terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A Vida Mística e Oculta de Jesus(livro parte7)

Milagres
Quase todos os chamados milagres realizados por Jesus já tinham sido
executados por outros reformadores ou magos, como pelo próprio Simão (o mago),
que Jesus conheceu, bem como por Apolônio de Tyana, também contemporâneo de
Jesus, além de Moisés, de Rama, de Krishna, de Buda e inúmeros outros
taumaturgos, pois, prestando-se atenção aos evangelhos, verifica-se que a maioria
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de seus milagres cingia-se a curas de moléstias nervosas, curas essas conhecidas
dos essênios.
São Justino (Dial. com Tryphon, nº 7, p. 105) diz que: "os falsos profetas e
os falsos apóstolos faziam os mesmos milagres que os verdadeiros, não havendo
diferença entre eles, senão que uns agem em nome do diabo e outros em nome de
Deus pai e do seu filho, o Cristo".
Ora, isso significa que ao diabo é dado o mesmo poder que a Deus, o que
torna difícil a distinção, uma vez que o fim é um só: fazer o Bem.
Nas antiqüíssimas esculturas da Índia existem representações de "Rama"
caminhando sobre as águas194, assim como a multiplicação de alimentos, realizada
também por Moisés, durante os 40 anos no deserto, fazendo cair diariamente maná
e codornizes, tal qual fez Jesus, multiplicando pães e peixes em uma certa ocasião,
como Buda já o havia feito, conforme vimos acima.
Jesus teria ressuscitado Lázaro, Pedro também ressuscitou uma jovem
(Atos IX, 40), e, segundo Filostrato, Apolônio de Tiana igualmente teria ressuscitado
uma jovem.
Antes de Jesus, Elias ressuscitou o filho da viúva de Sarepta; Eliseu o
filho da mulher de Sunam; Asclepíades, Empédocles e, posteriormente, Jesus, Paulo
e São Remo teriam ressuscitado mortos, o que, como se vê, deixa de ser monopólio
de Jesus.
Jesus curava os enfermos, como Vespasiano, e muitos outros, impondo
as mãos, conforme praticavam os antigos Magos e os essênios.
194 Révue — Les Arts — nº 57 — setembro, 1906.
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Moisés fazia surgir água dos rochedos195 e Jesus transformava a água em
vinho, como fez Baco.
Moisés passou o Mar Vermelho a pé enxuto, segundo diz a Bíblia196, e
Jesus andou sobre as águas, como Rama outrora e o próprio Pedro também andou
um pedaço.
Moisés jejuou 40 dias, como Jesus também o fez e faziam centenas de
anacoretas, e ainda se verifica na sociedade moderna entre presos recalcitrantes.
O corpo de Moisés não apareceu; dizem ter sido arrebatado aos céus, e o
mesmo se dera com o de Jesus, por invenção muito posterior do Catolicismo. O
próprio Elias, também, já havia sido arrebatado ao céu em um carro de fogo e o
profeta Habacuc, na Babilônia, foi transportado aos ares pelos cabelos. Os sectários
de Khawvaf, o reformador do Zoroastrismo, dizem que, perseguido, ele se elevou ao
céu em um cavalo amarelo, prometendo voltar para vingar-se (J. Vinson).
Se fôssemos colher essa lendas em todos os livros da Antigüidade e em
todas as religiões que surgiram na face da Terra, um livro seria pouco para relatálas.
Ora, naqueles tempos em que não existia imprensa, bastava que um
mago possuidor de uma parcela das ciências templárias produzisse um fato
aparentemente inexplicável, para que este fenômeno, este milagre, se propalasse,
se formasse no espírito público, como modernamente sucede com curas produzidas
195 A vara que Moisés usava era um galho de aveleira, que tem a propriedade de voltar com força
uma das pontas para o lado em que houver água. Foi assim que ela indicou haver o precioso líquido
naquela passagem e uma vez encontrada a fonte fácil foi captá-la. Daí a fantasia de Moisés bater
com a vara em uma pedra seca e fazer dela brotar uma cachoeira — ao mesmo em mágicas teatrais.
— Vide Recherches par leurs influences, de HENRI MAGER — 1914. — Há fonteiros europeus que
se encarregam por este meio de descobrir novas fontes.
196 Esse passo está hoje explicado em livros especiais e relaciona-se com a maré baixa do mar
Vermelho, que Moisés não desconhecia.
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por certos indivíduos, e passasse de gerações a gerações, cada vez mais
acrescidos de um ponto, cada vez mais floreados pela imaginação do contista.
As leis naturais não eram mais conhecidas pelo povo nessa época, com o
desaparecimento das academias templárias; logo o supernatural não se podia
distinguir do natural. Não havia, pois, milagre, mas sinal, porquanto milagre supõe-se
ser o avesso de uma lei natural.
Ora, com as testemunhas de um milagre (ou sinal), sendo, em regra,
constituídas de ignorantes, crédulos e supersticiosos, ou tendo mesmo interesse em
afirmá-lo, este se realizava tão facilmente quanto o prodígio ou o sinal. Daí a
superioridade do milagre sobre o sinal. Pregresso de credulidade essencialmente
católico; pois o israelitismo não admite o milagre como crença.
A cura, portanto, de uma doença era a prova mais convincente que se
poderia dar de uma doutrina. Quem poderia replicar sobre a cura de um aleijado, de
um paralítico ou de um possesso?
Nessa época, a arte de curar não era nem arte nem ciência; era um
mistério.
O acaso é que operava.
E, quando aquele que curasse o fizesse em nome de uma divindade
qualquer, ou pela virtude de tal pessoa, o curado se apressava em honrar tal nome
ou tal pessoa, e de proclamar que esse era o sinal de Deus. Depois, o
acontecimento se passava de boca em boca, chegava ao estado legendário,
transformava-se em milagre e, por fim, acabava por constituir a crença.
Tendo sido sempre a casta sacerdotal a depositária das tradições,
compunha bálsamos, linimentos e receitas, ao acaso, e os aplicava, indistintamente,
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sem base científica, interditando qualquer concorrência leiga, pois dizia ela possuir a
missão de libertar a alma dos falecimentos e o corpo de suas enfermidades.
É verdade que nem sempre ela curava; mas isso pouca importância tinha;
os insucessos eram atribuídos à enormidade dos pecados do paciente e não à
ignorância do médico; era uma punição do céu e não a intensidade da doença; que
era, enfim, a culpa do doente e não do médico.
Daí a justificação do dom de curar que possuíam os apóstolos, segundo
Paulo (I Cor. XII, 7 e Tiago V, 15), dom que só durou até a separação da Igreja e da
Medicina (da Ciência), dom que se tornou completamente leigo, depois de Ambroise
Pare, em 1584.
O bispo Synesius disse que nada é mais acreditável do que o incrível e
que eram precisos milagres, fosse como fosse, para manter a fé do povo.
Disse alguém: "Se a alma não fosse regida por uma lei inteligente,
preexistente, o mundo seria um caos sem as leis matemáticas que o regem, porque
nem o Universo sideral poderia existir, como não existiria".
Milagres, também, com caráter de sobrenatural e não dos menores e
muito superiores aos de Jesus, foram os efetuados por Moisés perante o Faraó nas
oito tentativas que fez para convencê-lo deixar sair seu povo; eram repetidos
imediatamente pelos magos do mesmo monarca, ora transformando a vara em
cobra197, as águas do rio em sangue, o surgimento de legiões de rãs, a
transformação do pó da terra em piolhos, as casas invadidas por enxames de
moscas, o pó produzindo chagas e úlceras no homem, chuva de saraiva, nuvens de
197 Hoje está sabido que a transformação de uma cobra em vara e vice-versa reside na propriedade
que possui uma espécie de ofídio do Egito em tornar-se rígida uma vez que se lhe cospe na boca.
Esta serpente é a víbora Hajé. Basta depois constrangê-la a fechar a boca e carregar a mão sobre a
cabeça. Para acordá-la se rola a mesma fortemente entre as mãos — (Champolion — Figeac).
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gafanhotos etc. etc., pondo de parte o esquisito duelo entre taumaturgos, ordenado
por Jeová, para vencer um rebelde às suas deliberações.
Plínio (Hist. Nat., t. XXX, cap. I) e Ben Ouziel dão, mesmo, dois nomes
dos magos do Egito que operaram à porfia com Moisés, perante o faraó.
Vespasiano operava cura em cegos e paralíticos. Arnufis (mago egípcio)
invocava os demônios e fazia chover à vontade.
O primitivo Cristianismo não destruiu essa prática. Orígenes afirma a
importância de certas palavras egípcias para operar sobre certos demônios, assim
como palavras persas para agir sobre outra classe de gênios indomáveis.
O deus Baco, introduzido na mitologia grega, muitíssimo antes de Cristo,
fez os mesmos milagres que Jesus: curava as moléstias e predizia o futuro. Desde
sua infância foi ameaçado de morte, tal qual Jesus por Herodes. Ele encheu três
vasos com vinho, como fez Jesus. Esse Deus, na legenda grega, era chamado Deus
— Filho de Deus, e isto, é bom repetir, acha-se escrito muitíssimo antes de Jesus
existir.
Hoje que a ciência progride, desde a queda do Poder Temporal e da
extinção do Santo Ofício da Inquisição, hoje, que a Humanidade foi dotada dos
meios de registrar os acontecimentos de outra extremidade da Terra, não mais se
podem admitir milagres, apesar das repetidas tentativas do clero católico; não mais
se acredita na ressurreição de mortos, vítimas de ataques catalépticos; não mais se
pode explorar desabusadamente a credulidade com hóstias ensangüentadas, sabido
que há bactérias que segregam um líquido colorido, por isso chamado — micróbio
milagroso — e que se reproduz sobre a batata, o pão, a hóstia etc.; não mais se
atribui a milagre um homem curar outro pela imposição das mãos ou por meio da
palavra; não mais se aceitam estigmas em santos ou profanos, como sendo marcas
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divinas; tudo tem sua explicação científica e daí a impossibilidade de qualquer
fenômeno, ou suposto tal, passar à posteridade como milagre realizado, apesar dos
incessantes esforços do clero, auxiliado por certos jornais venais que falseiam sua
missão, tal qual a de esclarecer o povo.
O maravilhoso nada mais é do que o impenetrado; um milagre nada mais
é do que um fenômeno inexplicado198.
Segundo Berthelot, o grande sábio francês, "a Ciência desempenha um
papel capital na educação intelectual e moral da humanidade. Pelo conhecimento
das leis da física, a ciência, desde dois séculos, renovou a concepção do Universo e
derrubou, para sempre, as noções do Milagre e do sobrenatural."
Washburn escreveu: "Para lançar um milagre, basta um mentiroso que o
invente e um imbecil que nele creia".
A fábrica de milagres faliu por ter o Catolicismo abusado dos materiais de
primeira ordem de que dispunha nos claustros e entre a massa ignara e crédula,
fabricando o artigo, tão mal imitado, e em tal demasia, a ponto de perder seu valor
na consciência geral.
É verdade que, de vez em quando, a Igreja Católica tenta fazer funcionar
essa fábrica, apregoando, pela imprensa, fatos para impressionar a imaginação do
povo ignorante e deles tirar partido, já obtendo esmolas para edificar-se ali um
templo, sob uma invocação qualquer oportuna, mas nunca uma escola, já mantendo
escravizada essa massa fanatizada; mas a ciência de quem o Vaticano é
irreconciliável inimiga não tarda a desmascarar o embuste, paralisando o movimento
ascendente de tão perniciosa propaganda. É o que sucedeu com a célebre
Manoelina, Santa de Coqueiros; o próprio clero católico ilustrado e sincero,
198 Cel Biottot— Les grands Inspires devant Ia Science.
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destacando-se Monsenhor João Pio, reprova e condena semelhante exploração de
certa imprensa carioca (Diário da Noite — 18-V-1931). E o que ia sucedendo
novamente em janeiro de 1932 com a apresentação de um padre milagreiro, na
estação da Piedade, pelo mesmo vespertino A Noite; esse padre, felizmente, foi
proibido de continuar na sua exploração. Tal notícia chegou a indignar a imprensa
européia, da qual basta citar o jornal A Fraternidade de Lamego (Portugal). Este
jornal corava de vergonha por nós.
As nações deviam repetir a sentença do monarca francês:
"De par le Roy
Defense à Dieu
Defaire miracle
En ce lieu".
Toda a questão para o Catolicismo reside no dinheiro, como já dizia Victor
Hugo: "Vende-se a Virgem a retalho, dois vinténs com milagre, um só sem milagre".
Adão e Eva
Como todas as religiões têm um Princípio em que se assentam seus
dogmas, seu ritual e sua liturgia, procuraremos agora estudar as premissas do
Catolicismo. Se forem falsas, logicamente as conclusões serão falsas.
Como já sabemos que o Cristianismo é uma continuação aperfeiçoada do
Mosaísmo, é claro que os evangelhos aceitem a Gênese como a fonte da Revelação
divina, como a palavra de Deus, e os demais livros do Pentateuco, como escritos
pelos profetas e pelos continuadores de Moisés, se bem que os tradutores e
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Concílios tenham podado os ganhos que os incomodavam e feitos enxertos
heterogêneos.
Assim é que partiram da criação de um casal humano, de uma serpente
verbosa e de uma desobediência, cujas conseqüências infelicitaram o mundo.
Essa lenda do casal junto à Arvore da Ciência, cujo fruto lhe daria a
inteligência, foi tirada por Moisés dos livros babilônios, cuja página ali encontrada
ultimamente reproduzimos abaixo.
Ali se vê o casal sentado, a árvore com sete galhos representando a
ciência, os frutos pendentes e a prolixa serpente.
Para não nos alongarmos copiando in extenso os versículos da Gênese,
empregaremos simplesmente as frases que exprimem a essência dos mesmos,
deixando que o leitor inteligente, como temos certeza de ser o que nos lê, lhes tire
as conclusões:
Assim, se exprime a Gênese:
I, 26 - "... façamos o homem à nossa imagem..."
I, 27 - "... e criou Deus o homem; macho e fêmea os criou..."
I, 28 - "... crescei e multiplicai-vos..." Ora, essa criação foi feita no sexto
dia.
O homem e a mulher já existiam, portanto, aptos a multiplicar-se e a lavrar
a terra (provavelmente com as unhas, pois Deus não lhes deu nenhuma ferramenta).
II, 5 — Entretanto, no sétimo dia, ainda "não havia nem planta, nem erva
do campo, nem homem para lavrar a terra".
A contradição já está patente.
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II, 7 — Por isso que, não havendo no sétimo dia ninguém para lavrar a
terra, formou Deus o homem do pó da terra e deu-lhe vida e o chamou Adão.
II, 18 — "... mas Deus entendeu que não era bom estar o homem só..."
II, 21 — "... por isso o adormeceu, lhe arrancou uma costela..."
Figura 7
II, 22 — "... e formou com ela uma mulher".
Não é mister ser teólogo, sábio ou perspicaz para descobrir nessas
simples linhas a embrulhada dessa narração ontológica.
Idêntica contradição se verifica na questão da vegetação.
I, 29 — "... deu ao homem toda erva que dá semente e toda árvore que dá
fruto, para seu mantimento, isso no sexto dia."
Mas, no sétimo dia...
II, 5 — "... ainda não havia plantas, as quais não tinham nascido por falta
de chuvas." Portanto, Deus não havia dado nem erva nem árvore.
Por felicidade, atualmente, o Vaticano, apesar de irreconciliável com a
ciência e com a civilização moderna, já aceitou a tese de serem esses dias, não
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tomados como compostos de 24 horas, mas imensos períodos geológicos e
cosmogônicos.
Porque, pois, não suprime de seus catecismos essas anomalias
cosmográficas, ensinando à infância o verdadeiro sentido cosmogonico de Moisés?
Vejamos, agora, a questão dos filhos de Adão e Eva:
IV, 1, 2 — "... e concebeu Eva Caim e Abel."
V, 1,2 — "... diz que, no dia em que Deus criou o homem a sua
semelhança, macho e fêmea, isto é, no sexto dia, os abençoou e chamou seu nome
— Adão." — Isso não está certo, porque o nome de Adão só foi dado por Deus no
sétimo dia quando ele o criou do pó da terra; e nesse mesmo dia Adão chamou sua
mulher de Eva, o que não concorda com o versículo citado, nem com o versículo
seguinte (IV, 1,2,3) em que Eva concebeu Caim e Abel, o qual ao cabo de dias foi
assassinado por Caim, com o versículo (V, 3) que diz que Adão, depois de ter
vivido 130 anos, gerou seu terceiro filho Seth. Como pode ser isso, pois, se este
filho só veio a ser concebido depois de uma infinidade de gerações partidas de
Caim? (18, 19, 20, 21 e 22).
Igualmente confusa é a questão do assassinato de Abel e da fuga de
Caim para o deserto.
IV, 8 — "... e Caim matou Abel."
16 — "... e fugiu para a terra de Nod." (?)
17 — "... e ali casou-se e teve um filho."
Ora, como explicar-se essa terra de Nod, com habitantes, pois se não
existia mais ninguém na terra, a não ser Adão e Eva? Só depois é que estes tiveram
Seth o qual gerou Enos... Como? Com quem?
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Acresce dizer que Seth viveu 105 anos quando gerou Enos e depois de
ter gerado Enos viveu mais 807 anos, gerando filhos e filhas a granel, morrendo
então de verdade com 912 anos!
E nessas condições de viverem, morrerem e tornarem a viver para
morrerem de uma vez é escrito todo este capítulo V.
Mas quem possui a chave e o conhecimento da língua templária
facilmente verifica, sem a menor dúvida, representarem todos esses personagens,
templos ou academias, que forneciam iniciados e iniciadas, isto é, sacerdotes e
sacerdotisas, terminando esses patriarcas, fechando a academia um belo dia, por
qualquer circunstância.
Em Loango, os negros acreditam que Deus Mpungu criou o homem de
barro, misturado com sangue animal.
Como essa crença tem certa analogia com a da Babilônia, transmitida a
Moisés, houve missionários que quiseram fazer crer que essas tribos estiveram em
contato com aquele povo. Esse esforço foi facilmente destruído pela Ciência,
provando ser essa crença muito anterior aos sumerianos.
Ademais, tendo havido na terra quatro raças distintas, não se pode admitir
que raças tão diferentes em cores tivessem surgido de um casal de uma só cor.
O Cristianismo, ou melhor, o Catolicismo, tem por base a questão da
queda do homem, isto é, do pecado de Adão e Eva em comerem um fruto proibido.
Daí a necessidade de um redentor e este foi Jesus, mandado à terra por aquele que
criou o dito casal e plantou a célebre árvore.
Ora, isso é uma fábula inadmissível, no sentido que a interpretaram; pois
não existindo infração não pode haver redenção, e, portanto, a suposta missão de
Jesus ter vindo para redimir esse pecado cai logo por terra, porque ele não cessava
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de repetir que vinha para salvar o povo de Israel, filho primogênito de Deus, e a
mais ninguém.
Santo Agostinho em Cidade de Deus diz que a aventura de Adão e Eva e
do paraíso terrestre não passa de ficção e alegoria!
Mas não nos alongaremos mais neste estudo que pode ser continuado
pelos interessados; bastam essas observações, por nós feitas, muito
superficialmente, para provar que as premissas do Catolicismo são falsas, quão
falsa é a interpretação do primeiro sentido da Bíblia em que ele se baseia.
Bem diz o padre Moreux: "O que ler a Bíblia como um livro comum, pode
ficar certo de nada entender nem lhe tirar proveito. Os pais da Igreja já o notaram há
muito tempo; a Escritura oferece três sentidos".
Do mesmo modo pensa o padre Vigouroux — que a Gênese de Moisés é
uma Cosmogonia, isto é, a descrição astrológica do céu e dos fenômenos
meteorológicos que ali se operam por efeito da sua movimentação. Vamos extrair da
obra de Dupuis a Projeção dos símbolos astronômicos que servem de base à
fábula do paraíso terrestre e da Serpente de Eva.
Pelo planisfério da Figura 20, o leitor acompanhará com facilidade a
formação da fábula hebraica sobre a qual assenta todo o edifício cristão.
O céu está ali dividido em duas partes, correspondentes aos impérios de
Orzmud, o deus do bem e da luz, e de Arimã, o deus do mal e das trevas, tal como o
Zenda-Avesta os apresenta. O Cordeiro (Áries) está colocado na porta de Orzmud (à
esquerda) e a Balança que também é a Serpente está na porta de Arimã (à direita).
A felicidade do homem dura nos seis primeiros signos, começando no
sétimo sua infelicidade que dura outros seis. Sob os seis primeiros, do bem e da luz,
vemos as seguintes constelações do zodíaco: cordeiro, touro, gêmeos, câncer, leão
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e virgem, que correspondem, pela ordem, à primavera, ao zefir, à verdura, à seiva e
à flor, ao calor, ao estio, ao bom tempo, à colheita, à vindima.
Sob os outros seis signos, do mal e das trevas, temos a balança (ou
serpente), o escorpião, o Sagitário, o capricórnio, o aquário e os peixes que,
respectivamente, correspondem ao despojamento da natureza, ao frio, à neve, à
bruma, às chuvas e aos ventos impetuosos.
Essas séries de seis correspondem, nas cosmogonias antigas, aos seis
mil tempos, ou seis mil anos em que o homem vive feliz contrastando com os outros
seis mil de Arimã, até que ele torne a ingressar no reino de Orzmud ou paraíso, pelo
qual penetra pela porta do Cordeiro (Áries) e no qual corre o rio Gyon, como se vê
no Apocalipse de João. Nessa porta está postado um querubim armado com uma
espada flamejante para impedir a entrada e defender o Cordeiro.
É esse anjo que proíbe a entrada do primeiro casal delinqüente.
Sobre o Cordeiro vê-se a figura do Sol, que Platão chamava de Filho do
Ser Supremo e de que o Cristo tomou a forma. Foi nessa data que os adoradores do
Sol fixaram sua maior festa, tal qual fizeram os cristãos com a celebração da
páscoa, na mesma data, e os judeus a da passagem do império do mal ao do bem e
à terra prometida.
Vê-se ali entre as constelações o famoso dragão do pólo que guardava as
maçãs das Hespérides e que as esferas representavam enrascado a uma árvore,
como a serpente de Eva, conhecida ainda hoje dos persas e vista nas esferas
árabes.
Todas essas constelações fixam o termo do bem, como as dos hebreus
fixam, no sétimo dia, o repouso de Deus e depois a queda do homem seduzido pela
mulher e pela famosa serpente.
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Depois disso, o homem decaído foi condenado pelo Deus de Moisés a
trabalhar a terra, cujo fato corresponde astrologicamente ao aparecimento das
plêiades, se bem que no sexto dia, quando Deus criara o homem (Gênese I, 27), ele
já havia reconhecido a falta deste para lavrar a terra (Gênese II, 5) e criou (outra
vez) o célebre Adão, predestinado à desobediência e à condenação de lavrar a
terra. Vê-se ali também a estrela Syrius, também chamada Seth, na Gênese.
Ora, por essa história do Cordeiro e da Serpente, astronômica, o leitor
inteligente tem a chave do enigma de uma cosmogonia com uma serpente que
introduz o mal no mundo e um Cordeiro que vem redimir esse mal na época
exatamente dos frutos ou das maçãs. Essa constelação do Cordeiro, na sua marca
astronômica, repele de si as trevas e os rigores do inverno trazidos pela Serpente.
Pecado Original
Um dos principais fundamentos do Catolicismo, senão o principal, que daí
adveio, é a criação do original Pecado Original, que bem se pode considerar como
sendo seu o próprio pecado original!
Foi, segundo essa Igreja, da desobediência do infeliz casal, de que
acabamos de nos ocupar, em ter comido uma fruta proibida, que o Criador,
indignadíssimo, o amaldiçoou e lhe infligiu, por toda a eternidade, e aos seus pobres
descendentes, uma série de pragas, cujo terrível crime, só a Igreja Católica,
Apostólica e Romana tem o exclusivo monopólio de redimir.
Entretanto, esse dogma do Pecado Original não se encontra nem no
Velho nem no Novo Testamento. E obra dos Pais da Igreja, que levaram 400 anos
em fabricá-lo, transformando uma Serpente em Satanás.
Senão, vejamos o que diz a Gênese, a respeito:
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Quando Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para
cultivá-lo e guardá-lo, ele lhe disse: "poderás comer o fruto de todas as árvores do
jardim; mas, quanto à árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás,
pois, se o fizeres, morrerás certamente".
Ora, a serpente era a mais astuta de todos os animais selvagens que
Deus havia feito, e disse à mulher: "Deus te proibiu de comer de toda árvore do
Jardim?" A mulher respondeu à serpente: "podemos comer o fruto das árvores do
jardim; mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: 'não
comerás e nem lhe tocareis para não morrerdes"'. Então, a serpente disse à mulher:
"Não morrereis, é certo; mas Deus sabe que desde que comeres dela vossos olhos
se abrirão e sereis semelhantes a ele, sabendo o bem e o mal". Então, a mulher,
vendo que a árvore era boa para a nutrição, agradável à vista e desejável, porquanto
devia dar a inteligência, tomou do fruto, o comeu e o deu também a seu marido, que
estava perto e este o comeu.
Nesse momento seus olhos se abriram, e eles reconheceram que
estavam nus. Eles coseram folhas de figueira e fizeram túnicas. E tendo ouvido o
ruído dos passos de Deus, que passava no jardim, tomando fresco à tarde, ambos
se esconderam por entre as árvores. Mas Deus chamou o homem e lhe disse:
"Onde está tu, que não te vejo?" Ele respondeu: "Quando ouvi o ruído dos teus
passos no jardim, tive medo, porque estou nu e me escondi". E Deus disse: "Quem
te ensinou que estavas nu? Terás comido da árvore que eu te havia proibido de
tocar?" E o homem respondeu: "A mulher que me destes por companheira me deu o
fruto da árvore e o comi". Então, Deus disse à mulher: "Por que fizeste isso?" E a
mulher respondeu: "A serpente me seduziu e comi". Nisso, Deus disse à Serpente:
"pois já que tu fizestes isso, sejas maldita entre todos os animais domésticos e todos
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os animais selvagens; tu rastejarás sobre teu ventre, e comerás pó durante tua vida.
E eu porei a inimizade entre ti e a mulher e entre tua raça e a sua; esta te perseguirá
na cabeça e tu a perseguirás no calcanhar". A mulher ele disse: "Multiplicarei as
penas de teu parto e com dores parirás. Apesar disso, teus desejos se dirigirão a teu
marido e ele será teu senhor". E ao homem ele disse: "Pois que ouvistes a voz da
tua mulher, e que comestes da árvore que te havia proibido, maldito seja o solo por
tua causa; é com trabalho que tirarás dele teu sustento, durante tua vida. A terra te
dará espinhos, e quando comeres a erva dos campos é com o suor do teu rosto que
te nutrirás, até que volvas a terra, pois dela é que saíste; tu és pó e em pó te
tornarás".
E o homem chamou sua mulher, Eva, pois ela é a mãe de todos os
viventes. E Deus fabricou para ambos vestimentas de pele e os cobriu dizendo:
"Vede, o homem tornou-se nosso semelhante, pelo conhecimento do bem e do mal".
Com medo, então, que Adão não tocasse, também, na árvore da vida, e que depois
de ter comido seu fruto, não vivesse indefinidamente, Deus o expulsou do jardim do
Éden, para que ele cultivasse a terra, onde havia sido fabricado. E quando foi
banido, por causa das dúvidas, Deus estabeleceu no Oriente do jardim do Éden os
querubins armados de espadas flamejantes, para interceptarem o caminho da
Árvore da Vida.
Desta lengalenga, lida no primeiro sentido, cheia de anomalias e contrasensos,
um espírito são não deixará de salientar as seguintes incongruências, para
não empregar outro termo, produzidas por um Deus Criador, Onipotente e
Misericordioso, que fabrica um homem de barro e uma mulher de uma costela, para
guardar um jardim, não habitado por mais ninguém; planta uma árvore
desconhecida da botânica; proíbe que se coma o fruto, proibição esta que ele sabe
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será infringida; suscita uma cobra para vir enganá-los, cobra que anda verticalmente,
na pontinha do rabo, para depois ser condenada a rastejar sobre o ventre, dá-lhe o
Verbo para se exprimir, sem os órgãos necessários a tal fim; que tem medo que o
homem soubesse tanto quanto ele; que anda passeando à tarde pelo jardim,
tomando ar fresco; que assusta o casal com o ruído dos seus passos pesados; que
não sabe onde ele se esconde, por isso o chama e o inquire a respeito; que lhe
fabrica roupas de pele, sem dizer de que animal, e isso, depois do casal ter cosido
folhas de figueira, com uma agulha de espinho e fio de cipó; que condena todas as
fêmeas do reino animal, que não comeram do fruto, a sofrerem as dores do parto;
que, decepcionado de ter o casal se tornado semelhante a ele, pelo conhecimento
do bem e do mal, o expulsa do paraíso e manda dois policiais montarem guarda à
porta do mesmo, para que eles não regressassem.
Essa história da Gênese foi uma adaptação feita por Moisés, como todas
de seu livro, da lenda do Zenda-Avesta, quando os persas andaram pela
Mesopotâmia, 2.300 anos antes daquele legislador, cujas doutrinas deixaram raízes
aqui e ali. Eis essa lenda, segundo Marius Fontane199, extraída do Bundedesh, na
última parte do Avesta:
"Orzmud, o Deus bom, colocou na terra o primeiro
homem e a primeira mulher Meshia e Meshiahé, destinados a
morrer como todos os seres criados. Prometeu-lhes constante
felicidade neste e no outro mundo, com a condição de o
adorarem como sendo o Autor de todos os bens. Durante muito
tempo o casal se conformou com isso, e suas palavras,
199 Histoire Universelle
278
pensamentos e ações eram puros, e executavam santamente a
vontade de Orzmud quando se aproximavam um do outro. Mas,
um dia, o Deus do Mal, Arimã, apareceu-lhes sob a pele de
uma serpente, sua forma habitual, os enganou, pela habilidade
de sua palavra, e fez-se adorar por ele, como sendo o princípio
de tudo quanto era bom: desde então suas almas foram
condenadas ao inferno até a Ressurreição. A vida tornou-selhes
cheia de penas e sofrimentos; tiveram frio, fome e sede, e,
aproveitando-se dos seus tormentos, um demônio veio, e lhes
trouxe uma fruta, sobre a qual eles se atiraram sedentos. Foi a
segunda fraqueza, em conseqüência da qual seus males
dobraram. Sobre cem prazeres anteriores só lhes restou um.
Caminhando, então, de tentação em tentação, de queda em
queda, joguetes dos demônios e da miséria, só conseguindo
prover a existência à força de invenção e de fadigas, eles
esqueceram-se de se unirem durante 50 anos, e Meshia só
concebeu após esse lapso de tempo".
Tais árvores, portanto, não passam de uma alegoria da Cosmogonia de
Zoroastro, como se vê nos planisférios, representando o bem e o mal. Os seis
meses que dominam o hemisfério superior representam o verão e a primavera, luz,
vida e alegria, e são indicados por constelações (Figura 12) das quais faz parte a do
Cordeiro, que simboliza o Cristo; ao passo que o hemisfério sul, outono e inverno, é
precedido pela da Serpente, que representa a noite, a morte e a tristeza, e simboliza
o Diabo.
279
A Serpente Python, a que se refere Moisés, é a constelação do pólo
Norte, que desce com a da Balança, trazendo o frio e as noites longas. Daí a
necessidade de Adão e Eva cobrirem-se com peles.
Da Stella que damos na Figura 7, verifica-se que os dois personagens
estendem a mão para colher um fruto. Atrás da mulher se vê uma serpente erguida.
Outros teólogos, porém, mais audaciosos, consideraram esse famoso
pecado original como a resultante de um ato meramente animal, atraídos pela
mesma lei que rege a multiplicação dos seres vivos. Foi, pois, segundo o
Catolicismo, do saboreamento deste fruto proibido, isto é, do ato da procriação que
surgiu todo esse mal, tanto assim que Adão e Eva se envergonharam de estar nus e
furtaram-se aos olhos do Criador, o qual, escandalizado, pela pouca vergonha,
fabricou-lhes roupas de pele.
Ora, se a união carnal desse suposto par de anjos devesse fazer exceção
à regra da procriação dos demais animais, incluindo o gorila, o chimpanzé e talvez o
Ptecantropo, isso implicaria a idéia de que Deus tivesse fabricado este grão de pó, a
toda pressa, para a exclusiva residência desse ingênuo casal, e isto, em uma
inadmissível ignorância do que teria de acontecer.
Ademais, se por essa desobediência o Onipotente, além de várias
penalidades, condenou Eva a sofrer as dores do parto, como se admitir que todas as
fêmeas de animais, inclusive as daqueles macacos, concebam do mesmo modo,
sem terem comido do célebre fruto?!
A maioria dos primeiros Pais da Igreja Católica era formalmente oposta a
que o Ato da procriação constituísse o pecado original. Entre eles citam-se Santo
Hilário (in Mateus L. XII e XXI, n°. 5), Santo Atanásio (Epístolas IV, ad Serapion 8-
10), Santo Agostinho (Serm. Domini in monte. XXII, Retract, L. I, 9), São Crisóstomo
280
(Homil XLIV), Santo Ambrósio (L. c e et in Luc. S. X, 94), São Tomás de Aquino
(Secunda Secundoe — Quest. CLIV art. 9), São Jerônimo (in Mateus XII e Epístolas
CXLIV ad Marcellano), os quais chegaram a considerar essa doutrina como
blasfematória.
Ora, se em Gênese 1,26,27, 28, Deus criou o homem e a mulher no sexto
dia, abençoou-os, deu-lhes a terra para trabalhar (e não para gozo), e lhes disse:
"Crescei e multiplicai-vos", claro é que, nessa determinação, eleja considerava o ato
da procriação como imprescindível à multiplicação da espécie, não podendo,
portanto, este ato constituir terrível crime, só expurgado milhares de anos depois,
pelas águas batismais de uma futura Igreja Romana.
Antes de Santo Agostinho, a Igreja Cristã repudiava esse dogma.
Para ele, porém, a "fé católica ensina que todos os homens nascem tão
culpados que, mesmo as crianças, são, certamente, condenadas quando morrem
sem ter sido regeneradas em Jesus".
O tema causou tanto horror na própria Igreja que foi preciso que um
Pedro Crisologo imaginasse um sanatório do inferno, a que chamou de Limbos,
para onde as crianças inocentes, mortas meio minuto após o nascimento, iriam
purificar-se, até poderem seguir viagem para o Paraíso.
São Clemente de Alexandria, Orígenes, Pelágio e outros sábios que tais
condenaram essa monstruosa idéia, como ofensiva a Deus e à própria razão
humana.
O papa Pelágio e seus discípulos diziam mesmo que, "se todos os
homens nascessem da cólera eterna daquele que lhes deu a vida; se antes de
pensarem, eles já são culpados, é, pois, um crime hediondo permitir-lhes vir ao
mundo; o casamento seria o mais horrendo delito, e, neste caso, o matrimônio não
281
passaria de uma emanação do Mau Princípio dos Maniqueístas. Isso não mais seria
adorar Deus; mas o diabo".
O interessante de tudo isso é que Pedro, o Chefe da Igreja, como
querem, era de opinião que o dilúvio efetuou uma lavagem em regra nesse crime, e
que a humanidade, sendo depois oriunda do santo homem, escolhido por Deus, o
fervoroso Noé e sua família, não mais co-participava do pecado de Adão (vide Atos
dos Apóstolos).
Mas a Igreja, como é seu hábito, teima em afastar-se sempre dos
fundadores do Cristianismo.
A rotina, o conservadorismo e os interesses políticos de Roma têm
mantido, até hoje, o tabu romano, rodeado de pajés, ornamentados desde a púrpura
à batina preta.
Mas a cristandade, livre das cadeias medievais, vai, aos poucos,
esclarecendo os embustes do seu culto, e dia virá em que o laboratório Papal, no
qual se destilam os maiores venenos da humanidade, rotulados com os nomes de
militarismo, política, diplomacia, feminismo, voará pelos ares, em conseqüência da
explosão humana e dos seus escombros surgirá, então, o Templo da Verdade.
Foi em um Concilio de bispos da África que o tema do pecado original
ficou resolvido, e foi São Cipriano, bispo de Cartago, discípulo de São Tertuliano,
quem propalou, por isso, a necessidade do batismo.
Os partidários foram aumentando até o século IV, quando se deu a
polêmica entre Santo Agostinho e Pelágio, cujos livros foram destruídos
posteriormente pelo clero romano, como tantos outros, se bem que os Concílios de
Diospoles e de Jerusalém, em 415, reconhecessem que Pelágio tinha razão.
282
O Concilio de Milano também foi a seu favor, mas os bispos da África,
estimulados por São Agostinho, pediram ao papa Francisco II que condenasse os
dois Concílios supra, bem como o próprio Pelágio. Inocêncio I interrogou Pelágio e
recusou-se a condená-lo, bem como os Concílios, que o absolveram. Inocêncio I
morreu logo após, e os bispos africanos voltaram à carga, junto ao papa Sózimo.
Este interrogou Pelágio e confirmou a recusa de Inocêncio. Santo Agostinho
estourou de raiva e o forçou para interrogar novamente Pelágio. Sózimo, fracalhão,
com medo de um cisma, terminou condenando Pelágio e seus adeptos.
Foi daí em diante que o dogma do pecado original começou a tomar
foros e a tornar-se, por assim dizer, o pedestal do Catolicismo.
Os primeiros cristãos, não podendo explicar um Deus, princípio do Bem,
como criador do princípio do Mal, imaginaram que ele criou dois filhos: Jesus e o
Diabo, sob forma simbólica de Cordeiro e de Serpente, e que foi por causa da
Serpente que o Cordeiro veio sacrificar-se na terra, para redimir aquele pecado.
A idéia de pecado, de culpabilidade, de castigo, foi inventada para
combater a ciência e a emancipação do homem; é o instrumento do Poder
Sacerdotal, do qual vive; pois, se não houvesse pecador, o clero não teria razão de
ser.
Camille Crevell, um dos 16 apologistas, colaboradores de Christus de
Joseph Huby, na página 115, dá a tradução da prece que o padre da primitiva
religião Nahuatl, do México, há milhares de anos, recitava perante os fiéis: "Ele não
pecou livremente, pois ele agiu sob a influência do astro que se prende ao seu
nascimento". É mais uma prova dos conhecimentos astrológicos de povos
antiqüíssimos e do desconhecimento do pecado de Adão.
283
Ora, por essa Cosmogonia, o suposto pecado de Adão deixa de ser um
fato histórico para ser uma alegoria, e sendo uma alegoria a redenção também o é,
pois sem crime não pode haver redenção nem redentor.
É a luta de Osíris com Tiphon, Orzmud com Arimã, Cristo com o Diabo.
O Mal é uma privação do Bem e uma negação da verdade200.
Na Gênese não se encontra que Deus tivesse condenado o pai Adão ao
inferno, por ter saboreado uma maçã, pois Deus disse: "Se comeres desse fruto,
morrerás certamente".
Ora, como tal se não deu, antes pelo contrário, tendo ele vivido 930 anos,
isso faz crer, com muita razão, que Deus lhe perdoou a desobediência e, nessas
condições, desaparece o pecado original, se é que desobedecer tão ingenuamente
constituísse tão grave crime para recair sobre toda a sua posteridade.
Igualmente, nem no Pentateuco, nem nos Evangelhos, sejam eles
canônicos ou apócrifos, nem nos Profetas, nem nos primeiros doutores do
Cristianismo, se encontra uma só referência a essa invenção, partida no século VII,
da cabeça do volúvel africano Santo Agostinho, debochado e penitente, maniqueísta
e cristão, indulgente e perseguidor, que levou toda sua vida a se contradizer em
suas obras Confissões e Retratações.
Os egípcios, no cap. 125 do seu Livro dos Mortos*, já mencionavam uma
respeitável lista de pecados, isto é, de infrações às leis morais e sociais.
O Catolicismo a copiou, adicionando-lhe o de Adão e Eva, e enriqueceu-a
com mais alguns modernos, que os diabos humanos vão inventando com o
progresso, para gáudio de suas finanças.
200 Frederich Portal — Les Couleurs symboliques.
* N. do E.: O Livro dos Mortos do Antigo Egito, do Dr. Ramses Seleem, Madras Editora.
284
Quanto à infração das leis naturais ou das sociais, como gula, luxúria,
inveja, calúnia etc., ninguém as infringe impunemente neste vale de lágrimas, sem
que seja necessária a intervenção de padres, nesses delitos de lesa-natureza, pois,
para corrigir esses pecados venais, há os médicos e os juízes.
As leis, propriamente ditas, que Moisés instituiu para governar um povo
de seis milhões de almas, são copiadas das de Hammurabi, rei da Babilônia, que
viveu cerca de 600 anos antes dele e 2.123 antes de Cristo e se relacionam com a
Justiça, com a higiene, com o comércio, com a moral, com a sociologia, com a
economia pública e particular etc., tais como as que regem todas as nações
calcadas, aliás, sobre elas e que nada tinham que ver com o culto a Baal, a IEVE
(Jeová) que foi regulado pelo Deuteronômio, pelo Levítico, pelos Salmos, pelo
Eclesiastes. A aparente crueldade que se nota na Lei do olho por olho, dente por
dente (Ex. XXI, 26, 27) é um princípio de jurisprudência para dirigir os juízes em
suas decisões, mas essa dureza tinha por fim libertar a sociedade de então do
iníquo regime do bel-prazer de cada um. Essa pena equivalia à pena de morte, que
também existiu no Brasil, no reinado de Pedro II, sem que jamais este monarca
houvesse confirmado uma só das inúmeras sentenças que eram apresentadas à sua
sanção pelos seus Ministros, aos quais respondia, com um gesto de repulsa dos
autos: "Tem tempo, tem tempo". Bem necessária mesmo seria para pôr um freio aos
apavorantes homicídios que se sucedem, por privações de sentido, a menos que
este país, constituído de uma maioria de católicos, só seja habitado por católicos
loucos, criminosos irresponsáveis.
Nenhuma dessas leis Jesus ab-rogou; ele veio confirmá-las, aprová-las,
ensiná-las aos seus discípulos e ordenando que todos fizessem o que manda
285
Moisés, o que ensinam seus doutores, mas não o que estes fazem, o que quer dizer
que em todos os tempos houve hipócritas que dizem, mas não cumprem.
É exatamente o que se dá com o padre católico, a quem é permitido
pecar, mentindo ou praticando atos contrários à moral, uma vez que faça restrição
mental.
Não basta ao Catolicismo a verdadeira moral contida nos dez
mandamentos, criou ele uma infindável nomenclatura de pecado com três
categorias: capitais, mortais e venais, de que Jeová não cogitou no Monte Sinai,
sendo, porém, forçado agora pelo padre a se guiar, no céu, por essa tabela, para a
distribuição de sua justiça, pois o Vaticano dispõe a seu bel-prazer da clemência
divina, submetida como está a sacramentos e formulários reprovados pelo próprio
Jesus.
O famoso pecado original, portanto, como o entende a Igreja Romana,
isto é, a desobediência de Adão em comer um fruto proibido, nunca existiu em
nenhuma religião e nem Jesus jamais se referiu a isso, e se a Bíblia tem uma
passagem que deu causa a essa interpretação, é em um sentido bem diferente do
das traduções.
Batismo
Tendo a Igreja Católica, em organização, forjado um crime por umas
palavras vagas da Gênese, como repercussão em todo o gênero humano, servindo
de base a seu edifício, é claro que procurasse uma fórmula que fosse capaz de
purificar aqueles que quisessem engrossar suas fileiras. Essa fórmula foi encontrada
logo na passagem do batismo de Jesus.
286
Coube, pois, a São Cipriano a tarefa de criar o dogma do batismo,
embora São Tertuliano (Monogamia) dissesse que as crianças não precisam dessa
formalidade, por serem muito jovens e não saberem o que fazem. Até os adultos,
disse ele, podem ser dispensados disso, unia vez que possuam a Fé.
Foi João, o Batista, filiado à ordem essênia, quem propagou na Palestina
a prática de batizar, como um ritual da sua seita e, por analogia, com as abluções do
Bramanismo, do Budismo e do próprio Mosaísmo. Quando ele convidou Jesus para
que o batizasse, este lhe respondeu, a seu turno: "Deixa por agora" e não o
batizou; o que prova que Jesus não dava importância a esse ato, tanto que nunca
batizou ninguém nem instituiu essa prática em sua doutrina.
Ora, se o batismo católico tem a propriedade de apagar o pecado de
Adão, o batismo de Jesus é um contra-senso, uma vez que a Igreja o apresenta
como filho carnal de Deus e puro de mancha.
Ademais, sua própria mãe, os discípulos e filiados devem todos estar
curtindo as penas do inferno, uma vez que não foram batizados.
As epístolas de Paulo não se referem a esse famoso pecado original. Foi
sobre um versículo obscuro de "Romanos e Coríntios", que começaram, mais tarde,
a bordar este tema, embora ele tenha dito que Jesus veio por nossos pecados
pessoais e não por pecado original de Adão. Paulo diz, mesmo, que todas as
crianças nascem puras.
Os Coríntios, contemporâneos de Paulo, chegaram a ponto de se fazerem
batizar novamente em nome de um parente falecido, para que ele, também, se
salvasse, tal a acanhada compreensão que atribuía virtudes celestiais a um ato
meramente convencional.
287
Os primitivos cristãos não batizavam seus filhos ao nascer. Esperavam
anos e anos para, quando o fizessem, pudesse esse rito apagar todos os pecados
cometidos, sendo este ato adiado, às vezes, como sucedeu a Santo Agostinho201,
mesmo, até a hora da morte.
O que faziam era inscrever a criança entre os catecúmenos, fazendo-lhes
na testa o sinal-da-cruz e pondo-lhes nos lábios uma pitada de sal.
Os anabatistas consideravam louca magia batizar as crianças.
Os donatistas, que se consideravam como os verdadeiros cristãos, por
isso se guerreavam, rebatizavam seus adeptos.
O papa Pelágio declarou necessário no batismo a invocação da Trindade;
mas o papa Nicolau I afirmava que só bastava ser em nome de Cristo.
Estêvão III permitiu que se batizasse com vinho, na falta de água.
Gregório decretou que o batizando, quer consentisse ou não, ficava
sendo vassalo do Vaticano até a morte (Et pour cause).
O papa Teodósio chegou a decretar que "seria decapitado quem não se
batizasse". À vista de tão santa maneira de converter pagãos, não é de admirar que
todos corressem a levar a cabeça, não ao cutelo, mas ao benfazejo chuveiro! E
Jesus não quis batizar João!
Não falaremos da seita dos batistas, dos quacres, dos ebionitas, dos
Elkasai, porque isso nos levaria longe. Todas eram rigorosamente cristãs, mas não
católicas.
Os antigos persas apresentavam o recém-nascido ao padre, perante o
Sol, simbolizado pelo fogo. O padre pegava a criança e a colocava em uma bacia
com água, a fim de lhe purificar a alma. Nessa ocasião o pai dava nome ao filho.
201 LOUIS BERTRAND — Saint-Augustin.
288
Outra praxe paga é essa, copiada pelo Catolicismo, porque no batismo dado por
João, este não aplicou nome algum a Jesus.
A cerimônia do batismo, no verdadeiro sentido de banho expiatório, já
havia, também, na Índia, milhares de anos antes de existir a Europa, tendo daí
passado para o Egito. Na Índia eram as águas do Gange, consideradas sagradas,
como ainda hoje, que possuíam esta propriedade purificadora, apesar de ser o foco
da cólera-morbo; do Gange passou-se para o Indus, igualmente sagrado, de onde
se propagou ao Nilo, do mesmo modo sagrado, para, finalmente, terminar no Jordão,
onde João as empregava com o mesmo fim e como simples formalidade do seu rito.
Na Grande Coll. Dial. 16 (S. P. no E. Kottara Chinês — Livro da Grande
Morte, traduzido no S. B. E. vol. XI, p. 109) lê-se: "Subhaddo, ermita", disse a Santo
Anando: "Feliz amigo Anando, muito afortunado és tu que foste batizado na
presença do Mestre!"
O comentador Budhagoso, do século V, cita escritor mais antigo, quando
disse que Anando espargia água sobre a cabeça de Subhaddo (SBEXI, p. 110).
Na Coll. class. VII 2,11, lê-se: "Nesta ocasião havia um brâmane chamado
Sangaravo, que vivia em Savathi e era um batista (literalmente: um homem que
purifica com água) e acreditava na purificação por meio da água. Ele continuava com
devoção a prática de mergulhar-se na água manhã e tarde. Ora, Santo Anando,
tendo madrugado, entrou em Savathi. E havendo atravessado a cidade, voltou à
procura do Senhor (Buda) a quem disse: ‘Mestre, vive em Savathi um homem
chamado Sangaravo, que é um batista e crê na purificação por meio da água; ele
continua com devoção a prática de mergulhar-se na água pela manhã e à tarde.
Bom Mestre, possa o Senhor, por compaixão, chegar à morada do brâmane
Sangaravo’ “.
289
O Senhor consentiu pelo silêncio.
Visto que o Senhor madrugou, foi à residência do Brâmane Sangaravo. E
o Brâmane, aproximando-se do Senhor, o saudou e lhe cedeu o leito.
Nesse ínterim, o Senhor disse: "O Brâmane, é verdade que és um batista
e crês na purificação por meio da água? Continuas por devoção a prática de
mergulhares manhã e tarde?"
"Sim! Senhor Gotama".
"Que significado vês tu nisso, brâmane?"
"Grande bem, Gotama. O fato é que qualquer ação má que eu tenha
cometido durante o dia eu a lavo com água à tarde e qualquer ação má que eu
tenha cometido à noite eu a lavo pela manhã. Este é o significado que eu vejo, ó
Gotama, em ser batista, e é por isso que eu creio na purificação por meio da água e
assim continuo com devoção a prática de mergulhar na água manhã e tarde".
Buda respondeu: "A religião é um lago, ó brâmane! E a ética não é o
batismo, límpido, estimado pelo maior dos sábios, no qual se deve fazer suas
abluções". Ao que o brâmane se converteu imediatamente.
E evidentíssimo, portanto, que essa prática higiênica nunca constituiu
ritual algum com privilégio de apagar pecado original ou originalíssimo nem João a
empregava com esse fim.
Mas, por que e para que se deixou Jesus batizar, pois, se ele era, como
dizem os evangelhos, isento do suposto pecado original de Adão, pela sua
condição virginal?
É que, com este ato, Jesus proclamava fazer parte da doutrina do profeta
João Batista, que era a de Rama, por isso passou a ser seu discípulo, vindo, porém,
290
a romper mais tarde com ele por causa de certas praxes e costumes que Jesus não
podia adotar.
Em Lucas verifica-se que João, o Batista, era de origem sacerdotal.
João Batista e os essênios professavam a mesma doutrina, afastando-se
dos centros e internando-se nos desertos; Jesus ao contrário fugia do deserto
procurando os centros populosos para melhor espalhar a semente do Reinado da
Paz.
O batismo, nos seus primitivos tempos cristãos, só era dado aos adultos
por espontânea aceitação do credo, como ainda hoje se pratica entre os batistas, os
menonistas, como um diploma de membro da seita e não com a finalidade de apagar
ou remir pecado algum. Esse batismo era aplicado de graça, ao passo que a Igreja
Romana o cobra por bom preço.
Há mesmo casos interessantes em que o cura após proceder ao batismo
de uma criança em agonia, levada aos braços do pai, pobre operário sem recursos,
lhe exigiu o pagamento do ato, sob pena de ser a criança desbatizada, o que causou
indignação entre os fiéis assistentes.
Como este fato está generalizado, deixamos por isso de citar o nome do
padre-capitão, a localidade suburbana e a Matriz.
Ora, se, como dizem os teólogos católicos, o batismo é um sacramento
que tem a propriedade de extirpar o pecado original de Adão e Eva, não deixa de
ser irrisório e até revoltante a cerimônia do batismo de navios de guerra,
monumentos, armas mortíferas etc., com seus respectivos padrinhos e madrinhas,
como estúpido é o ato de certo padre interventor, batizando seu filho espúrio, com o
nome do maior reacionário do século XX — Lenin!
291
A incoerência é tal que assistimos constantemente boquiabertos a
cerimônias de batismo e benzimento de espadas, canhões, navios de guerra e
quejandas armas mortíferas e tudo em nome daquele que veio, exatamente, para
destruir a violência, mandando que se desse a César o que era de César, e a Deus
o que era de Deus, isto é, ao governo a obediência das suas leis políticas e a Deus
a obediência das suas leis de amor (Figura 23).
Um dos mais eminentes estadistas ingleses, Lloyde George, fez em
1929202 a seguinte declaração à imprensa londrina:
"Nunca acreditamos na influência política e social
das igrejas para o bem, posto que elas pudessem exercê-la, se
seus diretores e inspiradores soubessem e pudessem se
amoldar à presente época. A cada dia torna-se mais evidente
que os diferentes cultos são apenas supervivências
materializadas das idéias e anelo espirituais, sem força
própria”.
“A última guerra, sobretudo, demonstrou que as
igrejas cristãs são tão ineptas para o bem, como tão inábeis
para o mal”.
“Sacerdotes de um mesmo credo, crentes em um
Deus de Amor e de Bondade, não relutavam, de parte aparte,
em benzer armas que deveriam tirar o sangue dos irmãos de
outros países”.
202 Gazeta de Notícias, 26 de fevereiro de 1929
292
“Desde os púlpitos das igrejas cristãs, na França,
como na Alemanha, na Áustria, santificaram a matança e a
destruição em nome do Cristo”.
“Como é possível pensar que as igrejas cristãs
possam servir ao ideal da paz?"
Mas há muitos cristãos, na rigorosa acepção moral e religiosa, que não
são batizados. Há outros também que, apesar da aspersão na pia batismal, agem
diferentemente da doutrina. Ao contrário, igualmente, um recém-nascido batizado é
tão cristão como Nietzsche, Renan e outros.
Sendo essa formalidade aceita e praticada na família, ou por convicção
própria, ou por simples atavismo, é claro, que ela procure alistar um recém-nascido
inconsciente, como um futuro soldado nas fileiras romanas. O padre católico
apodera-se da alma do pimpolho desde seu primeiro vagido até seu transporte ao
túmulo, arrancando-lhe neste intervalo o mais que pode de seus bens, indo mesmo
além, se lhe pagarem missas.
Mas, não raro é ver tais católicos batizados, crismados, comungados,
como nós mesmos, libertarem-se na idade da razão, após sérios estudos, da
escravidão espiritual que seus pais lhes expuseram logo que viram a luz. Daí o outro
sacramento: a excomunhão!
E, se chegado a essa idade conseguirmos arrancar o véu que a educação
e a autoridade paterna nos lançaram sobre os olhos desde a meninice, essa
desvendagem nos deve servir para mais firmemente caminharmos iluminados pela
Ciência e pelo raciocínio que as leis canônicas pretendem em vão ofuscar.
293
Quantos seminaristas, uma vez terminados seus estudos, não se
apressam em sacudir o pó dos seus sapatos ao sair dali, onde foram internados
ainda jovens, por obediência aos pais? Quantos dos que permanecem e se ordenam
não se retiram por medo da luta pela vida fora daquele ambiente? Quantos, dos que
tomaram ordens, têm atirado a batina às urtigas, após maduro estudo? São legiões
que assim procedem, horrorizados e enojados da vida enclausurada que levaram e
revoltados contra certos dogmas e sacramentos. Muitos escreveram obras a
respeito. E quantos conservam a batina por simples conveniência?
Os católicos são indiferentes ao verdadeiro culto que tomam como uma
festividade paga. O número de padres diminui de maneira assombrosa, sendo
mesmo notável no Rio de Janeiro a falta de um padre para satisfazer os desejos de
seus paroquianos, o que dá motivo a vergonhosas explorações entre os sacristãos.
As vocações rareiam e as que aparecem são trabalhadas desde a meninice entre a
classe pobre ou proletária, cujos pais, fanatizados, julgam desse modo ter
encontrado um bom futuro para seu rebento e para si próprio, no caso de que ele
galgue os postos até Cardeal e, quiçá, a Papa!
O próprio clero nacional desanima ante a injusta pretensão de
aventureiros estrangeiros que aqui aportam aos milhares.
O fato, pois, de ser batizado não exonera o católico de excomunhão e das
penas eternas do inferno, o que prova que semelhante título não tem valor algum
para o possuidor, uma vez que ele não cumpra os regulamentos, embora continue a
dar provas de uma vida exemplar.
Aí vai um fato oportuno que evidencia o espírito anticristão do
Catolicismo: a imprensa de 16 de fevereiro de 1930 publicou o seguinte telegrama dr
Roma: "Efeitos da Concordata. Um apóstata, excomungado, proibido pelo
294
governo italiano de usar o hábito eclesiástico. Roma, 26 (U. P.) — Teve agora
pela primeira vez aplicação o artigo 29 da Concordata entre a Santa Sé e a Itália,
relativo ao tratamento dispensado pelo Estado aos religiosos apóstatas. O padre
Buonianti, excomungado em 1926, pelas suas idéias avançadas, vai ser obrigado
pelas autoridades civis a não usar a indumentária eclesiástica, segundo a ordem da
Congregação do Santo Ofício, a qual se recusou a obedecer".
E foi o que ele ganhou com o batismo.
Em qualquer outro Credo não se usam esses atos tragicômicos.

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