terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A Vida Mística e Oculta de Jesus(livro parte8)

Céu, Purgatório, Inferno
Mas a Igreja Romana não se limitou ao dogma do batismo, insuficiente
para manter financeiramente os Palácios do Vaticano. Para isso, lançou mão da
doutrina de Zoroastro, na qual há um céu e um inferno dirigidos cada um pelo Deus
do Bem e pelo Deus do Mal — Orzmud e Arimã.
A Bíblia não se refere absolutamente a Deus do Bem e Deus do Mal e seu
respectivo Inferno.
Se Marcos IX, 47, 48, põe este termo na boca de Jesus é porque esta
expressão tinha outro significado bem diferente do que o Catolicismo lhe emprestou.
E, senão vejamos:
Em grego, a palavra inferno se traduz por geena. Este nome era aplicado
ao vale de Enom, ao Sul de Jerusalém, onde se praticava toda sorte de idolatria e de
imoralidades sem nome, por isso, mais tarde, as autoridades transformaram esse
local em depósito de cadáveres humanos e de animais.
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Para evitar o surto de sérias epidemias, que daí pudessem advir,
resolveu-se atear fogo àqueles monturos de podridões, mantendo-se, para isso,
constantemente, um fogo ardendo, como que eterno.
Quando Marcos IX, 48, faz Jesus dizer: "onde seu bicho não morre e o
fogo não se apaga...", trata-se evidentemente dos vermes e do fogo mantido para
essas cremações.
Não há nessas palavras, pronunciadas naquela época, espírito algum de
localidade extraterrestre, mesmo porque Jesus não iria criar uma Lei metafísica que
não existia na Lei mosaica, imutável como ele a considerava.
Para descrever o lugar de suplício, a Igreja Romana lançou mão do Livro
dos Mortos do Antigo Egito, em cujo capítulo XVIII se lê: "Zonas incandescentes,
abismos de fogo, em que as águas de chamas são os carrascos dos condenados
que habitam salas, cujo assoalho é água, cujo teto é fogo e cujas paredes são
serpentes vivas, nos quais há grelhas e caldeiras para o suplício dos pecadores".
Entretanto, a primitiva Igreja Cristã (ainda não católica) já tratava de
herege todo aquele que acreditasse em tal, e por isso Santo Agostinho condenou os
simonistas e os origenistas.
Se subsistisse um inferno com um só homem condenado, o sangue de
Jesus teria corrido em vão e a Redenção seria uma ironia203.
A religião de Orfeu, contemporâneo de Moisés, visava também à
necessidade de redenção, mas sem deixar de oferecer ao mesmo tempo um ensino
dogmático, bem definido, sobre a catártica e o acesso, a cosmologia e a escatologia,
o destino da imortalidade numa migração da alma, na recompensa e no castigo
203 PHIMOTEON – Não creio em Deus
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além-túmulo. Ela desenvolveu muito essas concepções da outra vida e criou,
propriamente dito, o inferno.
Encontram-se em Píndaro, Empédocles e Platão essas representações
colhidas nas fontes órficas; elas floresceram muito nas comunidades pitagóricas,
aparentadas com as do orfismo e mais tarde os cristãos também as admitiram.
Pitagóricos e órficos foram, além disso, os precursores da religião cristã, pelas suas
prescrições de ascetismo.
Particularmente Platão que, em país grego muito antes de Cristo, foi o
que mais preparou o caminho do Cristianismo, sofreu fortemente a influência do
orfismo, e aquelas de suas doutrinas que mais se irmanaram com o Cristianismo são
ao mesmo tempo ligadas à dogmática órfica204.
A concepção filosófica de um paraíso e de um inferno foi boa para uma
época de ignorância e necessária para moralizar os povos eivados de um
materialismo resultante do esquecimento das doutrinas patriarcais; mas, na nossa
época de progresso científico, moral e social, não mais corresponde às
necessidades da lógica e da razão.
Platão descreve um inferno para os culpados com várias modalidades nos
sofrimentos infligidos aos condenados; um, a penas eternas, conforme a gravidade
dos delitos (de onde o Catolicismo tirou cópia); outro, atenuado pelas suas virtudes
(o purgatório católico), e outro, comutador quando o culpado conseguisse após
várias tentativas obter, por meio de preces, o perdão daqueles a quem tivesse
ofendido na terra (o que dá razão ao Espiritismo).
No Catolicismo, o ofendido é Deus. É, pois, necessário subjugá-lo por
meio de preces, de cerimônias especiais, de promessas, de presentes, e, para isso,
204 F. PFISTER – Prof. Fil. Cláss. Da Universidade de Wursburg.
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o intermediário oficial legitimado é o padre, que de tal missão se encarrega,
mediante uma taxa estabelecida. Eis o segredo da fonte de suas imensas riquezas.
O purgatório só foi inventado no fim do século XIII, e daí por diante surgiu
a Inquisição para manter o poder do Papa. Essa invenção se impunha para salvar as
finanças do Catolicismo e dar-lhe novo sangue; pois, segundo disse um bispo em
um Concilio, indo umas almas para o céu, gozar felicidade eterna e outras
eternamente condenadas para o inferno, claro é que missas e rezas eram
improfícuas. Havendo, porém, um lugar intermediário onde elas pudessem
estacionar, logicamente se poderia encaminhá-las para o céu com uma liturgia
especial, que forçosamente custa dinheiro.
Contudo, já no século X, Santo Odillon, padre de Cluny, imitando certos
frades, pôs-se a rezar pelos mortos, chegando a criar a fama de ter libertado do
purgatório um número incalculável de almas, o que forçou o papa João XVI a instituir
o Dia de Finados.
O padre Odillon fez fortuna (já se vê), e o clero continua tirando boa renda
desse comércio.
A idéia de Purgatório, isto é, um lugar de provações passageiras, já era
conhecida dos Bramas 3.100 anos antes de Cristo e se acha desenvolvida em seus
livros. Neles, também se encontram a revolta dos anjos e a queda dos gênios. Esses
anjos rebeldes, embora fabricados com perfeição pelo Criador no próprio Paraíso,
cuja história Moisés transplantou na sua Gênese, foram condenados por Deus e por
seu Filho a 1.000 anos de purgatório; mas, sendo Deus misericordioso, os perdoou
e... os fez homens na terra.
Esta idéia foi defendida na Pérsia e no Egito e é daí que Platão tirou seu
"purgatório", escrevendo Phedon.
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Virgílio igualmente em sua Eneida VI, 740, descreve essas pobres almas,
ora enforcadas no espaço, ora totalmente queimadas, ora afogadas, condições
estas singularmente embaraçosas por não poderem as mesmas subirem depois ao
Paraíso, como concordou o Papa Gregório, o Grande!
A primitiva Igreja Cristã condenava e chamava de herético todo aquele
que admitisse o purgatório.
Zoroastro conta, no Sader, que, tendo tido uma visão, viu no inferno um
rei sem um pé, e perguntando a Orzmud, por que, este lhe respondeu: "Esse rei
perverso, vendo uma vez um camelo um pouco afastado da sua selha, que ele não
podia alcançar para comer, este rei empurrou-a com o pé, praticando assim uma boa
ação. Guardei-lhe o pé no céu e precipitei o resto ai".
Ao menos este Deus de Zoroastro é mais justo e conciliador do que o
Deus Católico, que não leva em conta as boas ações cometidas, uma vez que esta
alma não faça parte da Igreja Romana.
Além disso, Zoroastro não admitia a danação eterna, pois, no fim do
mundo, "todos os mortos terão de ressuscitar e o próprio inferno se aniquilará nas
suas próprias chamas".
O maometano não crê na eternidade das penas do inferno.
Ora, Jesus nunca disse que houvesse um lugar onde as almas iriam
sofrer eternamente. Quem redigiu os evangelhos deturpou o sentido das palavras,
fazendo igualmente, por exemplo, do termo Scheol (sepultura) o inferno, que vem
da palavra latina infernus, lugar inferior, abaixo da terra.
Mateus VIII, 11 — XII, 42 etc., faz Jesus dizer que ora serão lançadas na
fornalha de fogo e enxofre (cópia do Livro dos Mortos do Antigo Egito e de Platão) e
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ora que serão lançadas nas trevas exteriores, o que não é a mesma coisa, mas sem
determinar tempo.
Paulo, em sua Epístola a Timóteo, 11,4, diz: "Pois isso é belo e agradável
a Deus, nosso senhor Salvador, que quer que todos os homens sejam salvos e
cheguem ao conhecimento da verdade", portanto, contra a eternidade das penas.
Nem os evangelhos nem os Atos dizem que Jesus desceu aos infernos,
como se lê no "Credo Católico", no sentido de lugar de suplício dos condenados a
penas eternas, pois, como vimos anteriormente, nem o termo hebraico Scheol
significa tal coisa, mas simplesmente a fossa, o túmulo, o subterrâneo.
Segundo Saint-Yves, como o Tártaro era o inferno dos antigos, isto é, o
Hades, e como Jesus andou no Agartha, é possível, ainda, que transmutassem a
legenda. O Tártaro era tido como o inferno dos povos orientais, em decorrência das
incursões dos terríveis bárbaros. Eram chamados filhos do Tártaro, filhos do inferno.
O que, porém, não podemos compreender c que, morrendo um ente
qualquer, confessado, comungado, com extrema-unção, com missa de corpo
presente, com preces e orações ao baixar a sepultura, se possa ainda dizer missas
de sétimo dia, mensal e aniversário, para tal alma; porque, para ler valor aquele
cerimonial, sancionado pelo representante de Deus na Terra, deve ter seguido
direitinho para o Paraíso, com seu passaporte perfeitamente em regra, dispensando
o resto, ou senão, permitam-nos a expressão empregada por Frederico Figner, em
um dos seus artigos no Correio da Manhã: "Foi tudo um conto do vigário".
O mais curioso ainda é isto: É a anomalia de se dizerem missas aos
Papas que morrem! E que missas! São apoteoses fúnebres!
Ora, se o Papa é infalível, ipso facto, é inatacável pelo pecado. Logo, sua
alma, sendo puríssima, pois já o chamam em vida de Santidade, dispensa esta
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formalidade, para garantir-lhe o lugar no céu; e, se sua alma não é isenta de
manchas, por isso até precisa de um Confessor Jesuíta, deixa ainda
necessariamente de ser Infalível e passa a ser um pobre... farsista, pois nem na sua
liturgia tem ele confiança.
Além disso, sendo o Papa o representante, por procuração outorgada a
si, por ele mesmo, já não mais do Cristo, mas do próprio Deus na terra, porque
promoveram Jesus a Deus, e, portanto, Deus em pessoa, em carne e osso, a lógica
se impõe de que este Deus-bis ou vice-Deus, não necessita de missas ou preces
para encontrar a estrada que conduz à Corte Celeste, que deve estar ladeada por
uma legião de anjos e santos de todas as categorias, à sua espera.
Dizer missa a Deus para recomendar o próprio Deus a si mesmo, é o
maior absurdo, senão a maior heresia que a Igreja comete, e, talvez, faça rir à
socapa algum sacerdote com a consciência liberta das algemas canônicas.
Valha-nos, ao menos, a declaração que um Bhakla lamaísta (sacerdote)
fez à escritora A. D. Niel já citada:
"O Deus a quem adoro pode atirar minha alma no
inferno, torturando-a, se tal for seu desejo, e eu me regozijarei
dessas torturas, porque lhe são agradáveis".
O verdadeiro inferno, o verdadeiro castigo para os que infringem a lei
divina, condenada nos simplíssimos dez artigos, é a paralisação da evolução do seu
espírito em órbita criminosa em que viveu e onde continua a viver sem corpo,
ansiosa de luz e de progresso, ansiosa de reintegrar-se na essência divina da qual
emanou, até que, auxiliada pelas preces de vivos puros, e por intermédio do Verbo
301
Jesus, Deus se compadeça dele e permita sua reencarnação neste ou em outro
planeta mais adiantado.
Propagar a falsidade e a iniqüidade do Céu, do purgatório e do inferno do
Catolicismo é, pois, obra de caridade à humanidade cega.
Ora, se houvesse um céu e um inferno, é lógico que esses domínios
fossem regidos por uma entidade especial. Assim pensou Zoroastro, por isso deu o
predomínio eterno do Céu a Orzmud, deus do Bem, e a direção eterna do Inferno a
Arimã, deus do Mal.
Mas os tempos evoluem; o que Zoroastro não se lembrou de criar, fê-lo O
Catolicismo, edificando a cidade do Purgatório. Como, porém, não era possível pôr
ali um Deus com duas faces, uma do bem e outra do mal, para reger aquela nação,
nem fria nem quente, lembraram-se os Concílios de investir o Papa na terra, com
todos os poderes para rubricar os passaportes com destino ao Céu. E, como todos
sabem, isso não se faz de graça.
Daí (quem sabe?) a razão das três coroas da tiara: uma como
representante de Deus na terra, outra significando seu império no purgatório e outra
representando a Soberania no mal, pelas perseguições que comete.
Quanto aos Limbos, os petizes que se divirtam por lá, enquanto não é
chegada a hora do último banho purificador.
Como se vê, se bem que ninguém veja onde possam ser situados esses
territórios, nada mais fácil ao Papa, infalível como é, do que decretar a existência
dessas imensas nações, povoadas de trilhões e trilhões de entes desaparecidos da
terra, embora isso faça sorrir o Criador, Onipotente e Misericordioso, que perdoa a
todos os pobres micróbios terrestres delinqüentes, inclusive seu suposto
representante.
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O Diabo
Ora, uma vez que há inferno, é lógico que haja um Regente do domínio.
Aí reside a chave da abóbada do templo católico.
Que seria do Catolicismo se não fosse a adaptação desse burlesco
personagem, criado pelos persas, sobre a Mitologia em que é baseado o Mitraísmo
de Zoroastro, Mitologia esta originada, a seu turno, da Astrologia ou Cosmogonia, e
que Moisés, mais tarde, sintetizou na figura da Serpente, ali em evidência, mais ao
alcance das pobres inteligências a quem ele se dirigia.
Essa Serpente figura em todos os planisférios astronômicos, de uma
Antigüidade pré-histórica, a que já nos referimos e que descreveremos ainda, mais
adiante, representando o inverno, as trevas, o sofrimento, o mal, etc.
Essa serpente, que era o mais astuto de todos os animais, como diz a
Gênese, era a imagem simbólica do alfabeto adâmico, que já conhecemos, e que
encerra, conseqüentemente, todas as ciências.
Essa serpente, Moisés, mesmo, a fabricou em bronze e a ergueu no
deserto, para que todo aquele que a olhasse e a compreendesse ficasse curado
intelectualmente.
Se não fosse a maquiavélica interpretação que o Catolicismo deu a essa
figura zodiacal, é claro que semelhante entidade nunca se teria desenvolvido no
Ocidente, produzindo o rosário de 1.001 maldades, cuja autoria ele arrumou no
lombo desse pobre diabo, perpétuo tentador dessa miserável e indefesa
humanidade.
Se não fossem as inúmeras contravenções às mais insignificantes leis da
natureza, crismadas com o termo — pecado — e divididas em três categorias:
303
capitais, mortais e veniais, para que serviriam o templo católico, o confessionário, a
missa, a comunhão, o batismo e o próprio sacerdote?
Sem dúvida deixariam de existir, porque onde não há mercadoria para
vender impossível se torna o comércio.
Ao diabo, pois, é que o Catolicismo deve sua existência, porque o
Cristianismo de Jesus, de Pedro, de Paulo, não cogita desse Princípio Eterno do
Inferno, como a figura de um Deus do Mal. Por que, então, leva a Igreja a espantálo
com água benta, erguendo a cruz na outra mão?
Se ela bem pensasse, veria que de nada disso ele tem medo, pois,
segundo conta Lucas, IV, 5, ele levou Jesus a passeio, comodamente sentado sobre
suas asas, por cima das cidades, a um ponto bem distante, no deserto, onde o
tentou, tendo-lhe Jesus respondido a célebre frase: "Vade retro Satã!" A história não
conta se essa viagem foi diurna ou noturna, o que, na primeira hipótese, deveria ter
assombrado as populações, por falta de aeroplanos naquela época, nem como
Jesus de lá voltou, o que deveria ser importante saber.
Marcos diz que essa ausência durou 40 dias, o que prova a grande
distância.
Mateus e Lucas falam em três tentações pelo diabo em pessoa; mas de
um modo diferente na ordem e nos detalhes, sem mesmo marcar o tempo.
Essa passagem da tentação de Jesus, no deserto, é, como já vimos,
absolutamente idêntica à que sofreu Zoroastro, pelo Mau, como se lê no Zenda-
Avesta*, e como, igualmente, sucedeu a Buda, personagens estes, repetimos, que
existiram muitos séculos antes de Jesus.
* Zenda-Avesta, atribuído Zoroastro, lançamento da Madras Editora.
304
Nos milenares livros chineses: Lie-Tseu, cap. II, e Tchuang-Tseu, cap. I,
se lê que aquele teria sido visto, pelos seus contemporâneos, atravessando os ares.
Onze séculos mais tarde, se verificou, igualmente, este fato, passado com o asceta
tibetano Milarespa205.
Inúmeros missionários, sem querermos citar Jacolliot, que foram à Índia
estudar costumes, confirmaram o fenômeno da levitação.
O simbolismo, pois, dessa passagem, significa que tais reformadores
foram peitados pelos Poderes constituídos para deixarem de prosseguir na
propaganda de suas doutrinas antimilitaristas, que feriam os interesses do clero e da
política.
Pelas escrituras se vê, mesmo, Satã confabulando com Deus, a respeito
de Jó, a quem ele pretendia perverter, uma vez que Deus lhe entregasse o corpo à
sua discrição, o que foi feito, como faria qualquer regulo despótico, mas não o
Inefável.
Ademais, esta história de Satã, só descrita no Apocalipse XII, 7,9 e mais
em parte alguma dos evangelhos, do mesmo modo que o anjo rebelde não é falado
na Bíblia.
O Adversário que Zoroastro chama Arimã é o mesmo Adversário do
Judaísmo — Satã.
Os judeus adotaram esse termo às suas crenças, três anos depois da
morte de Zoroastro, quando eles foram levados em cativeiro para a Babilônia (568 a.
C), onde vigorava sua religião e a ciência astronômica.
Esta conclusão, estudada por C. F. Potter, é comprovada pelo capítulo
XXIV, do Livro II de Samuel, composto antes do exílio, e pelo capítulo XXI, do Livro I
205 JACQUES BACOT – Le poète thibetain Milarespa.
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das Crônicas, no qual se vê que os judeus reconheceram a inconseqüência de um
Deus bom praticando o mal, matando 70 mil pessoas, por isso adotaram o dualismo
da teologia Zoroástrica.
Mas o termo Satã, na sua origem, nunca foi criado para personificar
entidade alguma do Inferno.
Esse termo originou-se do seguinte, como magistralmente explica Fabre
d'Olivet: "A raça branca originária do pólo boreal era chamada, pelos europeus, de
raça boreana e hiperboreana. Moisés a chamava de Ghiboreana. Essa raça tinha
horror à raça negra pelas suas funestas incursões, por isso a denominaram de
Sudeana. Desse termo se originaram os termos de Suth ou Soth dos egípcios, Sath
dos fenícios e Shatan ou Satã dos árabes e dos hebreus. Este nome serviu de raiz a
Saturno entre os etruscos, Sathur, Suthur ou Surthur entre os escandinavos. Do
celto saxônio South deriva o termo inglês South, o belga Suyd, o alemão e o francês
Sud", o português Sul etc.
Foi, pois, um termo criado como que para simbolizar a raça negra, inimiga
que era da raça branca, porque, nessas épocas atrasadas, os povos ainda não
conheciam o Princípio do Mal, como a entidade celestial decaída, que só muitíssimo
mais tarde foi surgindo da imaginação dos místicos.
Os povos fizeram dessa entidade um horrível boneco, pintaram-no de
preto, arrumaram-lhe uns cornos, outros espetaram-lhe um apêndice no fim da
coluna vertebral, outros encravaram-lhe unhas aduncas, outros afiaram-lhe os
dentes caninos, e cada qual, em suma, o cobriu com quantos vícios e males a
humanidade engendrava, e, horrorizados por ver o terrificante personagem que eles
mesmos fabricavam, fugiram espavoridos da própria obra.
É esse monumento que hoje serve de esteio do Catolicismo.
306
Os insulares de Java e dos mares do Japão dirigem suas preces ao
diabo, para que ele não os persiga muito ou não lhes faça muito mal, se bem que,
ao mesmo tempo, fazem oferendas, acompanhadas de preces, ao Deus do Bem, ao
Deus Criador.
Os hotentotes chamam o Bom Princípio de Capitão do Alto e o Mau
Princípio de Capitão de Baixo. O raciocínio desses pobres homens é sobremodo
racional e justo. Dizem eles que é inútil orar ao Bom Princípio, para lhe pedir que
não faça o mal, visto como seu poder só se limita à terra. Comungam a mesma
teoria os de Madagascar, os teutônicos, os peruanos e até, mesmo, nossos
indígenas.
É mais razoável pedir diretamente ao inimigo que não nos faça mal,
porque este ato, até, encerra em si o cumprimento do axioma: "amai-vos uns aos
outros", do que fazer intervir um terceiro, para dele obter sua benevolência muito
problemática.
A medida que uma religião se afasta da sua primitiva fonte, toda a
espiritualidade cada vez mais cai no puro materialismo, chegando até ao fetichismo,
como sucede com o culto dos negros da África, que é uma degenerescência dos
primitivos dogmas do Egito, da Etiópia, da Pérsia etc.
O fetichismo supersticioso, amplamente praticado em alguns países
europeus e no Brasil, é o resultado inevitável do fim de uma Igreja.
É o que se verifica com a Igreja Católica.
A intervenção do diabo, como a entende a Igreja, de uma entidade criada
por Deus para ser eternamente, como ela quer, seu próprio rival, com poderes
ilimitados para tentar e aborrecer a desgraçada humanidade, é de uma aberração
inominável, porque estabelece, como na religião de Zoroastro, a existência de dois
307
deuses antagônicos, um do bem e outro do mal, se bem que, nesta religião, o
Princípio do Mal tem de se aniquilar nas suas próprias chamas, que, por seu turno,
se extinguirão, ao passo que no Romanismo diabo e inferno são eternos.
Ora, se o Princípio do Mal fosse criado pelo Princípio do Bem para
eternamente se oporem, sem que este pudesse exterminar aquele, ele deixaria, ipso
facto, de ser o Deus Onipotente e todo e qualquer sistema rui por terra. Mas se o
Mal tende a desaparecer da face do mundo, subjugado pelo Bem, o inferno terá de
fechar suas portas, cessando, por conseqüência, suas penas eternas, o que destrói
o sistema católico, que coloca a humanidade entre duas eternidades.
E, se o diabo é eterno como seu reino, o Mal tem de existir eternamente,
o que torna evidente a impotência e a injustiça do Criador. Por outro lado, se o Mal
tem de ser eterno, como um domínio e um dominador, essa eternidade estabelece
uma paridade entre o Criador e a Criatura e aberra da sua Onipotência, Justiça e
Misericórdia.
Mas, pregando Jesus o Fim do Mundo e Paulo (Hebreus II, 14) o Fim do
Diabo, isso significa que, desaparecendo esta pílula amarga, a eternidade do Diabo
e de suas penas é uma questão liquidada, salvo se ele for aposentado ou passe a
aborrecer os habitantes da Lua ou de outro planeta, o que não convém ao
Catolicismo, por lhe destruir a igrejinha e a balela de só ser a terra habitada.
Mas, neste caso, que seria feito dos miseráveis hóspedes que tiveram a
infelicidade de ser criados muitíssimo antes do advento de Cristo?
Logicamente, se esse Deus se compadecesse dessas pobres almas, que
não lhes pediram para ser criadas, e as perdoasse, inclusive o próprio Diabo, isso
provaria mais um blefe do Catolicismo.
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A questão do Bem e do Mal sempre foi o espantalho da Igreja Católica,
porque, como se vê, ela é insolúvel com os argumentos que apresenta.
O Mal é relativo. O que é mal para um é bem para o outro, segundo
afirma Heráclito.
A idéia do Bem e do.Mal, conforme diz Julien Vinson, é puramente
humana e subjetiva; é idêntica à idéia do Belo e do Feio, do Grande e do Pequeno.
Para um Bosquímano, da África, a diferença é a seguinte: "Se roubares a
mulher do outro é Bem; mas se roubares minha mulher é Mal".
O dualismo de Luz e Trevas de João já simbolizava nas primitivas
religiões os dois princípios do Bem e do Mal, não como entidades divinas, mas,
simplesmente, como as duas modalidades extremas dos seres vivos ou mortos.
O Bem eram os dez frutos da Árvore que, simbolicamente, Deus plantara
no paraíso e que Moisés sintetizou em dez capítulos; o Mal são os frutos contrários,
do mesmo modo que a virtude tem um vício oposto.
A idéia do Bem e do Mal é uma conseqüência lógica da astrologia,
fantasiada pelos poemas mitológicos — conforme veremos no respectivo artigo. A
entidade simbólica, que preside àquele é Orzmud; a do Mal é Arimã, que o
Catolicismo personificou com o nome de Diabo, rei dos Infernos, para aterrorizar
seus ingênuos adeptos.
E antes que o padre nos mande paia o diabo, vamos dai uni tiro no "dito".
Livre Arbítrio
Mas, retruca o teólogo católico, é por causa do mau uso que o homem fez
do livre-arbítrio que Deus lhe deu, que ele será punido com as penas eternas de
um inferno.
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Além de ser um ponto de partida falso, criado pela imaginação mística,
por não assentar em base alguma, esse tema é aberrante dos próprios dogmas do
Catolicismo porque são os primeiros a cercear essa liberdade aos adeptos e ao
próprio clero, além de encerrar a maior blasfêmia a Deus.
Senão, vejamos:
Se Deus, criando o espírito, ignorava seu fim, temos que negar sua
Onisciência.
Se, ciente de um mau fim, ele persiste em criá-lo, temos que negar sua
Onmisericórdia e Amor.
Se tal espírito criou-se espontaneamente, sem que Deus o soubesse,
temos que negar sua Onipotência.
Se criado o espírito, Deus lhe concedeu o livre-arbítrio, ficando, todavia,
na ignorância do seu fim, que só dele dependeria, ainda assim temos de negar sua
presciência e justiça.
E, desse modo, teríamos que negar Deus, por lhe faltar qualquer um dos
atributos acima.
Goethe, conversando com Eckermann em 1825, disse: "Desde que se
conceda ao homem o livre-arbítrio desaparece a Onisciência de Deus; e, se por
outro lado Deus sabe o que farei, já não sou mais livre de fazer outra coisa senão
aquilo que ele sabe, e o livre-arbítrio deixa de existir, para só existir o destino, o
fatalismo ou o determinismo".
"Em conseqüência, não sendo livre de agir no Bem e no Mal, nossa
responsabilidade, também, deixa de existir, subsistindo, unicamente, o despotismo
divino. Tal a súmula da doutrina católica com o Céu e o Inferno."
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Para o católico é só pela graça divina, isto é, por um favor de Deus, que o
espírito se aperfeiçoa e se eleva. De modo que, sem essa graça, sem esse favor
especial, o desgraçado, criado por esse mesmo Deus de amor, sem ter sido
consultado, tem de ir sofrer eternamente nas fornalhas do seu eterno rival. Pois,
segundo Paulo (Rom. XI, 5, 6), "Se a salvação provém de eleição da Graça, logo
não provém das obras, porque se proviesse das obras a Graça não seria mais
Graça".
Do qual se infere que as boas obras que o homem possa realizar não
têm importância alguma. Só a graça é que o salva. E o que praticar más obras será
salvo se tiver recebido a Graça.
Paulo tanto fez malabarismos com as bolas das palavras que elas lhe
caíram no seu enorme nariz.
"Não se pode admitir que Deus fosse tão ilógico de
nos criar dando-nos uma faculdade com proibição de fazer uso
dela206."
Pascal207 dizia: "A conduta de Deus que dispõe de todas as coisas é de
pôr a religião no espírito pela razão e no coração pela graça. Mas querer colocá-la
no espírito e no coração pela força e pelas ameaças não é pôr ali a religião, mas sim
o terror. Terror potius religionem".
Ademais, repugna aceitar que Deus fabrique um pobre espírito da sua
própria essência, consciente de que ele mesmo criado, a fim de atormentar a pobre
humanidade indefesa, para, afinal, lhe impor as maiores torturas, por toda a
eternidade, ao passo que outro irá gozar as delícias do Paraíso.
206 Príncipe J. Lubarsmiski.
207 Pensées, XXIV, 3 — Ed. M. Havet, p. 295.
311
Sois Papa, sois bispo, sois cristão ou entre cristãos; se, porém,
houvesses nascido na Turquia, na Índia, na Grécia ou alhures, certamente seria o
mais fanático dos muçulmanos, dos budistas ou dos cristãos ortodoxos.
E, se, em boa lógica, Deus é quem cria os espíritos para atirá-los em duas
extremas eternidades, não é justo que ele povoe essas regiões, antagônicas ao
Catolicismo, de pobres espíritos inconscientes, para fazê-los sofrer no fim de uma
efêmera existência.
Mas isso é um mistério, responde o padre, e mistério não se discute.
Diógenes, o Cínico, célebre filósofo grego, já dizia que os "Mistérios"
tinham a pretensão de garantir a felicidade eterna a celerados, uma vez que fossem
iniciados, ao passo que homens honestos que deles se afastam terão de sofrer nos
infernos208.
De fato, repugna aceitar que um homem virtuoso, caridoso, temente a
Deus, possuindo, em suma, todos os requisitos de um santo, como os há aos
milhões em credos contrários e em várias partes do mundo, se veja condenado
como herege à excomunhão e às penas eternas de um inferno, só pelo fato de não
aceitar os dogmas de um certo credo que lhe cerceia a liberdade de pensar, ao
passo que um celerado, assassino, ladrão, devasso e hipócrita, merecerá todas as
honras e as regalias do céu, uma vez que ele tenha abdicado do seu livre-arbítrio,
como fazem os jesuítas e satisfaça as tabelas absolutórias dos maiores crimes, ou,
na hora extrema, se tiver tempo, peça perdão a Deus, o que não deixa de ser de
uma grande comodidade para os bandidos, mas pouco edificante em moral e
religião.
208 SALOMON REINACH — Lettres a Zoé.
312
Reencarnação
Se a doutrina que Paulo diz ter recebido de Jesus é uma Verdade, Paulo
ensina que nossa alma tem de reencarnar-se em sucessivas vidas, neste ou em
outros planetas até chegar à perfeição, reintegrando-se na Essência Divina, da qual
emanou e por culpa sua decaiu, o que está de acordo com o próprio ensino
mosaico, brâmane, búdico, zoroástrico, órfico, pitagórico, platônico, do Cristo e dos
próprios selvagens de todos os sertões do mundo.
Ora, é claro que não poderíamos em tão poucas linhas documentar cada
uma dessas doutrinas, por isso citaremos, por assim dizer, ao acaso, Salmos CXLVI,
4, que Jesus cantava nas Sinagogas, como era de seu dever: "Sai-lhe o espírito,
volta para a terra; naquele mesmo dia perecem seus pensamentos", isto é,
desencarna-se, reencarna-se e esquece sua vida anterior.
Orígenes, considerado por São Jerônimo como a maior autoridade da
Igreja, diz em seu livro De Principiis: "As causas das variedades de condições
humanas eram devidas às existências anteriores". "A maneira como cada um de nós
põe os pés na terra, quando aqui aportamos, é a conseqüência fatal como agiu
anteriormente no Universo". "Elevando-se pouco a pouco, os espíritos chegaram a
este mundo e à ciência dele, daí subirão ao melhor mundo e chegarão finalmente a
um estado tal que nada mais terão de ajuntar".
O próprio Jesus, respondendo aos apóstolos que o interpelaram a
respeito de Elias, lhes disse: "Já esteve entre vós e não o conhecestes" e a um
fariseu: "É preciso renascer outra vez para alcançar o reino do céu".
313
João XIV, 3 e referências, põe na boca de Jesus a seguinte frase: "Se eu
for209, virei Outra vez..."
E no mesmo João III, 6: "O que é nascido da carne é carne, e o que é
nascido do espírito é espírito. Não vos maravilheis de ter dito: necessário vos é
nascer de novo".
Atos I, 22 — referindo-se a João: "Se eu quero que ele fique até que eu
venha..." João morreu aos 96 anos, sem que Jesus voltasse.
Assim se exprimindo, Jesus repetia a súmula da doutrina búdica que se
resume na preparação de uma nova alma, isto é, reconsiderar seus erros, seus
pecados, pedir perdão a Deus, evitando, sobretudo, de reincidir, pois Deus, como
Pai Misericordioso, perdoa a seu filho, e não o condena a penas eternas como faz o
Catolicismo; e, se o malfeitor ou iníquo não quiser abandonar sua vida de erros, terá
de recomeçar nova existência até ser reintegrado na essência da qual emanou, e
antes dessa reencarnação, segundo a Cabala dos Judeus, os espíritos combinam
de se unirem na terra, ou por matrimônio ou por outro modo, a fim de se
coadjuvarem para a perfeição.
Segundo Léon Denis210, o Krishna na Índia e o Cristo da Judéia seriam a
mesma entidade espiritual reencarnada na terra, em suas épocas próprias.
E. Heuseler211 conclui que o último Buda que existiu estaria na 550ª
reencarnação.
No Bhagavad-Gita (o Evangelho da Índia), Krishna assim se exprime: "Eu
e vós tivemos vários nascimentos. Os meus só são conhecidos por mim; mas vós
não conheceis os vossos. Conquanto eu não seja mais, por minha natureza, sujeito
209 Tal condicional estabelece uma dúvida pouco agradável, depois de muitas asserções neste
sentido.
210 Le Génie Celtique et le Monde Invisible.
211 L'âmc et le dogme de Ia transmigration dans les livres sacrés de l'Inde ancienne - I928.
314
a nascer ou morrer, contudo, todas as vezes que a virtude declina no mundo e que o
vilão e a injustiça exorbitam, então eu me torno visível e, assim, me mostro de era
em era para a salvação do justo, o castigo do mau e o restabelecimento da virtude".
"Tudo que nos sucede neste mundo é a
conseqüência dos atos anteriores. Somos o que pensamos, e
os atos da presente existência amadurecem em uma vida
futura."
E crença no Budismo que Krishna é a reencarnação de Rama, e, Issa212 é
a 23ª reencarnação de Buda.
Buda, na primeira página do Itivutaka, diz: "Eu sou vossa segurança para
o retorno à terra".
Os muçulmanos esperam do mesmo modo a volta de Maomé, como os
primitivos cristãos e Paulo acreditavam firmemente na próxima volta de Jesus que
devia ser efetuada naquela geração, antes que as que ali estavam morressem. Ou
foi por brincadeira que ele fez essa promessa?
Entretanto, diz o príncipe J. Lubomirski213: "Ensinar ao proletário que,
depois da sua morte, ele tornará a ver num dado momento o Sol, a vegetação e
seus semelhantes, que ele gozará com mais largueza dos prazeres terrestres,
apenas pressentidos por ele e verá, ao mesmo tempo, diminuir as misérias da sua
atual existência e isso com a condição de trabalhar para o bem-estar comum da
humanidade, de que ele beneficiará sob outro invólucro, não será encorajá-lo ao
bem?"
212 Nosso Jesus, segundo NICOLAS NOTOVICH.
213 Une réligion nouvelle.
315
Essa antiqüíssima doutrina da reencarnação, conhecida no mais
recôndito da terra, professada pelos sábios da Grécia, pelas escolas de Alexandria e
outras, por Cristo, antes e depois dele, por Orígenes, São Jerônimo, Swedenborg,
Allan Kardec e por vários pais da Igreja, foi violentamente abafada pelo fanatismo de
bispos sem cultura e sem freio, no Concilio de Nicéia, em 325, a fim de limitar a
existência da alma a duas eternidades: a do paraíso e a do inferno, em cujos
domínios a Igreja Romana pretende manter a chave a justificar a criação do
Purgatório, sua principal fonte de renda.
Segundo a metáfora de Ed. Schuré214, a encarnação do Cristo — Jesus se
assemelha ao fenômeno da tromba marítima. O mar arqueando o dorso em
corcovos agudos parece ir ao encontro da nuvem negra que, em turbilhão
espiralado, desce sobre ele.
De repente, as duas pontas se atraem e se confundem, como duas bocas
tilânicas. A tromba está formada! O vento bebe o mar e o mar absorve o vento!
Assim foi o Cristo, o Messias, que, descendo do mundo espiritual ao
mundo físico, através do plano astral e do plano etéreo, se assemelha ao meteoro
marítimo. Ele absorve o mundo e o mundo o absorveu.
A vida de Jesus foi uma confirmação pública dos antigos Mistérios a que
se assistia nas iniciações dos tempos do Egito, da Grécia e outros.
Como não tratamos neste trabalho de fazer a apologia de um
determinado Credo, aconselhamos ao nosso leitor católico ou acatólico a leitura
metódica das obras que tratam da reencarnação, encontradas na Livraria da
Federação Espírita.
214 L'Évolution Divine.
316
E certo que seu espírito inteligente ou o seu guia espiritual fará brotar em
seu cérebro a centelha que lhe iluminará a estrada.
A adivinhação, a feitiçaria, a crença em sonhos, os fantasmas e seus
derivados: duendes, lobisomens, mula-sem-cabeça etc., os intermediários entre
vivos e mortos, hoje chamados de médiuns, são fatos que remontam a uma tal
Antigüidade, que é impossível estabelecer-lhe, sequer, um período, pois
encontramos essa crença não só no mais recôndito das selvas e nas ilhas da
Oceania, entre tribos que, de humanas, só têm a forma, Como entre os povos de
adiantadas civilizações, o que prova que os primitivos habitantes deste globo,
afastadíssimos uns dos outros, se entregavam, com fundamento, a essas práticas
metapsíquicas.
Assim é que na China, 3 mil anos antes de Cristo, o espiritismo já era bem
conhecido. Uma prancheta servia de médium entre o morto e seus descendentes.
Invocavam-no com preces, música e canto. E quem o relata agora é Léon Wieger,
incorruptível missionário católico, no Tcheli, na parte que lhe toca na obra —
Christus — de Joseph Huby, p. 135, Religiões e doutrinas da China.
Na Índia, Buda já dizia que tudo quanto nos sucede neste mundo é a
conseqüência dos atos anteriores. Somos o que pensávamos; e os atos presentes
amadurecem numa vida futura.
Swedenborg, o filósofo místico, falecido em 1772, foi talvez, senão o
primeiro médium vidente e auditivo, muito antes do aparecimento das irmãs Fox,
pelo menos um dos que se salientaram pelo saber, médico como era, e pelas suas
virtudes morais. A diferença que se nota em suas manifestações é que, em vez de
invocar os desencarnados, ele desprendia seu espírito que ia ao empíreo ver e ouvir
317
as lições de Jesus, tal como procedem aos budistas. Suas obras podem ser
consultadas, com proveito, pelos estudiosos.
As visões de entidades ultraterrestres, as audições de vozes celestiais, as
manifestações materiais, aparentemente infratoras das leis da física, são fatos
constatados pela ciência positiva e pelo próprio clero católico, como já temos citado
no correr deste trabalho, clero inimigo da doutrina espírita, pois, a negá-los, teria de
negar os mesmos fenômenos de que estão cheios o Evangelho e a Bíblia.
Na Bíblia são os querubins que, de espada em punho, guardavam a porta
do paraíso, para que o casal desobediente ali não mais penetrasse; são sarças
ardentes a falar com Moisés; são vozes de trovão arengando o povo de Israel; são
querubins a confabular com Abraão e outros patriarcas e reformadores; são mãos
luminosas aparecendo no festim de Baltazar; são os profetas em contínuas
audiências com Jeová; são espíritos falando pela boca de um asno para convencer
sua carga humana; são aparições do espírito de Samuel, invocado pela pitonisa e
muitos outros fenômenos espiríticos (espirituais), que seria fastidioso espiolhar no
Pentateuco.
Nos Evangelhos, é um anjo que anuncia a Maria seu faustoso
acontecimento; são anjos a reconfortarem Jesus; são Madalenas dialogando com
espíritos; é o próprio Jesus aparecendo aos seus discípulos; são repetidas aparições
da virgem mãe, sob várias invocações; são legiões de maus espíritos encarnados
em corpos humanos e transferidos por Jesus para uma manada de porcos, por um
jogo de passe-passe; é o próprio Satanás aparecendo a Jesus e transportando-o
sobre suas asas, à guisa de aeroplano; são mulheres de visões e audições de
vozes, sentidas por santos e santas do Catolicismo.
318
Em suma, a humanidade sempre esteve em constantes relações com o
Além. Nada se fazia ou se faz sem consultar o mundo celeste ou infernal.
Entretanto, o clero ignorante e fanático, aquele a quem é vedada a leitura
de obras profanas que não tenham o necessário Nihil obstat e o Imprimatur, que
desconhece a aceitação desses fenômenos supranormais, como os qualificou o
sábio Charles Richet, em sua Metapsíquica, não só por parte da Ciência como, o
que é mais interessante, por parte dos seus próprios teólogos, trepa no púlpito de
uma igreja e, de lá, desanda uma desenfreada catilinária contra os espíritas, contra
aqueles que, a exemplo dos seus santos (e como ele próprio faz invocando santos),
invocam espíritos desencarnados, os quais, com suas novas luzes, guiam os
homens na terra, no caminho do bem, do amor ao próximo, da caridade
incondicional, para a felicidade desse mesmo clero e da humanidade em geral.
Para esses energúmenos, todos os fenômenos espirituais que não sejam
produzidos por seus adeptos são obras do diabo, sem se lembrarem, para serem
coerentes, se este termo não se chocasse com sua própria incoerência, que o
princípio do Mal, criado por Zoroastro, e por ele adotado como entidade dogmática,
já deve estar completamente regenerado pelas virtuosas prédicas que ele mesmo
transmite à humanidade por intermédio dos médiuns espíritas.
O Budismo aceita a crença da reencarnação que já vem de tempos préhistóricos.
O Mosaísmo aceita a mesma crença, embora proíba as invocações.
O Cristianismo, pela boca do seu próprio fundador, aceita igualmente
essa crença.
319
Só o Catolicismo, em desacordo com a doutrina do Mestre, recusa
formalmente aceitar as sucessivas reencarnações, forjando para seu fim comercial
duas eternidades com parada de descanso e respectiva tarifa de trânsito.
Pluralidade dos Mundos
Mas, não se segue daí que, desencarnado um espírito, ele tenha
forçosamente de reencarnar-se nessa misérrima jaula de feras humanas.
Então para onde ela irá?
Jesus mesmo nos responderá com suas palavras: "Na Casa de meu Pai,
há muitas moradas", referindo-se, assim, à imensidade infinita de mundos
habitáveis.
Para dar uma pequeníssima idéia dessa imensidão indescritível do
Universo sideral, peguemos um punhado de pó, atiraremos para o ar e o
fotografaremos imediatamente. Que vemos na chapa? O mesmo aspecto que se nos
apresenta à noite na Via Láctea, a qual pertencemos, bem como o Sol e os planetas
que constituem nosso sistema. Um daqueles minúsculos pontos de poeira, um
pouco mais grosso, representará nosso Sol, e o mais pequenino deles será a Terra
em que vivemos.
Por que só esse microscópico ponto é que seria habitado por nós e os
outros não?
Por que não haveria habitantes nas miríades de pontos que constituem a
Via Láctea?
C. Flammarion responde por nós com sua maestria215.
215 La pluralité des mondes habitats.
320
W. W. Coblenz, sábio físico americano, confirmou, pelos seus estudos em
1924, ser a atmosfera do planeta Marte muito parecida com a nossa, não havendo
mais dúvida acerca da existência de água e dos minerais que possuímos.
Igualmente, R. A. Milikan, também sábio astrônomo americano, verificou a
nova descoberta dos íons emitidos pelos astros, cuja teoria já era conhecida da
antiga astrologia216.
Se compararmos o valor nominal desse pobre planeta, com os demais do
nosso sistema solar e com os milhões de planetas que circulam em redor dos
milhões de sóis, milhões de vezes maiores do que o nosso, constituídos
geologicamente idênticos e com os mesmos gases do nosso, veremos nossa
empáfia reduzida a zero; verificaremos quão ínfima e microscópica é sua capacidade
no Universo, para que o Criador só tivesse povoado esse grão de pó, com uma
humanidade ainda mais microscópica, moldada, conseqüentemente, na sua
microscópica personalidade uma vez que o homem é feito à imagem de Deus.
Para dar ao leitor, não afeito a essas expressões astronômicas, uma idéia
dessas colossais dimensões, faremos ainda uma pequena comparação: por
exemplo, Canope é uma dessas brilhantes estrelas que vemos cintilar à noite no
firmamento, entre milhões de bilhões de outras idênticas. Pois bem, esse pequenino
ponto brilhante é o Sol (como, aliás, todos os outros), um milhão de vezes maior que
o nosso Sol. Se a representarmos do tamanho de uma roda de automóvel, nosso
Sol será representado por um grão de areia colocado sobre o pneumático. Ora,
sendo nosso Sol um milhão e meio de vezes maior que a Terra, façam-nos o favor
de dizer de que tamanho poderíamos representar a Terra ao lado desse grão de
areia?
216 Science et La Vie — Junho 1929.
321
Outra comparação mais palpável é tomarmos a Terra como um grão de
chumbo, colocado sobre um zepelim.
Diante disso, de que tamanho se poderia representar ali o homem e,
portanto, esse Deus?
Pobre vaidade e presunção humana!
Para que serviriam, então, esses milhões de sóis, esses milhões de terras
habitáveis, obedecendo a uma complicada mecânica, com enormes ponteiros
representados pelos infinitos cometas que, em seu giro elíptico, matematicamente
anunciados pela ciência astronômica, marcam imensos ciclos de séculos?
Esses imensos ciclos são contados pelos sábios antigos como
abrangendo um período de 432 mil anos, época em que as constelações voltam à
sua primitiva posição, o que é um fato científico constatado desde uma inconcebível
Antigüidade.
Pergunta D. Mijeikowsky: "Quantos ciclos há? Um número infinito? Não;
três somente, pois o mistério dos Três realiza-se em três mundos". Se isso é certo,
estaremos no segundo ciclo de destruição pelo fogo.
Isso está de acordo com as três terras do Apocalipse de João.
Não está, porém, de acordo com os decretos dos Papas e Concilio, que
querem que todos esses pontos luminosos sejam luminares para clarear a Terra e
que nossa alma tem de ir, quer queiramos quer não, para o céu ou para o inferno.
Se não houvesse essa lei da reencarnação, e se toda alma tivesse de ir
para essas duas extremidades, segue-se, em boa lógica, que Deus há de ter uma
fábrica de almas puras, com suficiente estoque e pessoal de alcatéia e de
prontidão para, nos milhões de atos da fecundação do gênero humano, poder suprir,
322
à Ia minute, todas as nações e raças, para depois atirar essas desgraçadas, que não
pediram para ser fabricadas, umas no céu e outras no inferno.
Não! Não é a Terra o Centro do Universo, como quer o Catolicismo.
Existem outras milhares de terras, com sistemas solares idênticos ao nosso,
obedecendo às mesmas leis de atração e repulsão, e com movimentos rotativos
contrários ao nosso, como sucede a Netuno e Urano que procuram encaixar no
nosso sistema.
Tudo isso era conhecido desde uma Antigüidade pré-histórica, como
provam os monumentos astronômicos do México, do Peru, da Pérsia, do Egito, da
China etc.
Entretanto, o Catolicismo reduziu a cinzas nas fogueiras de Roma o pobre
Giordano Bruno, frade dominicano, e outros, tendo Galileu escapado do braseiro
pela sua célebre retratação, porém foi condenado à prisão em 1633, pelo papa
Urbano VIII, na qual morreu em 23 de janeiro de 1642, sendo-lhe negada a própria
sepultura pelo referido papa! O mesmo sucedeu ao frade dominicano Campanelli,
condenado a 27 anos de prisão. Cristóvão Colombo, o descobridor da América,
Abelardo Savonarola, Vanini e muitos outros foram presos e morreram nas
masmorras, por pregarem a Verdade da Ciência. Descartes foi morrer na Suécia,
Spinoza é proscrito, J. J. Rousseau é cercado de asilo em asilo e uma legião de
outros que seria demorado demais enumerar.
Infelizmente, o catecismo católico, que alguns apologistas preconizam
como o supra-sumo do ensino religioso, continua a enublar o cérebro infantil, com
ser o Sol, a Lua e as estrelas, luminares colocados na abóbada celeste, para
separar o dia da noite, em vez de ilustrar o espírito ainda em embrião, de gerações
futuras, com outras noções que não as que seus próprios observatórios
323
astronômicos reconhecem como antagônicas com aqueles livros. O mais que pode
sair daí são sacristãos; mas não homens de ciência.
Mais tarde se transformarão em reacionários contra o clericalismo, como
acaba de suceder à ultracatólica Espanha e à própria Roma.
Mas o céu deve ser povoado de ignorantes, diz o cura da freguesia... et
pour cause.
Desgraçadamente, estão esses ignorantes espalhados pela face da
Terra, somando uma assombrosa maioria de analfabetos; dentre eles há uma
respeitável porcentagem de cretinos, verdadeiros bosquímanos, que constituem a
fantástica legião de cegos do Catolicismo; uns porque nunca ergueram os olhos
para o firmamento, interrogando-se a si próprios do que vêem; outros por nunca
lerem tido ocasião de admirar pelo telescópio as deslumbrantes maravilhas do
Universo sideral, de observar o incessante nascimento de novos sóis e a morte de
alguns por terríveis explosões ou resfriamentos, de extasiar se ante a ofuscante
cromatonia; outros, ainda, embora tendo vagas noções por leitura passageira de
obras a respeito de astronomia, as põem de parte por incômodas as lições do
catecismo que receberam na infância, lições que lhes falam de uma terra fabricada
às pressas em seis dias e de um Sol e uma Lua, criados no quarto dia, depois de
feita a luz no primeiro dia, pregados na calota celeste para servir de lampiões aos
homens.
Sem que se possa afirmar, no estado atual dos nossos conhecimentos,
que os planetas sejam, de fato, habitados com entes idênticos a nós, podem, pelo
menos, ser habitáveis pelas suas condições vitais, com seres adequados às suas
densidades, embora sem corpo material como o que compreendemos.
324
Se nos deixarmos levar unicamente pelo nosso sentido visual, mesmo
auxiliado pelo telescópio, para descobrirmos habitantes na Lua, por exemplo, que é
o que está mais próximo de nós, o resultado seria o mesmo que se nos
transportássemos sobre ela e empregássemos os mesmos meios de visão para
descobrir habitantes na Terra. Vista de lá, a Terra apresenta o mesmo aspecto da
Lua vista de cá, branca com suas manchas, seus quartos minguantes e crescentes,
e a impressão que nos causaria sobre a existência de habitantes na Terra seria a
mesma que a que nos causa quando olhamos a Lua: negação absoluta de vida
terrena.
É possível que um dia, se é que esta bola não venha a estourar antes
pelo fogo interno que a consome, o homem disponha de possantes aparelhos que
permitam a visibilidade da vida animal nos planetas. E mesmo muito provável que
isso se realize a curto prazo, dado o fantástico progresso da ciência neste século de
luzes, em que já se consegue fotografar os ultra-íons, partículas inimagináveis da
eletricidade, a não ser que o Vaticano, irreconciliável com a ciência e a civilização
moderna, conforme confessa o "Syllabus", implantando o pólo Norte sua bandeira
branca e amarela, como a tiara e a coroa ao centro, restabeleça a proibição desses
estudos, como sendo armas de Satanás, para afastar o homem do caminho de
Roma.
Jesus, São João, São Paulo, os apóstolos, os profetas, São Jerônimo,
Orígenes e muitos sábios e legisladores acreditaram na pluralidade dos mundos.
Pode-se, pois, presumir, sem incorrer na pecha de visionário, que neles
resida uma humanidade, tomando este termo no sentido de espécie, dotada com o
Verbo, embora fisiologicamente diferente, sem o que não poderia respirar, caminhar,
alimentar-se tal qual o fazemos neste vale de lágrimas, e, ipso facto, seu próprio
325
Criador, uma vez que ele é feito de carne e osso como nós, segundo afirma o
Catolicismo.
"Na casa de meu pai há muitas moradas", disse Jesus. Pois bem,
preparemos desde já a nossa, enriquecendo nosso espírito com as luzes da
fraternidade.

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