical de Sol, dividida por 96, que é o número do triângulo
do Verbo (I-Ph-O) = 10 + 80 + 6 (Figura 2), veremos que esses números estão entre
si em relações perfeitamente harmônicas. Constataremos, igualmente, que estes
números não são decorrentes do mero acaso; mas, sim, da vontade formal de Deus
(Jeová) e por Ele imposta à humanidade sob forma de Lei.
É o côvado hebraico escrito por Chateaubriand, em suas Peças
Justificativas, que servia para a construção dos templos.
Esse côvado era dividido em seis partes iguais ou palmos menores, os
quais eram subdivididos em outras quatro partes. O número total de divisões e
subdivisões era, pois, de 24388.
Ezequiel, em seu capítulo XLII, 15, vai nos confirmar esses cálculos que,
aliás, lhe foram dados pelo anjo quando acabou de medir a casa interiormente e o
fez sair pela porta que enfrenta o Oriente e mediu todo este círculo389.
Ele mediu, pois, o lado do Oriente com a medida vara, e achou 500
medidas dessa vara em toda volta o que corresponde à nota Sol.
No capítulo XLI, 8, ele indica que a medida da vara de que se serviu o
anjo para medir o templo era de 24.
6 x 24 = 144, medida da vara.
388 O antigo sistema português e brasileiro era constituído de vara, côvado, palmo, polegada, linha,
ponto.
389 Simbolicamente esta porta se relaciona com a porta do triângulo em que se vê a letra Y de Ypho-
Ysho. É a mesma porta a que se refere Jesus, João etc.
833
144 x 500 = 72.000, subdivisão da nota Sol.
Figura 25
Templo de Moisés e sua relação
musical
Figura 26
Templo de Ezequiel e sua relação
musical
72.000 acareado com o estalão musical de Saint-Yves corresponde a Sol,
ou oitava deste estalão, dividido por 144.000.
Este número, ao qual já tivemos ocasião de nos referir e ao qual também
se refere João, em seu Apocalipse, falando da orquestra de harpistas, motivou a
descoberta de Saint-Yves sobre a qual estamos respigando.
834
Ora, tudo isso concorda igualmente com as descobertas feitas pelo padre
Moreux, com relação às ciências dos faraós.
O número seis, transportado sobre a corda musical de Sol, dividido por
96, dá as seguintes correspondências, em um acorde perfeito menor de Sol
fundamental:
1 2 3 4 5 6
Ré³ Ré² Sol Ré Si bemol Sol
Isso prova que estamos na presença de um metro musical, semelhante ao
que nos serve hoje para as medições.
Aplicando-se, agora, essa medida à construção dos templos ordenados
por Deus a Moisés, em Êxodo XXV, XXVI, XXVII, pelo anjo Ezequiel XL, XLI, XLII,
XLIII, em Reis VI etc., verifica-se, com superabundância, a importância capital que
Deus (Jeová) dava a todos esses algarismos, cujos números eram palavras musicais
e constituíam no seu conjunto uma harmonia perfeita.
São esses números, como em geral todos os números relatados na Bíblia,
que narram os mistérios que só eram desvendados aos iniciados nas respectivas
academias; seu desaparecimento ou ocultação deu em resultado a ignorância das
verdades científicas, que essa obra encerra, cada vez mais anarquizadas pelas
traduções e interpretações ao pé da letra; os credos contrários têm a pretensão de
destruí-los com uma simples penada!
Então, acompanhemos as descrições da Bíblia com as Figuras 25 e 26. Aí
veremos o mesmo acorde Si bemol, Ré, Sol, em Êxodo e Ezequiel.
835
Êxodo
Capítulo XXV
E Deus (Jeová) quem fala a Moisés.
Versículo 8: E me farão um santuário e habitarei no meio deles.
Versículo 9: Conforme tudo o que te mostrar para modelo do
tabernáculo e para modelo de todos os vasos, assim
mesmo o fareis.
Versículo 10: Também farão uma arca de madeira de Cetim que tenha:
Dois côvados e meio de comprimento.............................. Si bemol
Um côvado e meio de largura........................................... Sol
Um côvado e meio de altura............................................. Sol
Fareis também o propiciatório em ouro muito puro. Ele
terá:
Dois côvados e meio de comprimento.............................. Si bemol
Um côvado e meio de largura........................................... Sol
Versículo 23: Fareis também uma de madeira de Cetim que terá:
Dois côvados de comprimento......................................... Ré
Um côvado de largura...................................................... Ré
Um côvado e meio de altura............................................. Sol
Capítulo XXVII
Versículo 1: Fareis também um altar de Cetim que terá:
Cinco côvados de comprimento.......................................
Outro tanto de largura......................................................
Três côvados de altura....................................................
Si bemol
Si bemol
Sol
Versículo 9: Fareis também o pátio do tabernáculo.
Cada côvado terá:
Cinqüenta côvados...........................................................
Si bemol
Versículo 18: O pátio terá cem côvados de comprimento..................... Si bemol
836
Capítulo XXX
Versículo 1: Fareis também um altar de madeira de Cetim, para
queimar os perfumes.
Versículo 2: Ele terá: um côvado de comprimento Ré
Um côvado de largura...................................................... Ré
Dois côvados de altura..................................................... Ré
Ezequiel
Capítulo XLI
Versículo 1: Mediu os pilares da entrada que tinham:
Seis côvados de largura.....................................................
Sol
Versículo 2: Mediu a largura da abertura da porta que era de dez
côvados..............................................................................
E cada lado das portas tinha cinco côvados......................
Sol
bemol
Si bemol
Versículo 3: Mediu um pilar da porta que tinha dois côvados................ Ré
Versículo 4: Depois mediu a fachada do templo que tinha 20 côvados
de comprimento.................................................................
E uma largura de vinte côvados.........................................
Si bemol
Si bemol
Versículo 5: Mediu a espessura da muralha que era de seis côvados..
E a largura das câmaras construídas fora do templo,
cada qual com quatro côvados..........................................
Sol

Versículo 8: Considerei as câmaras altas que estavam fora deste
edifício e tinham como fundamento a medida de uma
vara — seis côvados..........................................................
Sol
Versículo 9: A espessura dos muros era de cinco côvados.................. Si bemol
Versículo 10: Entre o edifício dessas câmaras e o do templo havia um
espaço de 20 côvados........................................................
Si bemol
Versículo 13: O comprimento da casa tinha cem côvados....................... Sol bemol
Versículo 14: O lugar que estava perante a face do templo tinha 100
côvados...............................................................................
Sol bemol
Versículo 22: O altar de madeira tinha:
837
Três côvados de altura.......................................................
Dois côvados de largura.....................................................
Sol

Com exceção dos pátios que tinham 50 ou 100 côvados, números correspondentes
à nota Sol bemol dividida por 96, todas as outras dimensões estão em
correspondências exatas com as notas Sol, Si bemol, Ré, acorde perfeito menor de
Sol, divisões e correspondências musicais do côvado hebraico.
Reis
Capítulo VI
Versículo 2: A casa que o rei Salomão construiu para a Glória do
Senhor tinha: 60 côvados de comprimento......................
20 côvados de largura......................................................
30 côvados de altura........................................................
Mi bemol
Mi bemol
Si bemol
Versículo 3: O vestíbulo tinha:
20 côvados de comprimento............................................
10 côvados de largura......................................................
Si bemol
Si bemol
Versículo 10: O andar térreo tinha:
5 côvados de altura..........................................................
o do meio, seis côvados de largura..................................
Si bemol
Si bemol
E assim por diante de acordo com o acorde musical.
Mas não é só. Na construção dos templos, além de suas dimensões
harmônicas, todos os vasos, os vitrais, os móveis e o mais insignificante apetrecho
litúrgico obedecem às mesmas leis de sonometria.
Não nos seria possível desenvolver esse assunto aqui; muito fazemos já,
em apontar ao leitor estudioso a fonte em que poderá saciar sua sede de Ciência;
contudo, daremos, ainda, as duas figuras seguintes, que mais falarão do que
algumas páginas impressas.
838
Figura 27
Esboço obtido por eliminação de linhas
vibratórias do acorde musical Lá, Dó, Mi.
Figura 28
Composição artística feita pelo
desenho vibrátil ao lado.
Há nos laboratórios de física umas placas de metal, chamadas placas
vibrantes. Cada uma vibra de acordo com sua nota, como o sino vibra conforme a
afinação que lhe deram. Sobre uma das placas coloca-se uma pitada de licopódio e,
com um arco de violino, tira-se-lhe a nota correspondente.
839
As vibrações da placa de metal comunicarão um movimento circulatório
ao pó, o qual apresentará um desenho morfológico da respectiva nota, com linhas
emaranhadas, mas simétricas.
É da confusão dessas linhas que o olhar perscrutador do artista irá tirar as
que lhe servirem para a composição do seu vaso, que terá de entrar em
consonância morfológica com o edifício.
Aí vai um exemplo fornecido pela nota Dó e da qual surgiram dois estilos
(Figura 29).
Figura 29
Vasos extraídos da nota dó.
Não é, pois, de admirar, se, construído um templo nessas condições
científicas, em que a luz era filtrada em harmonia com as mesmas leis, em que o
840
espírito humano vibrava em um mesmo sentimento de adoração a Deus, em que os
cânticos haviam sido regulados pelos mesmos números musicais, em que em suma,
a palavra era pronunciada de acordo com a Ciência do Verbo, conforme já vimos,
não é de admirar que se produzissem os estupendos fenômenos naturais que hoje
se chamam milagres.
E se todas essas ciências não passam de pura fantasia do cérebro
humano, ergue-se, então, uma formidável interrogação aos teólogos de todos os
Credos: se a Bíblia foi, de fato, escrita pelo próprio Jeová, para servir de estatuto à
humanidade, como afirmam seus sábios rabinos; se a Bíblia é a "Palavra de Deus",
na opinião dos luteranos, protestantes e dos próprios católicos; se a Bíblia é um
profundo Livro de Ciências, na opinião do insuspeito padre Moreux; se a Bíblia diz a
Verdade, como garante o padre Vigouroux; se a Bíblia já anunciava a vinda do
Messias; se Jesus não cessava de confirmar que tudo quanto ali estava escrito se
referia a ele; se esse Jesus constantemente sentenciava que nem uma só vírgula se
perderia até a consumação dos séculos; se ele se comprometia a destruir esse
templo de Jeová, para reconstruí-lo em três dias, o que denota que esse e não outro
é que deveria subsistir; se ele venerara Moisés e todos os profetas, destacando
deles Ezequiel, segue-se, sem possibilidade de contestação, que o templo
construído por Moisés, sob o plano arquitetônico do próprio Deus, o de Ezequiel,
ditado pelo anjo, o de Davi, o reconstruído por Salomão em Jerusalém, o de Daniel e
o do apóstolo João vistos numa visão são os mesmos, ou melhor, é o mesmo templo
em que Jesus ensinava, celebrava, imolava o cordeiro e cantava os hinos de Davi e
de Salomão, o mesmo em que vigorava toda a Lei e doutrina de Jeová que ele,
Jesus, não veio ab-rogar, o mesmo templo que condena toda idolatria, todo orgulho,
841
toda política, o mesmo templo, em suma, em que reside a verdadeira Sabedoria de
Deus.
Em que direito divino, portanto, se apóia o Catolicismo, criando um Culto
sobre a pessoa daquele que, exatamente, já ferreteava em vida essa idolatria,
esse orgulho, essa política, culto erguido a um judeu, cuja raça o católico detesta,
doutrina deturpada por esdrúxulas interpretações e sobre a qual o sofista Paulo
fabricou outra, transmutada, mais tarde, em um Código de Salteadores, executado
nos templos inquisitoriais e firmada presentemente em um Regime Político
Universal, fazendo desse Jesus um imbecil irresponsável, senão um pobre
détraqué?
Se, pois, a Bíblia é a Palavra de Deus, por isso devia ser respeitada,
derrubem-se, então, todos os templos católicos erguidos idolatricamente ao
propugnador daquela doutrina, sob o patronato de santos e santas; pois, mesmo
assim, e apesar de sua confirmação, o Catolicismo estaria mais de acordo com as
palavras de Jesus, colhidas pelos apóstolos, em Atos, de que Deus não reside em
templos de pedra construídos pela mão do homem.
E, se não se quiser derrubar esses monumentos da arquitetura,
transformem-nos, então, em escolas, como se tem feito na França, na Rússia, na
Espanha, em Portugal, no México etc., e cumpra-se à risca a simples frase
kardequiana: "Fora da caridade não há salvação"; e para haver caridade mister se
faz amar o próximo.
E, se a Bíblia não diz a Verdade, e, portanto, não é a Palavra de Deus,
suprimam-se, igualmente, os Moisés, os profetas, os Maomés, os Jesus, que vieram
concorrer para anarquizar essa pobre humanidade que, há oito mil anos, cingia-se à
mais simples síntese conhecida na índia: "Amai-vos uns aos outros".
842
Arranque-se, então, essa Bíblia das sinagogas, derrube-se do altar
católico este livro falso, arranque-se de debaixo do braço do padre este livro que,
imbecilmente, ele lê e condena aos outros e atire-se então tudo na fogueira.
Sejam ao menos coerentes com a própria razão humana, com a lógica e o
bom senso, e não loucos fanáticos a se devorarem por palavras que não entendem,
em busca de vantagens mundanas, extorquidas de uma parte inconsciente da
sociedade.
843
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