terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A Vida Mística e Oculta de Jesus(livro parte13)

Incoerências e Contradições dos
Evangelhos
Se fôssemos destacar todas as contradições e as incoerências dos
Evangelhos, o resultado forneceria matéria para um folheto muito volumoso, o que
desgostaria, sobremodo, Santo Agostinho, se fosse vivo, pois, bastava lhe uma só, e
desgostará certamente muitos católicos sem marca, na expressão do padre Júlio
Maria; contudo, pegaremos algumas, com o fim de provar que as quatro colunas do
189 Les Religions du Monde — p. 85 — 1930.
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Vaticano não são inabaláveis como dizem, e proporcionaremos, assim, um ensejo
para fazer meditar um pouco nossos benévolos leitores adversos.
Uma das incoerências que se notam logo em Mateus IX, 9, que prova que
tal evangelho não foi escrito por ele, é quando o fazem dizer: "E Jesus, passando
adiante, viu sentado na alfândega um homem chamado Mateus e disse-lhe: 'Segueme'.
E ele, levantando-se, o seguiu". Ora, quem escreve de si próprio não emprega o
pronome na terceira pessoa.
A primeira incoerência, como já temos repetido tantas vezes, é de não
serem esses quatro livros os únicos que se escreveram a respeito do assunto; eram,
segundo uns, cerca de 50; conforme outros, de 30.
A segunda é terem sido todos esses livros escritos 150 anos após a
ressurreição por adeptos que se guiavam em uma tradição oral, viciada pelo
decorrer do tempo.
A terceira é terem esses quatro livros sido escolhidos pela forma por que
já dissemos, depois de manuseados quatro ou cinco vezes, até chegarem a ser
expurgados de tudo quanto pudesse ir de encontro à facção vencedora, antijudaica,
pelo menos de um modo por demais patente. Daí as interrupções dos discursos, os
saltos etc.
Comecemos nossa catação:
Mateus, Marcos e Lucas dizem que Jesus pregou sua doutrina somente
por um ano, e João diz que ele levou três anos a pregá-la. Ora, a diferença é assaz
notável para admitirmos falta de memória.
A respeito da lenda da Virgem Maria, há contradição entre Mateus e
Lucas: Mateus diz que José habitava Belém, e só por acaso é que foi a Nazaré, na
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sua volta do Egito. E Lucas diz que José habitava Nazaré e para lá voltou depois de
ter ido ao templo fazer a apresentação do menino.
Mateus, que desconhece a visita dos pastores, diz que os Magos
chegaram logo após o nascimento de Jesus, e em seguida à partida de José para o
deserto eles se retiraram, Lucas, que desconhece a história dos Magos, diz que os
pastores chegaram logo após o nascimento de Jesus, e diz que José esperou 40
dias em Belém antes de apresentar seu filho ao templo, de onde ele se retirou logo,
não para o Egito, mas para Nazaré, onde ele permaneceu.
Apesar das torceduras que a Igreja quis dar a esses trechos, nunca ela
conseguirá conciliar a partida imediata de José, de Belém para o Egito, em Mateus,
e a permanência em Belém durante 40 dias, depois do que, ele vai, não para o
Egito, mas para Nazaré.
Em Mateus, José tem por pai Jacó, com 28 gerações desde Davi. Em
Lucas é Heli, o pai, com 40 gerações desde Davi. Nas duas genealogias unicamente
dois nomes é que conferem: Zorobabel e Salatiel, o restante é uma balbúrdia.
A questão da legalidade paterna de Jesus azedou-se no terceiro século,
quando Júlio Africano entendeu solucionar o caso do pai legal, em Lucas, e do pai
legítimo, em Mateus; mas, depois de procurar estabelecer uma sentença final, ele
teve de abandonar sua lógica por duas vezes. A Igreja de hoje vacila e joga com pau
de dois bicos; mas o simples fato dos apóstolos se darem ao trabalho de procurar
uma genealogia para Jesus prova, exuberantemente, que eles acreditavam na
verdadeira paternidade de José e nem cogitavam de sua filiação carnal com Deus,
pai, e ainda menos na intervenção do Espírito Santo, completamente desconhecido
naquela época, pelos judeus.
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Vejamos mais algumas, extraídas do conciso estudo de Alber J.
Edmunds, I Vangeli di Budda e di Cristo, traduzido do inglês para o italiano pelo
professor M. Anesaki, da 4ª edição de Filadélfia em 1908, cuja propriedade literária é
do editor Sr. Remo Sandron. Faremos um confronto entre os Evangelhos e os livros
sacros da Índia, produzindo assim dois fins: um de tornar conhecido o belo e
profundo estudo daquele escritor, mestre em sânscrito e línguas orientais, e outro o
de permitir ao leitor poder mais facilmente tirar suas conclusões.
Assim:
Marcos I, 39 — diz que Jesus ensinou em toda a Galiléia e Lucas IV, 40
diz que ele ensinou na Judéia.
Lucas XVIII, 35: Jesus curou um cego e Mateus XX, 29, diz que foram
dois.
Marcos diz que muitos foram curados, o que significa dizer que nem todos
o foram; mas Mateus diz que ele curou toda doença e enfermidade.
Lucas XXIII, 26 — Mateus XXVII, 32 — Marcos XV, 21 concordam que foi
Simão, o Cirineu, quem levou a cruz ao Calvário e não Jesus que a deixou cair logo;
mas João XIX, 17 diz que foi Jesus quem a levou ao ombro, sem nada mais explicar.
João diz que Jesus morreu no dia 14 de Nisan; Lucas, Mateus e Marcos
dizem que foi no dia 16.
D. F Strauss190 nota que Jesus, pelos Evangelhos, se contradiz a cada
passo: por exemplo, quando ele começou a reunir os apóstolos, proibiu-lhes que se
dirigissem aos pagãos e samaritanos, e, mais tarde, nas suas viagens a Jerusalém,
pela sua parábola do bom samaritano e pela cura de dez leprosos, ele apresentou
aos discípulos os membros desse povo estrangeiro como modelo. Depois da
190 L'ancienne et Ia nouvelle Foi.
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parábola do real festim das bodas, predisse a reprovação dos judeus endurecidos,
substituindo-os pelos pagãos; e, finalmente, depois da sua ressurreição, ordenava
ainda aos apóstolos de anunciar o evangelho a todos os povos sem exceção.
Mateus XVIII, 15 "... repreender seu irmão sem testemunha". Paulo, Tim.
1, 5 a 20, ... manda repreender perante todos.
Mateus XXVII, 44 e Marcos XV, 32 dizem que os dois ladrões crucificados
ao lado de Jesus o insultaram. Lucas XXVIII, 39,42 diz que foi um só que o insultou.
João nada diz a respeito, o fato não tinha a importância que teve depois para Lucas,
que, aliás, lá não esteve. Sobre a frase do outro ladrão, o Catolicismo bordou um
poema.
Marcos V, 2 — Lucas VII, 27 dizem que surgiu um homem endemoniado.
Mateus VIII, 38 diz que foram dois.
João XVI, 30... que Jesus sabe tudo. Marcos XIII, 30, 31 ... ninguém sabe
quando há de ser, nem os anjos, nem o Filho, mas só o pai.
João V, 31... "se eu dou testemunho de mim mesmo, não é verdadeiro
meu testemunho". João VIII, 14... "ainda que eu mesmo sou o que dou testemunho
de mim, meu testemunho é verdadeiro!"
Mateus e Paulo "... Deus prepara as tentações". Tiago... "Deus não tenta
ninguém".
Paulo (Rom.) ... as autoridades são todas de Deus.
Pedro XIII, 1... as autoridades são todas dos homens.
Lucas I, 70 — Zacarias profetizou dizendo: "Como falou pela boca de
seus santos profetas desde o princípio do mundo". Atos III, 21, Pedro arroga a si
esta frase.
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Lucas I diz que relata o curso dos acontecimentos, e, pouco depois (1,
65), diz que colheu tudo da tradição na montanha da Judéia.
Marcos XVI, 7, diz que Jesus apareceu na Galiléia; mas Lucas XXIX, 36
diz que foi em Jerusalém.
E a Igreja Romana tem a coragem de apregoar que os Evangelhos são de
inspiração divina!
Já Santo Agostinho, considerado o mais douto e mais santo da Igreja,
apesar de uma vida de libertinagem e de viver amancebado e com filhos, retratandose
a cada passo (Retratações) do que asseverava antes (confissões), disse, em sua
72º carta a São Jerônimo que, se em qualquer livro da Escritura sagrada se
encontrasse uma só falsidade, uma só contradição, ficaria perdida toda a certeza
do livro.
Então? Não basta este pequeno confronto?
No correr deste estudo haveremos de apontar mais algumas.
O que, porém, não pode admitir contestação é que a doutrina católica é
diametralmente oposta à doutrina de Jesus.
Todas as palavras que Jesus pronunciou, todas as máximas e sentenças
que proferiu, todas as parábolas com que ele respondia às perguntas sem responder
ao pé da letra, já tinham sido escritas por aqueles reformadores, e ainda se
encontram textualmente nos respectivos livros da Índia, da Pérsia, do Egito e da
China.
Diz o padre jesuíta Wallace191: "o católico não se tem compenetrado de
que o Sanatana — Dharma192, é o natural pedagogo que conduz ao Cristo".
191 De l'Évangile au catholicisme par Ia route des Indes.
192 Livro Védico.
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"O Cristianismo é a religião que reinava nos tempos
patriarcais e será a do fim."
"Res ipsa, quoe nunc religio Christiana nuncupatur
erat apud antiquos, nec defuit ab initio generis humani,
quousque Christus veniret in carnem unde vera religio quoe jam
erat, coepit appellari Christiana."
Quem poderíamos achar de mais autorizados para confirmar o que temos
dito?
Todo nosso estudo é encerrado nessas sentenças que não se parecem
com as do pároco da nossa freguesia.
Para comprovarmos o que acabamos de afirmar, destacaremos, de
passagem, algumas frases e sentenças de Jesus que se encontram textualmente
naqueles livros védicos.
Assim:
O budista e o lamaísta acreditam na reencarnação, pois o Grande Lama é
o primeiro Buda que renasce e morre.
Jesus acreditava na reencarnação, tanto que disse que renasceria para
cumprir a Lei e julgar os homens no juízo final. "E, se eu for... voltarei", disse João.
Quando uma vez, referindo-se a João, disse: "Se eu quero que ele fique,
que tendes vós com isso". Mas João não ficou, morreu com 96 anos. Em outra
ocasião, disse ele: "Para obter o reino do céu, é mister nascer outra vez". E ainda:
"Elias já esteve entre vós e não o conhecestes". No Bhadaramyaka, lê-se: "O
brâmane, despojando-se de tudo que o tornou sábio, deve tornar-se criança".
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Jesus disse: "Quem quiser obter o reino do céu, tem que se tornar
criança".
Buda: "Eu sei que um reino me é destinado; mas eu não reclamo reino
deste mundo".
Jesus: "Meu reino não é deste mundo".
Buda, quando menino, foi encontrado debaixo de uma árvore ensinando
anciãos e jovens discípulos.
Jesus foi igualmente encontrado, ainda criança, ensinando no templo.
Buda disse: "Que aqueles que têm ouvido para ouvirem, ouçam".
Jesus empregou a mesma frase.
Buda proibiu a seus discípulos de produzir milagre, mormente para
impressionar o povo; o único milagre que lhes exigia era o seguinte: "Escondei
vossas boas ações e confessai publicamente vossas faltas".
Jesus (Mateus VIII, 11, 12): "Em verdade vos digo que não será dado
sinal algum a essa geração".
Buda: "Não deveis manifestar o poder psíquico, nem operar milagres,
mormente ante leigos. Quem o fizer, será culpado".
Jesus relutava sempre em dar sinais e pedia aos que curavam que nada
dissessem.
Confúcio* quando desanimava ante o indiferentismo do povo, como
tantas vezes sucedeu a Jesus, consolava-se dizendo: "O céu me conhece".
Jesus exclamava igualmente: "O Pai me conhece".
Buda tinha um discípulo chamado Ananda, tão estimado por Buda, como
o foi João por Cristo.
* N. do E.: Sugerimos a leitura de Aforismos de Confúcio, de Confúcio, Madras Editora.
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Ananda, após um longo passeio pelo campo, encontrou Mâhangî, mulher
de humilde classe dos kandatas; ela está junto a uma fonte e ele pede-lhe um pouco
de água. Ela diz-lhe quem é e que se não deve aproximar dela. Mas ele respondelhe:
"Minha irmã, eu não indago da sua casta ou de sua família, eu te peço só um
pouco de água". Essa mulher tornou-se discípula de Buda. (Max Müller).
Jesus disse uma vez: "Se teu olho direito te escandalizar, arranca-o e
joga-o fora, longe de ti" (Marcos IX, 45, 47).
Buda: "Em um livro sacro da Índia, lê-se a parábola de um jovem padre,
cujos olhos brilhantes e sedutores haviam exercido grande império sobre uma dama
que ele vira, e que, por esta causa, resolveu arrancar seu olho direito e o foi mostrar
à dama para lhe fazer ver quão feio ele era" (Max Müller).
Buda: "O que não quiserdes que vos façam, não o faça a outrem".
Jesus: "Faça aos outros aquilo que queres que te façam". — "Faz o bem
a quem te faz mal" já figurava numa antiga inscrição babilônia.
Jesus aconselhava a mesma coisa.
Cabe aqui um pequeno reparo a respeito do Sermão da Montanha. O de
Lucas é abrupto, direto, rude, revolucionário; o de Mateus é mais atenuado, mais
terno, mais harmonioso em seu desenvolvimento.
Por que essa diversidade de sentimentos?
Buda. Em Savati, na Índia, vivia um homem chamado Sangaravo, que
era um batista, literalmente, homem da purificação com água, que acreditava que
esta purificava o corpo e o espírito, mergulhando-se pela manhã ou à tarde. Buda foi
visitá-lo.
Jesus fez a mesma coisa com João, o Batista.
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Buda. No decálogo (123 —col. media 14) lê-se: "Bendito sejas,
Majestade, de ti nascerá um filho eminente" (Majestade ou Déa eram sinônimos).
Lucas I, 28 — "Bendita, tu, entre as mulheres."
Buda, não foi virginal, mas milagroso seu nascimento, pois sua mãe Lalita
Vistara se absteve da união por 32 meses, e dez meses depois concebeu, não
podendo, pois, ser humana a gestação.
Jesus. A mesma analogia.
Buda. O Leão da Tribo de Sakya, segundo Thomaz, é o mesmo Leão
da Tribo de Judá. Foi esse Thomaz quem transportou essa frase para o Egito e a
aplicou a Jesus. Esse leão de Judá figura igualmente nos planisférios astrológicos.
O título de Bom Médico dado a Jesus não é cristão; mas, sim, budista e
encontra-se no cânone budista (Suta Nipata, 36 — Tivutikaka), "Médico
incomparável" é a frase.
Jesus. Um homem perguntou a Jesus: "Bom Mestre, que é preciso fazer
para ganhar a vida eterna?". "Guardai os Mandamentos que são: não matarás, não
cometeras adultério, não furtarás, não caluniarás", respondeu-lhe ele (Mateus XIX,
16, 18).
Buda. Um homem perguntou a Buda: "Que é preciso fazer para obter a
possessão de Bodhi? (o conhecimento da verdade eterna)". "Que precisa fazer para
tornar-se Uposaka? Guardar os mandamentos que são: não matarás, não furtarás,
não cometeras adultério, não mentiras", respondeu-lhe o Mestre (Pittakalayar I, III —
vers.).
Jesus foi tentado no deserto pelo diabo.
Buda foi igualmente tentado pelo maligno.
Zoroastro foi, também, tentado por Arimã.
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Buda: "Eu sou vossa segurança contra o retorno à terra".
Jesus disse que iria preparar o lugar para os justos.
A narração de Lucas, da parábola do filho pródigo, é de origem indiana e
não palestina (Vide Hermon Jacobs. Ed. Joseph Jacobs — Londres, 1889).
Jesus jejuou 40 dias no deserto e foi tentado.
Buda jejuou 28 dias no deserto e foi tentado.
Moisés jejuou 40 dias e foi tentado pelo povo que preferia o bezerro
como ídolo.
Evangelho. Esta palavra é perfeitamente idêntica à indiana: a boa
doutrina — a boa lei — a Boa Nova (Saddharma).
Jesus (Mateus I, 14, 16): "O tempo está maduro, próximo é o reino de
Deus, arrependei-vos e acreditai no Evangelho".
Buda (Dharmagupta Vinaya-Nangid 1117): "Para fundar um Império
Espiritualista, eu vou a Benarés, lá farei tocar o tambor do imortal nas trevas do
mundo".
O primitivo evangelho de Mateus, mencionado por Papia (Euzébio H. E.
III, 39), foi perdido; mas pelo evangelho budista de Itivutaka, que não foi perdido, e
cuja Antigüidade não pode ser contestada, verifica-se a analogia das fórmulas
cristãs com ele, o que denota uma adaptação feita pelos escritores evangelistas
cristãos.
Por exemplo:
No Itivutaka, lê-se:
Buda: "Isso foi dito pelo Senhor (Buda), o Santo, e ouvido por mim".
No evangelho cristão:
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Jesus: "Isso é a expressão do quanto disse o Senhor (Jesus) e assim
reza".
"Isso é a expressão do quanto disse o Senhor e foi por mim ouvido."
Jesus (Marcos IV, 10, 11, 33, 34): "A vós é dado o mistério do reino de
Deus; mas, aos que estão de fora, todas essas coisas se dizem em parábolas".
Buda (Diálogo 143 — C. T. 28): "Ao pai da família nenhum discurso
religioso é revelado; só é revelado aos eremitas" (discípulos iniciados).
Jesus (Lucas VI, 27, 28): "Amai vossos inimigos, fazei bem a quem vos
odeia, abençoai quem vos amaldiçoa, rogai por quem vos despreza".
Buda (Hino da Fé, 3,5 — C. T. Nanzio 1365): "Enganaram-me,
perseguiram-me, denunciaram-me, derrubaram-me. Quem se justifica agindo assim,
não acalma a própria cólera, nem neste mundo será acalmada a ira com a ira; com a
doçura se acalma tudo. Esta é a antiga doutrina: a cólera se vence com a doçura, o
mal com a bondade, a vileza com a dádiva, o mentiroso com a Verdade".
Jesus (Mateus V, 8): "Bem-aventurados os limpos de coração porque
eles verão Deus".
Buda: "Aquele que anda na solidão por quatro meses ao ano e pratica a
meditação com piedade, verá Deus, com ele conversará e o consultará".
Jesus (Mateus VI, 19, 26) — (Lucas XII, 21, 23): "Não acumular ouro na
terra, que o ladrão rouba; acumular tesouros para o céu".
Buda: "Praticar a Justiça é o Tesouro que ninguém pode dividir, nem
roubar e que não passa".
Jesus (Mateus VII — Lucas XI): "O exterior é caiado, mas o interior é
podridão".
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Buda: "Andas bem penteado, vestes boa pele de cabra. O exterior é
limpo, mas o interior é a rapacidade".
Jesus (Marcos VI, 7, 13) ... "que fossem sem sandálias, sem bastão, sem
pão, sem saco, sem dinheiro nem duplo vestuário."
Buda aconselhou a mesma coisa a seus discípulos.
Jesus — (Lucas XI)... "designou o Senhor 70 filiados e os mandou dois a
dois pregar a boa nova."
Moisés fez o mesmo com 70 iniciados. Este número tem relação com as
70 nações conhecidas pela geografia judaica e com outras alegorias indianas, como
veremos no "Adendos".
Buda (Disciplina 1, 10, 11). Mandou que 61 dos seus discípulos
andassem dois a dois, por estradas diferentes, proclamar a religião perfeita e pura. A
cópia do número 70 é de Lucas, porque nenhum dos apóstolos refere-se a tal coisa.
Zoroastro: "Quando Deus organizou a matéria do Universo, ele enviou
sua Vontade, seu Verbo, sob a forma de Luz brilhante, acompanhado por 70 anjos".
João diz que: "O verbo se fez carne, o Verbo era a Luz dos Homens".
Jesus (Marcos I, 35): "Jesus se retirou para o deserto".
(Marcos VI, 46,48) "... pela quarta hora da noite."
(Marcos XIV, 37,38) "... não podeis vigiar por uma hora?"
Buda. Foi para o deserto. Vigiou durante a primeira hora, depois durante
a hora média e de novo durante a última hora.
Jesus (Atos X, 10, 11): "Ele teve fome, desejou comer, mas caiu em
êxtase".
Buda: "Quem pratica o êxtase é para ouvir o som divino, isto é, para obter
o Nirvana".
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O êxtase de Atos é acidental, o de Buda é constante.
Jesus (Lucas VI, 20 — IX, 58) — (Mateus VIII, 30) Aconselham a
pobreza.
Buda (Hino 91,421) Aconselha a mesma coisa.
Jesus (João II, 14, 24, 26): "A fé separada da obra é letra morta".
Buda: "Rigorosa conduta e rigorosa Fé; sem uma a outra nada vale".
Jesus (Paulo — Gálatas, III, 28 — Marcos III, 34, 35 — João XV, 14, 15)
— dizem, por paráfrase: "Seja judeu, grego, escravo ou liberto, todos são um em
Jesus Cristo".
Buda (Enumeração V, 5): "Seja o Gange, o Jaina, o Rapti, o Gogre, o
Mahi, quando deságuam no grande oceano, perdem seu nome e se consideram
como o portentoso mar. O mesmo se dá com o Nobre, o Bramine, o Mercador ou o
Escravo, quando abandonam a vida domestica pelo ascetismo, renunciando ao
próprio nome e à estirpe, para abraçarem a doutrina de Buda".
Jesus (Mateus XXV, 44, 45): "Quem bem fizer a um doente, a mim o faz".
Buda: "Quem assistir um enfermo, assiste a mim".
Jesus (João VI, 60): "Duro é este discurso, quem o pode ouvir? E muitos
discípulos se afastaram".
Buda (após um discurso): "Duro é o Senhor, muito duro é o Senhor. E
seus discípulos se afastaram".
Jesus (Lucas XIX, 37, 38) Toda a descrição acerca da entrada triunfal em
Jerusalém acompanha paralelamente a descrição Pali da entrada de Buda.
Jesus (João VII): "Quem crer em mim, fará sair fogo da água viva".
Buda: "O milagre de Tathagato (termo equivalente a Cristo) consiste em
fazer sair fogo da parte superior do corpo e água da parte inferior e vice-versa".
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Jesus (Mateus XVII, 20, 21): "... se tivésseis fé como um grão de
mostarda, direis a este monte: passa daqui para acolá".
Buda (C. N. VI, 4): "Com a fé se move o Himalaia".
Jesus (Mateus VIII, 16 — Marcos I, 34 — João XV, 20) Falam a respeito
da fé que cura.
Buda (CCXLVI, 14) Discorre acerca do mesmo assunto.
Jesus (João XVI): "Mas tende bom ânimo, eu venci o mundo".
Buda (CCXXII): "Nasci no mundo, cresci no mundo e tendo vindo ao
mundo, aí morro imaculado".
Jesus (João VIII, 12): "Eu sou a Luz do Mundo".
Buda (Livro do Grande Morto): "Depressa o Senhor entrará no Nirvana.
Depressa a Luz do Mundo se extinguira".
Zoroastro já havia dito que Deus mandara seu Verbo, a Luz do Mundo.
Jesus (João VI, 46 — VII, 29): "Não que alguém visse o Pai, senão
aquele que é do Pai; este tem visto o Pai. Eu conheço-o porque dele sou e ele me
enviou".
Buda: "Conheço tanto Deus como seu reino; quanto a via que para lá
conduz, eu a conheço por ter entrado no reino do céu".
Jesus (João XII, 34): "Ouvimos dizer na Lei que o Cristo volta para
sempre".
Buda: "O Tathagato (equivalente a Cristo) pode ficar na terra para
sempre”.
Jesus (Mateus XXVII, 51): "... e tremeu a terra e fenderam-se as pedras"
(na morte de Jesus).
255
Buda: "Quando o Senhor entregou sua Vida ao Nirvana, houve um
grande terremoto, terrível e fulminante".
Jesus (João XIV, 6): "Quem me vê, vê meu Pai".
Buda: "Aquele que vê a doutrina, me vê".
Jesus (João XI, 26): "Quem vive e crê em mim, não morrerá".
Buda: "Quem crer em mim está certo de ter a salvação final".
Jesus (Marcos IX, 2, 8): "... e seus vestidos tornaram-se resplandecentes,
muito brancos, como a neve. E ouviu-se uma voz que dizia: Este é meu filho amado,
a ele ouvi".
Buda (dial. 16. C. I. 2): "Quando eu pus sobre a pessoa do Senhor (Buda)
as vestes de pano e ouro, toda sua pele foi iluminada e era Incomparável, e Santo
Anando disse: 'A ele ouvi' ".
O Pratikarya-sutra conta que Buda mostrava-se à multidão com essa
aparência luminosa. O mesmo contam de Moisés sempre que saía do santuário.
Jesus (Marcos XIII, 31): "... o céu e a terra passarão; mas minha palavra
não passará".
Buda: "Sete sóis passarão, uns após outros, numa imensidade de tempo
incomensurável, e minha doutrina existirá".
Jesus (Mateus XIX, 28): "Quando o filho do homem sentar-se no trono da
sua glória, também vos assentareis para julgardes as 12 tribos de Israel". (O que
prova que Jesus vinha salvar e julgar este povo e não a humanidade inteira.)
Buda: "Quando tudo for consumado, me vereis cheio de esplendores
(Isso foi dito aos seus discípulos)".
256
Jesus (Lucas VII, 16, 19 — Mateus II) (referindo-se a João Batista
quando este mandou dois discípulos indagar de Jesus): "Serás tu que esperamos ou
devemos esperar outro?" (Jesus respondeu): "Dizei-lhe que os cegos vêem etc.".
Buda (dial. 3, C. T. 20) "Pokkarasadi (análogo a João Batista) mandou
seu discípulo Ambattho indagar de Buda se ele era de fato o santo que todos
esperavam. (A resposta deste foi): ‘Aquilo que vos digo não ouvi de ninguém, nem
de filósofo, nem de Brahma, mas daquele que eu conheço, vi e compreendo.’ “
Ascensão — Atos I, 9: "E havendo dito estas coisas, foi elevado às
alturas e uma nuvem o ocultou".
Buda — Enunciação VII, 6 — São Dalbo disse a Buda: "Estou no ponto
de entrar no Nirvana. Então São Dalbo saudou o Senhor e, colocando-se à sua
direita, elevou-se ao céu e manteve-se nesta atitude de meditação, no éter, no
empíreo, e, meditando acerca da natureza da chama, passou-se para o Nirvana".
Essa passagem tem muita coincidência com a frase de Lucas XXIV, 26.
Jesus — Lucas XVIII, 8: "Quando vier o Filho do Homem, porventura
achará Fé na terra?"
Buda — Coll. Num. V, 79. CTNC 468 — Ch. p. NC. 123,470 e 766. "A
disciplina e a doutrina se corromperão ao cabo de 500 anos".
Jesus — João VIII, 12: "Eu sou a luz do mundo".
João IX, 5, 6: "Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo".
Buda — Livro da Grande Morte — Tradução S B E, volume XI, p. 119,
122, 127. "Depressa o Senhor entrará no Nirvana". "Depressa a luz do mundo se
apagará."
Coll. Classif. LVI, 38. (Resumindo) "Quando um Buda surge, findam as
trevas, é a luz do mundo que aparece."
257
Mais analogias
A realeza divina ou sacerdotal é que constituía o que chamavam Homem-
Deus.
A ceia do Cristo é uma comemoração do Êxodo dos israelitas, como a
última ceia de Buda perpetua uma prática igualmente antiga.
Jesus — Pilatos: "Serás tu um Rei?"
"Tu o dizes, eu sou rei. Nasci, vim ao mundo para testemunhar a
verdade."
Buda — Coll. dei Sutta e Coll. Med. Dial. 92:
"Eu sou um rei. Um incomparável rei da religião, etc. — Sou médico
incomparável. Divino, além de tudo. Destruidor do demônio etc.".
In illo tempore dixit Jesus é a frase latina dos evangelhos, para significar
que assim falava Jesus naqueles tempos.
No Itivutaka, lê-se constantemente:
"Isso foi dito pelo Senhor (Buda) e ouvido por mim (Ananda)". "Isso é
exatamente o significado do que disse o Senhor e foi ouvido por mim."
Jesus. Se Jesus pregava o reino do céu, não se compreende que ele
falasse ao povo por parábolas, as quais, depois, eram explicadas aos discípulos,
que, aliás, nem assim chegavam a compreendê-las (Marcos IV, 10, 11,33,34).
258
Buda — Coll. Med. Dial. 143, C T 28.
"Ao pai de família nenhum discurso religioso é revelado, mas sim ao
eremita (pabbajîta)”.
Elias foi arrebatado aos céus, tal qual sucedeu a São Balbo, na Índia, pelo
próprio Buda.
O episódio dos peixes é puramente budístico, com a diferença que, no
texto indiano, está escrito cinco mil peixes, ao passo que Marcos e Mateus
diminuíram para quatro mil e, além disso, se contradizem.
A lenda do Lázaro dos evangelistas é a mesma dos vedas, cuja descrição
levaria longe.
O milagre das bodas de Cana ó uma paródia das três jarras cheias de
água que Baco, na Índia, transformara em vinho.
A primitiva tradição do evangelho de Cristo começa com a pregação de
João, o Batista (Atos I, 22).
Marcos e João não se relerem à infância de Jesus. Há, porém, um
evangelho da infância de Jesus recusado pelos Concílios.
Os "Atos" e as Epístolas não contêm alusão alguma à virgindade de Maria
e ao nascimento de Jesus.
Marcos, não se referindo ao nascimento virginal de Jesus, deixa, portanto,
de o reconhecer, tanto assim que, em I, 10, ele relata que o Espírito Santo entrou em
Jesus, no ato do batismo, do qual se segue que sua filiação divina só foi
reconhecida por Deus dessa ocasião por diante. Assim, dizem:
Marcos I, 9,11: "Tu és meu filho dileto, em ti me comprazo".
Lucas III, 22: "Tu és meu filho dileto, em ti me tenho comprazido",
segundo uns tradutores, e, segundo outros: "Em ti hoje me comprazo", de acordo
259
com o que dizia Justino Martyr: "Tu és meu filho dileto, hoje te hei adotado", como
também se acha escrito em Atos XIII, 33: "Meu filho és tu, hoje te gerei".
Buda disse que sua doutrina duraria ainda 500 anos, até a vinda de outro
Buda. É exatamente o intervalo que separa a morte do último Buda ao nascimento
de Jesus.
A esse respeito diz Saint-Yves: "Os ciclos de mil anos são cromáticos e
se harmonizam em períodos similares de oitavas, de 500 anos. Sua harmonia ou
triplicidade se efetua por três milênios espaçados em períodos de 600 anos193".
Foi assim que, de Pitágoras a Herócles, se estendeu um milênio e o
Paganismo mediterrâneo viveu, arrastando na sua morte, depois de as ter
aniquilado, a maior parte das divisões étnicas do antigo império patriarcal, ele
mesmo em decadência um milênio antes de Pitágoras.
Este milênio se divide em dois períodos de 500 anos. De Pitágoras a Júlio
César, 500 anos. A apoteose de Nimrod (o militarismo) é renovada. Todo o antigo
Paganismo oriental é completamente refletido e agravado no Ocidente. Foi então
que o Verbo adorado pelos patriarcas se encarnou e ressurgiu n'Ele, acima de toda
a humanidade, toda sua tradição, toda sua Revelação passada ou futura.
Cinco séculos depois, continuando sua obra do alto do trono do Invisível,
ele arrancou a apoteose aos Césares, rendendo a Deus o que pertence a Deus: o
Princípio, a Lei, a Razão ensinante e a Razão social da Humanidade.
Desde então, a testa dos Césares é curvada por Ele, sob a potência
espiritual dos apóstolos, representados pela ressurreição de um patriarca Universal
e de outros tantos patriarcas quanto igrejas étnicas.
193 O Arqueômetro, Apêndice I.
260
Foi então que apareceu Herócles. Cinco séculos depois dele, todas as
raças étnicas, aniquiladas pela Roma paga, são ressuscitadas sob a bênção dos
patriarcas de Jesus Cristo, e sua vivificação se encaminha para a realização da sua
civilização, do seu Estado Social, da sua promessa do Reinado de Deus sobre a
terra como no Céu.
Todas as nações revivem com o sopro evangélico, França à frente.
Cinco séculos depois, o Antiverbo, o grande Adversário, faz surgir o
Espírito pagão do seu Inferno: é a Renascença — humanista paga.
Cinco séculos ainda e a Unidade da Europa está a tal ponto destruída,
que todo este continente está doravante à mercê da Ásia e da América.
E em outra página, como corolário, lê-se: Depois das maiores catástrofes,
de guerras, sangue e luto, a Europa pode espetar no Cabo Finisterra uma bandeira
com o seguinte letreiro: "Continente a Vender". Terrível profecia realizada.
Muito mais citações poderíamos apresentar aqui; mas parece-nos que
bastam estas para satisfazer a curiosidade do leitor e provar, suficientemente, que
os Evangelhos são um repositório de adaptações, de simbolismos, de incoerências e
de contradições, que lhe tiram o sabor da originalidade e ainda menos o de
Inspiração divina, como quer o Catolicismo.
Milagres
Quase todos os chamados milagres realizados por Jesus já tinham sido
executados por outros reformadores ou magos, como pelo próprio Simão (o mago),
que Jesus conheceu, bem como por Apolônio de Tyana, também contemporâneo de
Jesus, além de Moisés, de Rama, de Krishna, de Buda e inúmeros outros
taumaturgos, pois, prestando-se atenção aos evangelhos, verifica-se que a maioria
261
de seus milagres cingia-se a curas de moléstias nervosas, curas essas conhecidas
dos essênios.
São Justino (Dial. com Tryphon, nº 7, p. 105) diz que: "os falsos profetas e
os falsos apóstolos faziam os mesmos milagres que os verdadeiros, não havendo
diferença entre eles, senão que uns agem em nome do diabo e outros em nome de
Deus pai e do seu filho, o Cristo".
Ora, isso significa que ao diabo é dado o mesmo poder que a Deus, o que
torna difícil a distinção, uma vez que o fim é um só: fazer o Bem.
Nas antiqüíssimas esculturas da Índia existem representações de "Rama"
caminhando sobre as águas194, assim como a multiplicação de alimentos, realizada
também por Moisés, durante os 40 anos no deserto, fazendo cair diariamente maná
e codornizes, tal qual fez Jesus, multiplicando pães e peixes em uma certa ocasião,
como Buda já o havia feito, conforme vimos acima.
Jesus teria ressuscitado Lázaro, Pedro também ressuscitou uma jovem
(Atos IX, 40), e, segundo Filostrato, Apolônio de Tiana igualmente teria ressuscitado
uma jovem.
Antes de Jesus, Elias ressuscitou o filho da viúva de Sarepta; Eliseu o
filho da mulher de Sunam; Asclepíades, Empédocles e, posteriormente, Jesus, Paulo
e São Remo teriam ressuscitado mortos, o que, como se vê, deixa de ser monopólio
de Jesus.
Jesus curava os enfermos, como Vespasiano, e muitos outros, impondo
as mãos, conforme praticavam os antigos Magos e os essênios.
194 Révue — Les Arts — nº 57 — setembro, 1906.
262
Moisés fazia surgir água dos rochedos195 e Jesus transformava a água em
vinho, como fez Baco.
Moisés passou o Mar Vermelho a pé enxuto, segundo diz a Bíblia196, e
Jesus andou sobre as águas, como Rama outrora e o próprio Pedro também andou
um pedaço.
Moisés jejuou 40 dias, como Jesus também o fez e faziam centenas de
anacoretas, e ainda se verifica na sociedade moderna entre presos recalcitrantes.
O corpo de Moisés não apareceu; dizem ter sido arrebatado aos céus, e o
mesmo se dera com o de Jesus, por invenção muito posterior do Catolicismo. O
próprio Elias, também, já havia sido arrebatado ao céu em um carro de fogo e o
profeta Habacuc, na Babilônia, foi transportado aos ares pelos cabelos. Os sectários
de Khawvaf, o reformador do Zoroastrismo, dizem que, perseguido, ele se elevou ao
céu em um cavalo amarelo, prometendo voltar para vingar-se (J. Vinson).
Se fôssemos colher essa lendas em todos os livros da Antigüidade e em
todas as religiões que surgiram na face da Terra, um livro seria pouco para relatálas.
Ora, naqueles tempos em que não existia imprensa, bastava que um
mago possuidor de uma parcela das ciências templárias produzisse um fato
aparentemente inexplicável, para que este fenômeno, este milagre, se propalasse,
se formasse no espírito público, como modernamente sucede com curas produzidas
195 A vara que Moisés usava era um galho de aveleira, que tem a propriedade de voltar com força
uma das pontas para o lado em que houver água. Foi assim que ela indicou haver o precioso líquido
naquela passagem e uma vez encontrada a fonte fácil foi captá-la. Daí a fantasia de Moisés bater
com a vara em uma pedra seca e fazer dela brotar uma cachoeira — ao mesmo em mágicas teatrais.
— Vide Recherches par leurs influences, de HENRI MAGER — 1914. — Há fonteiros europeus que
se encarregam por este meio de descobrir novas fontes.
196 Esse passo está hoje explicado em livros especiais e relaciona-se com a maré baixa do mar
Vermelho, que Moisés não desconhecia.
263
por certos indivíduos, e passasse de gerações a gerações, cada vez mais
acrescidos de um ponto, cada vez mais floreados pela imaginação do contista.
As leis naturais não eram mais conhecidas pelo povo nessa época, com o
desaparecimento das academias templárias; logo o supernatural não se podia
distinguir do natural. Não havia, pois, milagre, mas sinal, porquanto milagre supõe-se
ser o avesso de uma lei natural.
Ora, com as testemunhas de um milagre (ou sinal), sendo, em regra,
constituídas de ignorantes, crédulos e supersticiosos, ou tendo mesmo interesse em
afirmá-lo, este se realizava tão facilmente quanto o prodígio ou o sinal. Daí a
superioridade do milagre sobre o sinal. Pregresso de credulidade essencialmente
católico; pois o israelitismo não admite o milagre como crença.
A cura, portanto, de uma doença era a prova mais convincente que se
poderia dar de uma doutrina. Quem poderia replicar sobre a cura de um aleijado, de
um paralítico ou de um possesso?
Nessa época, a arte de curar não era nem arte nem ciência; era um
mistério.
O acaso é que operava.
E, quando aquele que curasse o fizesse em nome de uma divindade
qualquer, ou pela virtude de tal pessoa, o curado se apressava em honrar tal nome
ou tal pessoa, e de proclamar que esse era o sinal de Deus. Depois, o
acontecimento se passava de boca em boca, chegava ao estado legendário,
transformava-se em milagre e, por fim, acabava por constituir a crença.
Tendo sido sempre a casta sacerdotal a depositária das tradições,
compunha bálsamos, linimentos e receitas, ao acaso, e os aplicava, indistintamente,
264
sem base científica, interditando qualquer concorrência leiga, pois dizia ela possuir a
missão de libertar a alma dos falecimentos e o corpo de suas enfermidades.
É verdade que nem sempre ela curava; mas isso pouca importância tinha;
os insucessos eram atribuídos à enormidade dos pecados do paciente e não à
ignorância do médico; era uma punição do céu e não a intensidade da doença; que
era, enfim, a culpa do doente e não do médico.
Daí a justificação do dom de curar que possuíam os apóstolos, segundo
Paulo (I Cor. XII, 7 e Tiago V, 15), dom que só durou até a separação da Igreja e da
Medicina (da Ciência), dom que se tornou completamente leigo, depois de Ambroise
Pare, em 1584.
O bispo Synesius disse que nada é mais acreditável do que o incrível e
que eram precisos milagres, fosse como fosse, para manter a fé do povo.
Disse alguém: "Se a alma não fosse regida por uma lei inteligente,
preexistente, o mundo seria um caos sem as leis matemáticas que o regem, porque
nem o Universo sideral poderia existir, como não existiria".
Milagres, também, com caráter de sobrenatural e não dos menores e
muito superiores aos de Jesus, foram os efetuados por Moisés perante o Faraó nas
oito tentativas que fez para convencê-lo deixar sair seu povo; eram repetidos
imediatamente pelos magos do mesmo monarca, ora transformando a vara em
cobra197, as águas do rio em sangue, o surgimento de legiões de rãs, a
transformação do pó da terra em piolhos, as casas invadidas por enxames de
moscas, o pó produzindo chagas e úlceras no homem, chuva de saraiva, nuvens de
197 Hoje está sabido que a transformação de uma cobra em vara e vice-versa reside na propriedade
que possui uma espécie de ofídio do Egito em tornar-se rígida uma vez que se lhe cospe na boca.
Esta serpente é a víbora Hajé. Basta depois constrangê-la a fechar a boca e carregar a mão sobre a
cabeça. Para acordá-la se rola a mesma fortemente entre as mãos — (Champolion — Figeac).
265
gafanhotos etc. etc., pondo de parte o esquisito duelo entre taumaturgos, ordenado
por Jeová, para vencer um rebelde às suas deliberações.
Plínio (Hist. Nat., t. XXX, cap. I) e Ben Ouziel dão, mesmo, dois nomes
dos magos do Egito que operaram à porfia com Moisés, perante o faraó.
Vespasiano operava cura em cegos e paralíticos. Arnufis (mago egípcio)
invocava os demônios e fazia chover à vontade.
O primitivo Cristianismo não destruiu essa prática. Orígenes afirma a
importância de certas palavras egípcias para operar sobre certos demônios, assim
como palavras persas para agir sobre outra classe de gênios indomáveis.
O deus Baco, introduzido na mitologia grega, muitíssimo antes de Cristo,
fez os mesmos milagres que Jesus: curava as moléstias e predizia o futuro. Desde
sua infância foi ameaçado de morte, tal qual Jesus por Herodes. Ele encheu três
vasos com vinho, como fez Jesus. Esse Deus, na legenda grega, era chamado Deus
— Filho de Deus, e isto, é bom repetir, acha-se escrito muitíssimo antes de Jesus
existir.
Hoje que a ciência progride, desde a queda do Poder Temporal e da
extinção do Santo Ofício da Inquisição, hoje, que a Humanidade foi dotada dos
meios de registrar os acontecimentos de outra extremidade da Terra, não mais se
podem admitir milagres, apesar das repetidas tentativas do clero católico; não mais
se acredita na ressurreição de mortos, vítimas de ataques catalépticos; não mais se
pode explorar desabusadamente a credulidade com hóstias ensangüentadas, sabido
que há bactérias que segregam um líquido colorido, por isso chamado — micróbio
milagroso — e que se reproduz sobre a batata, o pão, a hóstia etc.; não mais se
atribui a milagre um homem curar outro pela imposição das mãos ou por meio da
palavra; não mais se aceitam estigmas em santos ou profanos, como sendo marcas
266
divinas; tudo tem sua explicação científica e daí a impossibilidade de qualquer
fenômeno, ou suposto tal, passar à posteridade como milagre realizado, apesar dos
incessantes esforços do clero, auxiliado por certos jornais venais que falseiam sua
missão, tal qual a de esclarecer o povo.
O maravilhoso nada mais é do que o impenetrado; um milagre nada mais
é do que um fenômeno inexplicado198.
Segundo Berthelot, o grande sábio francês, "a Ciência desempenha um
papel capital na educação intelectual e moral da humanidade. Pelo conhecimento
das leis da física, a ciência, desde dois séculos, renovou a concepção do Universo e
derrubou, para sempre, as noções do Milagre e do sobrenatural."
Washburn escreveu: "Para lançar um milagre, basta um mentiroso que o
invente e um imbecil que nele creia".
A fábrica de milagres faliu por ter o Catolicismo abusado dos materiais de
primeira ordem de que dispunha nos claustros e entre a massa ignara e crédula,
fabricando o artigo, tão mal imitado, e em tal demasia, a ponto de perder seu valor
na consciência geral.
É verdade que, de vez em quando, a Igreja Católica tenta fazer funcionar
essa fábrica, apregoando, pela imprensa, fatos para impressionar a imaginação do
povo ignorante e deles tirar partido, já obtendo esmolas para edificar-se ali um
templo, sob uma invocação qualquer oportuna, mas nunca uma escola, já mantendo
escravizada essa massa fanatizada; mas a ciência de quem o Vaticano é
irreconciliável inimiga não tarda a desmascarar o embuste, paralisando o movimento
ascendente de tão perniciosa propaganda. É o que sucedeu com a célebre
Manoelina, Santa de Coqueiros; o próprio clero católico ilustrado e sincero,
198 Cel Biottot— Les grands Inspires devant Ia Science.
267
destacando-se Monsenhor João Pio, reprova e condena semelhante exploração de
certa imprensa carioca (Diário da Noite — 18-V-1931). E o que ia sucedendo
novamente em janeiro de 1932 com a apresentação de um padre milagreiro, na
estação da Piedade, pelo mesmo vespertino A Noite; esse padre, felizmente, foi
proibido de continuar na sua exploração. Tal notícia chegou a indignar a imprensa
européia, da qual basta citar o jornal A Fraternidade de Lamego (Portugal). Este
jornal corava de vergonha por nós.
As nações deviam repetir a sentença do monarca francês:
"De par le Roy
Defense à Dieu
Defaire miracle
En ce lieu".
Toda a questão para o Catolicismo reside no dinheiro, como já dizia Victor
Hugo: "Vende-se a Virgem a retalho, dois vinténs com milagre, um só sem milagre".
Adão e Eva
Como todas as religiões têm um Princípio em que se assentam seus
dogmas, seu ritual e sua liturgia, procuraremos agora estudar as premissas do
Catolicismo. Se forem falsas, logicamente as conclusões serão falsas.
Como já sabemos que o Cristianismo é uma continuação aperfeiçoada do
Mosaísmo, é claro que os evangelhos aceitem a Gênese como a fonte da Revelação
divina, como a palavra de Deus, e os demais livros do Pentateuco, como escritos
pelos profetas e pelos continuadores de Moisés, se bem que os tradutores e
268
Concílios tenham podado os ganhos que os incomodavam e feitos enxertos
heterogêneos.
Assim é que partiram da criação de um casal humano, de uma serpente
verbosa e de uma desobediência, cujas conseqüências infelicitaram o mundo.
Essa lenda do casal junto à Arvore da Ciência, cujo fruto lhe daria a
inteligência, foi tirada por Moisés dos livros babilônios, cuja página ali encontrada
ultimamente reproduzimos abaixo.
Ali se vê o casal sentado, a árvore com sete galhos representando a
ciência, os frutos pendentes e a prolixa serpente.
Para não nos alongarmos copiando in extenso os versículos da Gênese,
empregaremos simplesmente as frases que exprimem a essência dos mesmos,
deixando que o leitor inteligente, como temos certeza de ser o que nos lê, lhes tire
as conclusões:
Assim, se exprime a Gênese:
I, 26 - "... façamos o homem à nossa imagem..."
I, 27 - "... e criou Deus o homem; macho e fêmea os criou..."
I, 28 - "... crescei e multiplicai-vos..." Ora, essa criação foi feita no sexto
dia.
O homem e a mulher já existiam, portanto, aptos a multiplicar-se e a lavrar
a terra (provavelmente com as unhas, pois Deus não lhes deu nenhuma ferramenta).
II, 5 — Entretanto, no sétimo dia, ainda "não havia nem planta, nem erva
do campo, nem homem para lavrar a terra".
A contradição já está patente.
269
II, 7 — Por isso que, não havendo no sétimo dia ninguém para lavrar a
terra, formou Deus o homem do pó da terra e deu-lhe vida e o chamou Adão.
II, 18 — "... mas Deus entendeu que não era bom estar o homem só..."
II, 21 — "... por isso o adormeceu, lhe arrancou uma costela..."
Figura 7
II, 22 — "... e formou com ela uma mulher".
Não é mister ser teólogo, sábio ou perspicaz para descobrir nessas
simples linhas a embrulhada dessa narração ontológica.
Idêntica contradição se verifica na questão da vegetação.
I, 29 — "... deu ao homem toda erva que dá semente e toda árvore que dá
fruto, para seu mantimento, isso no sexto dia."
Mas, no sétimo dia...
II, 5 — "... ainda não havia plantas, as quais não tinham nascido por falta
de chuvas." Portanto, Deus não havia dado nem erva nem árvore.
Por felicidade, atualmente, o Vaticano, apesar de irreconciliável com a
ciência e com a civilização moderna, já aceitou a tese de serem esses dias, não
270
tomados como compostos de 24 horas, mas imensos períodos geológicos e
cosmogônicos.
Porque, pois, não suprime de seus catecismos essas anomalias
cosmográficas, ensinando à infância o verdadeiro sentido cosmogonico de Moisés?
Vejamos, agora, a questão dos filhos de Adão e Eva:
IV, 1, 2 — "... e concebeu Eva Caim e Abel."
V, 1,2 — "... diz que, no dia em que Deus criou o homem a sua
semelhança, macho e fêmea, isto é, no sexto dia, os abençoou e chamou seu nome
— Adão." — Isso não está certo, porque o nome de Adão só foi dado por Deus no
sétimo dia quando ele o criou do pó da terra; e nesse mesmo dia Adão chamou sua
mulher de Eva, o que não concorda com o versículo citado, nem com o versículo
seguinte (IV, 1,2,3) em que Eva concebeu Caim e Abel, o qual ao cabo de dias foi
assassinado por Caim, com o versículo (V, 3) que diz que Adão, depois de ter
vivido 130 anos, gerou seu terceiro filho Seth. Como pode ser isso, pois, se este
filho só veio a ser concebido depois de uma infinidade de gerações partidas de
Caim? (18, 19, 20, 21 e 22).
Igualmente confusa é a questão do assassinato de Abel e da fuga de
Caim para o deserto.
IV, 8 — "... e Caim matou Abel."
16 — "... e fugiu para a terra de Nod." (?)
17 — "... e ali casou-se e teve um filho."
Ora, como explicar-se essa terra de Nod, com habitantes, pois se não
existia mais ninguém na terra, a não ser Adão e Eva? Só depois é que estes tiveram
Seth o qual gerou Enos... Como? Com quem?
271
Acresce dizer que Seth viveu 105 anos quando gerou Enos e depois de
ter gerado Enos viveu mais 807 anos, gerando filhos e filhas a granel, morrendo
então de verdade com 912 anos!
E nessas condições de viverem, morrerem e tornarem a viver para
morrerem de uma vez é escrito todo este capítulo V.
Mas quem possui a chave e o conhecimento da língua templária
facilmente verifica, sem a menor dúvida, representarem todos esses personagens,
templos ou academias, que forneciam iniciados e iniciadas, isto é, sacerdotes e
sacerdotisas, terminando esses patriarcas, fechando a academia um belo dia, por
qualquer circunstância.
Em Loango, os negros acreditam que Deus Mpungu criou o homem de
barro, misturado com sangue animal.
Como essa crença tem certa analogia com a da Babilônia, transmitida a
Moisés, houve missionários que quiseram fazer crer que essas tribos estiveram em
contato com aquele povo. Esse esforço foi facilmente destruído pela Ciência,
provando ser essa crença muito anterior aos sumerianos.
Ademais, tendo havido na terra quatro raças distintas, não se pode admitir
que raças tão diferentes em cores tivessem surgido de um casal de uma só cor.
O Cristianismo, ou melhor, o Catolicismo, tem por base a questão da
queda do homem, isto é, do pecado de Adão e Eva em comerem um fruto proibido.
Daí a necessidade de um redentor e este foi Jesus, mandado à terra por aquele que
criou o dito casal e plantou a célebre árvore.
Ora, isso é uma fábula inadmissível, no sentido que a interpretaram; pois
não existindo infração não pode haver redenção, e, portanto, a suposta missão de
Jesus ter vindo para redimir esse pecado cai logo por terra, porque ele não cessava
272
de repetir que vinha para salvar o povo de Israel, filho primogênito de Deus, e a
mais ninguém.
Santo Agostinho em Cidade de Deus diz que a aventura de Adão e Eva e
do paraíso terrestre não passa de ficção e alegoria!
Mas não nos alongaremos mais neste estudo que pode ser continuado
pelos interessados; bastam essas observações, por nós feitas, muito
superficialmente, para provar que as premissas do Catolicismo são falsas, quão
falsa é a interpretação do primeiro sentido da Bíblia em que ele se baseia.
Bem diz o padre Moreux: "O que ler a Bíblia como um livro comum, pode
ficar certo de nada entender nem lhe tirar proveito. Os pais da Igreja já o notaram há
muito tempo; a Escritura oferece três sentidos".
Do mesmo modo pensa o padre Vigouroux — que a Gênese de Moisés é
uma Cosmogonia, isto é, a descrição astrológica do céu e dos fenômenos
meteorológicos que ali se operam por efeito da sua movimentação. Vamos extrair da
obra de Dupuis a Projeção dos símbolos astronômicos que servem de base à
fábula do paraíso terrestre e da Serpente de Eva.
Pelo planisfério da Figura 20, o leitor acompanhará com facilidade a
formação da fábula hebraica sobre a qual assenta todo o edifício cristão.
O céu está ali dividido em duas partes, correspondentes aos impérios de
Orzmud, o deus do bem e da luz, e de Arimã, o deus do mal e das trevas, tal como o
Zenda-Avesta os apresenta. O Cordeiro (Áries) está colocado na porta de Orzmud (à
esquerda) e a Balança que também é a Serpente está na porta de Arimã (à direita).
A felicidade do homem dura nos seis primeiros signos, começando no
sétimo sua infelicidade que dura outros seis. Sob os seis primeiros, do bem e da luz,
vemos as seguintes constelações do zodíaco: cordeiro, touro, gêmeos, câncer, leão
273
e virgem, que correspondem, pela ordem, à primavera, ao zefir, à verdura, à seiva e
à flor, ao calor, ao estio, ao bom tempo, à colheita, à vindima.
Sob os outros seis signos, do mal e das trevas, temos a balança (ou
serpente), o escorpião, o Sagitário, o capricórnio, o aquário e os peixes que,
respectivamente, correspondem ao despojamento da natureza, ao frio, à neve, à
bruma, às chuvas e aos ventos impetuosos.
Essas séries de seis correspondem, nas cosmogonias antigas, aos seis
mil tempos, ou seis mil anos em que o homem vive feliz contrastando com os outros
seis mil de Arimã, até que ele torne a ingressar no reino de Orzmud ou paraíso, pelo
qual penetra pela porta do Cordeiro (Áries) e no qual corre o rio Gyon, como se vê
no Apocalipse de João. Nessa porta está postado um querubim armado com uma
espada flamejante para impedir a entrada e defender o Cordeiro.
É esse anjo que proíbe a entrada do primeiro casal delinqüente.
Sobre o Cordeiro vê-se a figura do Sol, que Platão chamava de Filho do
Ser Supremo e de que o Cristo tomou a forma. Foi nessa data que os adoradores do
Sol fixaram sua maior festa, tal qual fizeram os cristãos com a celebração da
páscoa, na mesma data, e os judeus a da passagem do império do mal ao do bem e
à terra prometida.
Vê-se ali entre as constelações o famoso dragão do pólo que guardava as
maçãs das Hespérides e que as esferas representavam enrascado a uma árvore,
como a serpente de Eva, conhecida ainda hoje dos persas e vista nas esferas
árabes.
Todas essas constelações fixam o termo do bem, como as dos hebreus
fixam, no sétimo dia, o repouso de Deus e depois a queda do homem seduzido pela
mulher e pela famosa serpente.
274
Depois disso, o homem decaído foi condenado pelo Deus de Moisés a
trabalhar a terra, cujo fato corresponde astrologicamente ao aparecimento das
plêiades, se bem que no sexto dia, quando Deus criara o homem (Gênese I, 27), ele
já havia reconhecido a falta deste para lavrar a terra (Gênese II, 5) e criou (outra
vez) o célebre Adão, predestinado à desobediência e à condenação de lavrar a
terra. Vê-se ali também a estrela Syrius, também chamada Seth, na Gênese.
Ora, por essa história do Cordeiro e da Serpente, astronômica, o leitor
inteligente tem a chave do enigma de uma cosmogonia com uma serpente que
introduz o mal no mundo e um Cordeiro que vem redimir esse mal na época
exatamente dos frutos ou das maçãs. Essa constelação do Cordeiro, na sua marca
astronômica, repele de si as trevas e os rigores do inverno trazidos pela Serpente.
Pecado Original
Um dos principais fundamentos do Catolicismo, senão o principal, que daí
adveio, é a criação do original Pecado Original, que bem se pode considerar como
sendo seu o próprio pecado original!
Foi, segundo essa Igreja, da desobediência do infeliz casal, de que
acabamos de nos ocupar, em ter comido uma fruta proibida, que o Criador,
indignadíssimo, o amaldiçoou e lhe infligiu, por toda a eternidade, e aos seus pobres
descendentes, uma série de pragas, cujo terrível crime, só a Igreja Católica,
Apostólica e Romana tem o exclusivo monopólio de redimir.
Entretanto, esse dogma do Pecado Original não se encontra nem no
Velho nem no Novo Testamento. E obra dos Pais da Igreja, que levaram 400 anos
em fabricá-lo, transformando uma Serpente em Satanás.
Senão, vejamos o que diz a Gênese, a respeito:
275
Quando Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para
cultivá-lo e guardá-lo, ele lhe disse: "poderás comer o fruto de todas as árvores do
jardim; mas, quanto à árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás,
pois, se o fizeres, morrerás certamente".
Ora, a serpente era a mais astuta de todos os animais selvagens que
Deus havia feito, e disse à mulher: "Deus te proibiu de comer de toda árvore do
Jardim?" A mulher respondeu à serpente: "podemos comer o fruto das árvores do
jardim; mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: 'não
comerás e nem lhe tocareis para não morrerdes"'. Então, a serpente disse à mulher:
"Não morrereis, é certo; mas Deus sabe que desde que comeres dela vossos olhos
se abrirão e sereis semelhantes a ele, sabendo o bem e o mal". Então, a mulher,
vendo que a árvore era boa para a nutrição, agradável à vista e desejável, porquanto
devia dar a inteligência, tomou do fruto, o comeu e o deu também a seu marido, que
estava perto e este o comeu.
Nesse momento seus olhos se abriram, e eles reconheceram que
estavam nus. Eles coseram folhas de figueira e fizeram túnicas. E tendo ouvido o
ruído dos passos de Deus, que passava no jardim, tomando fresco à tarde, ambos
se esconderam por entre as árvores. Mas Deus chamou o homem e lhe disse:
"Onde está tu, que não te vejo?" Ele respondeu: "Quando ouvi o ruído dos teus
passos no jardim, tive medo, porque estou nu e me escondi". E Deus disse: "Quem
te ensinou que estavas nu? Terás comido da árvore que eu te havia proibido de
tocar?" E o homem respondeu: "A mulher que me destes por companheira me deu o
fruto da árvore e o comi". Então, Deus disse à mulher: "Por que fizeste isso?" E a
mulher respondeu: "A serpente me seduziu e comi". Nisso, Deus disse à Serpente:
"pois já que tu fizestes isso, sejas maldita entre todos os animais domésticos e todos
276
os animais selvagens; tu rastejarás sobre teu ventre, e comerás pó durante tua vida.
E eu porei a inimizade entre ti e a mulher e entre tua raça e a sua; esta te perseguirá
na cabeça e tu a perseguirás no calcanhar". A mulher ele disse: "Multiplicarei as
penas de teu parto e com dores parirás. Apesar disso, teus desejos se dirigirão a teu
marido e ele será teu senhor". E ao homem ele disse: "Pois que ouvistes a voz da
tua mulher, e que comestes da árvore que te havia proibido, maldito seja o solo por
tua causa; é com trabalho que tirarás dele teu sustento, durante tua vida. A terra te
dará espinhos, e quando comeres a erva dos campos é com o suor do teu rosto que
te nutrirás, até que volvas a terra, pois dela é que saíste; tu és pó e em pó te
tornarás".
E o homem chamou sua mulher, Eva, pois ela é a mãe de todos os
viventes. E Deus fabricou para ambos vestimentas de pele e os cobriu dizendo:
"Vede, o homem tornou-se nosso semelhante, pelo conhecimento do bem e do mal".
Com medo, então, que Adão não tocasse, também, na árvore da vida, e que depois
de ter comido seu fruto, não vivesse indefinidamente, Deus o expulsou do jardim do
Éden, para que ele cultivasse a terra, onde havia sido fabricado. E quando foi
banido, por causa das dúvidas, Deus estabeleceu no Oriente do jardim do Éden os
querubins armados de espadas flamejantes, para interceptarem o caminho da
Árvore da Vida.
Desta lengalenga, lida no primeiro sentido, cheia de anomalias e contrasensos,
um espírito são não deixará de salientar as seguintes incongruências, para
não empregar outro termo, produzidas por um Deus Criador, Onipotente e
Misericordioso, que fabrica um homem de barro e uma mulher de uma costela, para
guardar um jardim, não habitado por mais ninguém; planta uma árvore
desconhecida da botânica; proíbe que se coma o fruto, proibição esta que ele sabe
277
será infringida; suscita uma cobra para vir enganá-los, cobra que anda verticalmente,
na pontinha do rabo, para depois ser condenada a rastejar sobre o ventre, dá-lhe o
Verbo para se exprimir, sem os órgãos necessários a tal fim; que tem medo que o
homem soubesse tanto quanto ele; que anda passeando à tarde pelo jardim,
tomando ar fresco; que assusta o casal com o ruído dos seus passos pesados; que
não sabe onde ele se esconde, por isso o chama e o inquire a respeito; que lhe
fabrica roupas de pele, sem dizer de que animal, e isso, depois do casal ter cosido
folhas de figueira, com uma agulha de espinho e fio de cipó; que condena todas as
fêmeas do reino animal, que não comeram do fruto, a sofrerem as dores do parto;
que, decepcionado de ter o casal se tornado semelhante a ele, pelo conhecimento
do bem e do mal, o expulsa do paraíso e manda dois policiais montarem guarda à
porta do mesmo, para que eles não regressassem.
Essa história da Gênese foi uma adaptação feita por Moisés, como todas
de seu livro, da lenda do Zenda-Avesta, quando os persas andaram pela
Mesopotâmia, 2.300 anos antes daquele legislador, cujas doutrinas deixaram raízes
aqui e ali. Eis essa lenda, segundo Marius Fontane199, extraída do Bundedesh, na
última parte do Avesta:
"Orzmud, o Deus bom, colocou na terra o primeiro
homem e a primeira mulher Meshia e Meshiahé, destinados a
morrer como todos os seres criados. Prometeu-lhes constante
felicidade neste e no outro mundo, com a condição de o
adorarem como sendo o Autor de todos os bens. Durante muito
tempo o casal se conformou com isso, e suas palavras,
199 Histoire Universelle
278
pensamentos e ações eram puros, e executavam santamente a
vontade de Orzmud quando se aproximavam um do outro. Mas,
um dia, o Deus do Mal, Arimã, apareceu-lhes sob a pele de
uma serpente, sua forma habitual, os enganou, pela habilidade
de sua palavra, e fez-se adorar por ele, como sendo o princípio
de tudo quanto era bom: desde então suas almas foram
condenadas ao inferno até a Ressurreição. A vida tornou-selhes
cheia de penas e sofrimentos; tiveram frio, fome e sede, e,
aproveitando-se dos seus tormentos, um demônio veio, e lhes
trouxe uma fruta, sobre a qual eles se atiraram sedentos. Foi a
segunda fraqueza, em conseqüência da qual seus males
dobraram. Sobre cem prazeres anteriores só lhes restou um.
Caminhando, então, de tentação em tentação, de queda em
queda, joguetes dos demônios e da miséria, só conseguindo
prover a existência à força de invenção e de fadigas, eles
esqueceram-se de se unirem durante 50 anos, e Meshia só
concebeu após esse lapso de tempo".
Tais árvores, portanto, não passam de uma alegoria da Cosmogonia de
Zoroastro, como se vê nos planisférios, representando o bem e o mal. Os seis
meses que dominam o hemisfério superior representam o verão e a primavera, luz,
vida e alegria, e são indicados por constelações (Figura 12) das quais faz parte a do
Cordeiro, que simboliza o Cristo; ao passo que o hemisfério sul, outono e inverno, é
precedido pela da Serpente, que representa a noite, a morte e a tristeza, e simboliza
o Diabo.
279
A Serpente Python, a que se refere Moisés, é a constelação do pólo
Norte, que desce com a da Balança, trazendo o frio e as noites longas. Daí a
necessidade de Adão e Eva cobrirem-se com peles.
Da Stella que damos na Figura 7, verifica-se que os dois personagens
estendem a mão para colher um fruto. Atrás da mulher se vê uma serpente erguida.
Outros teólogos, porém, mais audaciosos, consideraram esse famoso
pecado original como a resultante de um ato meramente animal, atraídos pela
mesma lei que rege a multiplicação dos seres vivos. Foi, pois, segundo o
Catolicismo, do saboreamento deste fruto proibido, isto é, do ato da procriação que
surgiu todo esse mal, tanto assim que Adão e Eva se envergonharam de estar nus e
furtaram-se aos olhos do Criador, o qual, escandalizado, pela pouca vergonha,
fabricou-lhes roupas de pele.
Ora, se a união carnal desse suposto par de anjos devesse fazer exceção
à regra da procriação dos demais animais, incluindo o gorila, o chimpanzé e talvez o
Ptecantropo, isso implicaria a idéia de que Deus tivesse fabricado este grão de pó, a
toda pressa, para a exclusiva residência desse ingênuo casal, e isto, em uma
inadmissível ignorância do que teria de acontecer.
Ademais, se por essa desobediência o Onipotente, além de várias
penalidades, condenou Eva a sofrer as dores do parto, como se admitir que todas as
fêmeas de animais, inclusive as daqueles macacos, concebam do mesmo modo,
sem terem comido do célebre fruto?!
A maioria dos primeiros Pais da Igreja Católica era formalmente oposta a
que o Ato da procriação constituísse o pecado original. Entre eles citam-se Santo
Hilário (in Mateus L. XII e XXI, n°. 5), Santo Atanásio (Epístolas IV, ad Serapion 8-
10), Santo Agostinho (Serm. Domini in monte. XXII, Retract, L. I, 9), São Crisóstomo
280
(Homil XLIV), Santo Ambrósio (L. c e et in Luc. S. X, 94), São Tomás de Aquino
(Secunda Secundoe — Quest. CLIV art. 9), São Jerônimo (in Mateus XII e Epístolas
CXLIV ad Marcellano), os quais chegaram a considerar essa doutrina como
blasfematória.
Ora, se em Gênese 1,26,27, 28, Deus criou o homem e a mulher no sexto
dia, abençoou-os, deu-lhes a terra para trabalhar (e não para gozo), e lhes disse:
"Crescei e multiplicai-vos", claro é que, nessa determinação, eleja considerava o ato
da procriação como imprescindível à multiplicação da espécie, não podendo,
portanto, este ato constituir terrível crime, só expurgado milhares de anos depois,
pelas águas batismais de uma futura Igreja Romana.
Antes de Santo Agostinho, a Igreja Cristã repudiava esse dogma.
Para ele, porém, a "fé católica ensina que todos os homens nascem tão
culpados que, mesmo as crianças, são, certamente, condenadas quando morrem
sem ter sido regeneradas em Jesus".
O tema causou tanto horror na própria Igreja que foi preciso que um
Pedro Crisologo imaginasse um sanatório do inferno, a que chamou de Limbos,
para onde as crianças inocentes, mortas meio minuto após o nascimento, iriam
purificar-se, até poderem seguir viagem para o Paraíso.
São Clemente de Alexandria, Orígenes, Pelágio e outros sábios que tais
condenaram essa monstruosa idéia, como ofensiva a Deus e à própria razão
humana.
O papa Pelágio e seus discípulos diziam mesmo que, "se todos os
homens nascessem da cólera eterna daquele que lhes deu a vida; se antes de
pensarem, eles já são culpados, é, pois, um crime hediondo permitir-lhes vir ao
mundo; o casamento seria o mais horrendo delito, e, neste caso, o matrimônio não
281
passaria de uma emanação do Mau Princípio dos Maniqueístas. Isso não mais seria
adorar Deus; mas o diabo".
O interessante de tudo isso é que Pedro, o Chefe da Igreja, como
querem, era de opinião que o dilúvio efetuou uma lavagem em regra nesse crime, e
que a humanidade, sendo depois oriunda do santo homem, escolhido por Deus, o
fervoroso Noé e sua família, não mais co-participava do pecado de Adão (vide Atos
dos Apóstolos).
Mas a Igreja, como é seu hábito, teima em afastar-se sempre dos
fundadores do Cristianismo.
A rotina, o conservadorismo e os interesses políticos de Roma têm
mantido, até hoje, o tabu romano, rodeado de pajés, ornamentados desde a púrpura
à batina preta.
Mas a cristandade, livre das cadeias medievais, vai, aos poucos,
esclarecendo os embustes do seu culto, e dia virá em que o laboratório Papal, no
qual se destilam os maiores venenos da humanidade, rotulados com os nomes de
militarismo, política, diplomacia, feminismo, voará pelos ares, em conseqüência da
explosão humana e dos seus escombros surgirá, então, o Templo da Verdade.
Foi em um Concilio de bispos da África que o tema do pecado original
ficou resolvido, e foi São Cipriano, bispo de Cartago, discípulo de São Tertuliano,
quem propalou, por isso, a necessidade do batismo.
Os partidários foram aumentando até o século IV, quando se deu a
polêmica entre Santo Agostinho e Pelágio, cujos livros foram destruídos
posteriormente pelo clero romano, como tantos outros, se bem que os Concílios de
Diospoles e de Jerusalém, em 415, reconhecessem que Pelágio tinha razão.
282
O Concilio de Milano também foi a seu favor, mas os bispos da África,
estimulados por São Agostinho, pediram ao papa Francisco II que condenasse os
dois Concílios supra, bem como o próprio Pelágio. Inocêncio I interrogou Pelágio e
recusou-se a condená-lo, bem como os Concílios, que o absolveram. Inocêncio I
morreu logo após, e os bispos africanos voltaram à carga, junto ao papa Sózimo.
Este interrogou Pelágio e confirmou a recusa de Inocêncio. Santo Agostinho
estourou de raiva e o forçou para interrogar novamente Pelágio. Sózimo, fracalhão,
com medo de um cisma, terminou condenando Pelágio e seus adeptos.
Foi daí em diante que o dogma do pecado original começou a tomar
foros e a tornar-se, por assim dizer, o pedestal do Catolicismo.
Os primeiros cristãos, não podendo explicar um Deus, princípio do Bem,
como criador do princípio do Mal, imaginaram que ele criou dois filhos: Jesus e o
Diabo, sob forma simbólica de Cordeiro e de Serpente, e que foi por causa da
Serpente que o Cordeiro veio sacrificar-se na terra, para redimir aquele pecado.
A idéia de pecado, de culpabilidade, de castigo, foi inventada para
combater a ciência e a emancipação do homem; é o instrumento do Poder
Sacerdotal, do qual vive; pois, se não houvesse pecador, o clero não teria razão de
ser.
Camille Crevell, um dos 16 apologistas, colaboradores de Christus de
Joseph Huby, na página 115, dá a tradução da prece que o padre da primitiva
religião Nahuatl, do México, há milhares de anos, recitava perante os fiéis: "Ele não
pecou livremente, pois ele agiu sob a influência do astro que se prende ao seu
nascimento". É mais uma prova dos conhecimentos astrológicos de povos
antiqüíssimos e do desconhecimento do pecado de Adão.
283
Ora, por essa Cosmogonia, o suposto pecado de Adão deixa de ser um
fato histórico para ser uma alegoria, e sendo uma alegoria a redenção também o é,
pois sem crime não pode haver redenção nem redentor.
É a luta de Osíris com Tiphon, Orzmud com Arimã, Cristo com o Diabo.
O Mal é uma privação do Bem e uma negação da verdade200.
Na Gênese não se encontra que Deus tivesse condenado o pai Adão ao
inferno, por ter saboreado uma maçã, pois Deus disse: "Se comeres desse fruto,
morrerás certamente".
Ora, como tal se não deu, antes pelo contrário, tendo ele vivido 930 anos,
isso faz crer, com muita razão, que Deus lhe perdoou a desobediência e, nessas
condições, desaparece o pecado original, se é que desobedecer tão ingenuamente
constituísse tão grave crime para recair sobre toda a sua posteridade.
Igualmente, nem no Pentateuco, nem nos Evangelhos, sejam eles
canônicos ou apócrifos, nem nos Profetas, nem nos primeiros doutores do
Cristianismo, se encontra uma só referência a essa invenção, partida no século VII,
da cabeça do volúvel africano Santo Agostinho, debochado e penitente, maniqueísta
e cristão, indulgente e perseguidor, que levou toda sua vida a se contradizer em
suas obras Confissões e Retratações.
Os egípcios, no cap. 125 do seu Livro dos Mortos*, já mencionavam uma
respeitável lista de pecados, isto é, de infrações às leis morais e sociais.
O Catolicismo a copiou, adicionando-lhe o de Adão e Eva, e enriqueceu-a
com mais alguns modernos, que os diabos humanos vão inventando com o
progresso, para gáudio de suas finanças.
200 Frederich Portal — Les Couleurs symboliques.
* N. do E.: O Livro dos Mortos do Antigo Egito, do Dr. Ramses Seleem, Madras Editora.
284
Quanto à infração das leis naturais ou das sociais, como gula, luxúria,
inveja, calúnia etc., ninguém as infringe impunemente neste vale de lágrimas, sem
que seja necessária a intervenção de padres, nesses delitos de lesa-natureza, pois,
para corrigir esses pecados venais, há os médicos e os juízes.
As leis, propriamente ditas, que Moisés instituiu para governar um povo
de seis milhões de almas, são copiadas das de Hammurabi, rei da Babilônia, que
viveu cerca de 600 anos antes dele e 2.123 antes de Cristo e se relacionam com a
Justiça, com a higiene, com o comércio, com a moral, com a sociologia, com a
economia pública e particular etc., tais como as que regem todas as nações
calcadas, aliás, sobre elas e que nada tinham que ver com o culto a Baal, a IEVE
(Jeová) que foi regulado pelo Deuteronômio, pelo Levítico, pelos Salmos, pelo
Eclesiastes. A aparente crueldade que se nota na Lei do olho por olho, dente por
dente (Ex. XXI, 26, 27) é um princípio de jurisprudência para dirigir os juízes em
suas decisões, mas essa dureza tinha por fim libertar a sociedade de então do
iníquo regime do bel-prazer de cada um. Essa pena equivalia à pena de morte, que
também existiu no Brasil, no reinado de Pedro II, sem que jamais este monarca
houvesse confirmado uma só das inúmeras sentenças que eram apresentadas à sua
sanção pelos seus Ministros, aos quais respondia, com um gesto de repulsa dos
autos: "Tem tempo, tem tempo". Bem necessária mesmo seria para pôr um freio aos
apavorantes homicídios que se sucedem, por privações de sentido, a menos que
este país, constituído de uma maioria de católicos, só seja habitado por católicos
loucos, criminosos irresponsáveis.
Nenhuma dessas leis Jesus ab-rogou; ele veio confirmá-las, aprová-las,
ensiná-las aos seus discípulos e ordenando que todos fizessem o que manda
285
Moisés, o que ensinam seus doutores, mas não o que estes fazem, o que quer dizer
que em todos os tempos houve hipócritas que dizem, mas não cumprem.
É exatamente o que se dá com o padre católico, a quem é permitido
pecar, mentindo ou praticando atos contrários à moral, uma vez que faça restrição
mental.
Não basta ao Catolicismo a verdadeira moral contida nos dez
mandamentos, criou ele uma infindável nomenclatura de pecado com três
categorias: capitais, mortais e venais, de que Jeová não cogitou no Monte Sinai,
sendo, porém, forçado agora pelo padre a se guiar, no céu, por essa tabela, para a
distribuição de sua justiça, pois o Vaticano dispõe a seu bel-prazer da clemência
divina, submetida como está a sacramentos e formulários reprovados pelo próprio
Jesus.
O famoso pecado original, portanto, como o entende a Igreja Romana,
isto é, a desobediência de Adão em comer um fruto proibido, nunca existiu em
nenhuma religião e nem Jesus jamais se referiu a isso, e se a Bíblia tem uma
passagem que deu causa a essa interpretação, é em um sentido bem diferente do
das traduções.
Batismo
Tendo a Igreja Católica, em organização, forjado um crime por umas
palavras vagas da Gênese, como repercussão em todo o gênero humano, servindo
de base a seu edifício, é claro que procurasse uma fórmula que fosse capaz de
purificar aqueles que quisessem engrossar suas fileiras. Essa fórmula foi encontrada
logo na passagem do batismo de Jesus.
286
Coube, pois, a São Cipriano a tarefa de criar o dogma do batismo,
embora São Tertuliano (Monogamia) dissesse que as crianças não precisam dessa
formalidade, por serem muito jovens e não saberem o que fazem. Até os adultos,
disse ele, podem ser dispensados disso, unia vez que possuam a Fé.
Foi João, o Batista, filiado à ordem essênia, quem propagou na Palestina
a prática de batizar, como um ritual da sua seita e, por analogia, com as abluções do
Bramanismo, do Budismo e do próprio Mosaísmo. Quando ele convidou Jesus para
que o batizasse, este lhe respondeu, a seu turno: "Deixa por agora" e não o
batizou; o que prova que Jesus não dava importância a esse ato, tanto que nunca
batizou ninguém nem instituiu essa prática em sua doutrina.
Ora, se o batismo católico tem a propriedade de apagar o pecado de
Adão, o batismo de Jesus é um contra-senso, uma vez que a Igreja o apresenta
como filho carnal de Deus e puro de mancha.
Ademais, sua própria mãe, os discípulos e filiados devem todos estar
curtindo as penas do inferno, uma vez que não foram batizados.
As epístolas de Paulo não se referem a esse famoso pecado original. Foi
sobre um versículo obscuro de "Romanos e Coríntios", que começaram, mais tarde,
a bordar este tema, embora ele tenha dito que Jesus veio por nossos pecados
pessoais e não por pecado original de Adão. Paulo diz, mesmo, que todas as
crianças nascem puras.
Os Coríntios, contemporâneos de Paulo, chegaram a ponto de se fazerem
batizar novamente em nome de um parente falecido, para que ele, também, se
salvasse, tal a acanhada compreensão que atribuía virtudes celestiais a um ato
meramente convencional.
287
Os primitivos cristãos não batizavam seus filhos ao nascer. Esperavam
anos e anos para, quando o fizessem, pudesse esse rito apagar todos os pecados
cometidos, sendo este ato adiado, às vezes, como sucedeu a Santo Agostinho201,
mesmo, até a hora da morte.
O que faziam era inscrever a criança entre os catecúmenos, fazendo-lhes
na testa o sinal-da-cruz e pondo-lhes nos lábios uma pitada de sal.
Os anabatistas consideravam louca magia batizar as crianças.
Os donatistas, que se consideravam como os verdadeiros cristãos, por
isso se guerreavam, rebatizavam seus adeptos.
O papa Pelágio declarou necessário no batismo a invocação da Trindade;
mas o papa Nicolau I afirmava que só bastava ser em nome de Cristo.
Estêvão III permitiu que se batizasse com vinho, na falta de água.
Gregório decretou que o batizando, quer consentisse ou não, ficava
sendo vassalo do Vaticano até a morte (Et pour cause).
O papa Teodósio chegou a decretar que "seria decapitado quem não se
batizasse". À vista de tão santa maneira de converter pagãos, não é de admirar que
todos corressem a levar a cabeça, não ao cutelo, mas ao benfazejo chuveiro! E
Jesus não quis batizar João!
Não falaremos da seita dos batistas, dos quacres, dos ebionitas, dos
Elkasai, porque isso nos levaria longe. Todas eram rigorosamente cristãs, mas não
católicas.
Os antigos persas apresentavam o recém-nascido ao padre, perante o
Sol, simbolizado pelo fogo. O padre pegava a criança e a colocava em uma bacia
com água, a fim de lhe purificar a alma. Nessa ocasião o pai dava nome ao filho.
201 LOUIS BERTRAND — Saint-Augustin.
288
Outra praxe paga é essa, copiada pelo Catolicismo, porque no batismo dado por
João, este não aplicou nome algum a Jesus.
A cerimônia do batismo, no verdadeiro sentido de banho expiatório, já
havia, também, na Índia, milhares de anos antes de existir a Europa, tendo daí
passado para o Egito. Na Índia eram as águas do Gange, consideradas sagradas,
como ainda hoje, que possuíam esta propriedade purificadora, apesar de ser o foco
da cólera-morbo; do Gange passou-se para o Indus, igualmente sagrado, de onde
se propagou ao Nilo, do mesmo modo sagrado, para, finalmente, terminar no Jordão,
onde João as empregava com o mesmo fim e como simples formalidade do seu rito.
Na Grande Coll. Dial. 16 (S. P. no E. Kottara Chinês — Livro da Grande
Morte, traduzido no S. B. E. vol. XI, p. 109) lê-se: "Subhaddo, ermita", disse a Santo
Anando: "Feliz amigo Anando, muito afortunado és tu que foste batizado na
presença do Mestre!"
O comentador Budhagoso, do século V, cita escritor mais antigo, quando
disse que Anando espargia água sobre a cabeça de Subhaddo (SBEXI, p. 110).
Na Coll. class. VII 2,11, lê-se: "Nesta ocasião havia um brâmane chamado
Sangaravo, que vivia em Savathi e era um batista (literalmente: um homem que
purifica com água) e acreditava na purificação por meio da água. Ele continuava com
devoção a prática de mergulhar-se na água manhã e tarde. Ora, Santo Anando,
tendo madrugado, entrou em Savathi. E havendo atravessado a cidade, voltou à
procura do Senhor (Buda) a quem disse: ‘Mestre, vive em Savathi um homem
chamado Sangaravo, que é um batista e crê na purificação por meio da água; ele
continua com devoção a prática de mergulhar-se na água pela manhã e à tarde.
Bom Mestre, possa o Senhor, por compaixão, chegar à morada do brâmane
Sangaravo’ “.
289
O Senhor consentiu pelo silêncio.
Visto que o Senhor madrugou, foi à residência do Brâmane Sangaravo. E
o Brâmane, aproximando-se do Senhor, o saudou e lhe cedeu o leito.
Nesse ínterim, o Senhor disse: "O Brâmane, é verdade que és um batista
e crês na purificação por meio da água? Continuas por devoção a prática de
mergulhares manhã e tarde?"
"Sim! Senhor Gotama".
"Que significado vês tu nisso, brâmane?"
"Grande bem, Gotama. O fato é que qualquer ação má que eu tenha
cometido durante o dia eu a lavo com água à tarde e qualquer ação má que eu
tenha cometido à noite eu a lavo pela manhã. Este é o significado que eu vejo, ó
Gotama, em ser batista, e é por isso que eu creio na purificação por meio da água e
assim continuo com devoção a prática de mergulhar na água manhã e tarde".
Buda respondeu: "A religião é um lago, ó brâmane! E a ética não é o
batismo, límpido, estimado pelo maior dos sábios, no qual se deve fazer suas
abluções". Ao que o brâmane se converteu imediatamente.
E evidentíssimo, portanto, que essa prática higiênica nunca constituiu
ritual algum com privilégio de apagar pecado original ou originalíssimo nem João a
empregava com esse fim.
Mas, por que e para que se deixou Jesus batizar, pois, se ele era, como
dizem os evangelhos, isento do suposto pecado original de Adão, pela sua
condição virginal?
É que, com este ato, Jesus proclamava fazer parte da doutrina do profeta
João Batista, que era a de Rama, por isso passou a ser seu discípulo, vindo, porém,
290
a romper mais tarde com ele por causa de certas praxes e costumes que Jesus não
podia adotar.
Em Lucas verifica-se que João, o Batista, era de origem sacerdotal.
João Batista e os essênios professavam a mesma doutrina, afastando-se
dos centros e internando-se nos desertos; Jesus ao contrário fugia do deserto
procurando os centros populosos para melhor espalhar a semente do Reinado da
Paz.
O batismo, nos seus primitivos tempos cristãos, só era dado aos adultos
por espontânea aceitação do credo, como ainda hoje se pratica entre os batistas, os
menonistas, como um diploma de membro da seita e não com a finalidade de apagar
ou remir pecado algum. Esse batismo era aplicado de graça, ao passo que a Igreja
Romana o cobra por bom preço.
Há mesmo casos interessantes em que o cura após proceder ao batismo
de uma criança em agonia, levada aos braços do pai, pobre operário sem recursos,
lhe exigiu o pagamento do ato, sob pena de ser a criança desbatizada, o que causou
indignação entre os fiéis assistentes.
Como este fato está generalizado, deixamos por isso de citar o nome do
padre-capitão, a localidade suburbana e a Matriz.
Ora, se, como dizem os teólogos católicos, o batismo é um sacramento
que tem a propriedade de extirpar o pecado original de Adão e Eva, não deixa de
ser irrisório e até revoltante a cerimônia do batismo de navios de guerra,
monumentos, armas mortíferas etc., com seus respectivos padrinhos e madrinhas,
como estúpido é o ato de certo padre interventor, batizando seu filho espúrio, com o
nome do maior reacionário do século XX — Lenin!
291
A incoerência é tal que assistimos constantemente boquiabertos a
cerimônias de batismo e benzimento de espadas, canhões, navios de guerra e
quejandas armas mortíferas e tudo em nome daquele que veio, exatamente, para
destruir a violência, mandando que se desse a César o que era de César, e a Deus
o que era de Deus, isto é, ao governo a obediência das suas leis políticas e a Deus
a obediência das suas leis de amor (Figura 23).
Um dos mais eminentes estadistas ingleses, Lloyde George, fez em
1929202 a seguinte declaração à imprensa londrina:
"Nunca acreditamos na influência política e social
das igrejas para o bem, posto que elas pudessem exercê-la, se
seus diretores e inspiradores soubessem e pudessem se
amoldar à presente época. A cada dia torna-se mais evidente
que os diferentes cultos são apenas supervivências
materializadas das idéias e anelo espirituais, sem força
própria”.
“A última guerra, sobretudo, demonstrou que as
igrejas cristãs são tão ineptas para o bem, como tão inábeis
para o mal”.
“Sacerdotes de um mesmo credo, crentes em um
Deus de Amor e de Bondade, não relutavam, de parte aparte,
em benzer armas que deveriam tirar o sangue dos irmãos de
outros países”.
202 Gazeta de Notícias, 26 de fevereiro de 1929
292
“Desde os púlpitos das igrejas cristãs, na França,
como na Alemanha, na Áustria, santificaram a matança e a
destruição em nome do Cristo”.
“Como é possível pensar que as igrejas cristãs
possam servir ao ideal da paz?"
Mas há muitos cristãos, na rigorosa acepção moral e religiosa, que não
são batizados. Há outros também que, apesar da aspersão na pia batismal, agem
diferentemente da doutrina. Ao contrário, igualmente, um recém-nascido batizado é
tão cristão como Nietzsche, Renan e outros.
Sendo essa formalidade aceita e praticada na família, ou por convicção
própria, ou por simples atavismo, é claro, que ela procure alistar um recém-nascido
inconsciente, como um futuro soldado nas fileiras romanas. O padre católico
apodera-se da alma do pimpolho desde seu primeiro vagido até seu transporte ao
túmulo, arrancando-lhe neste intervalo o mais que pode de seus bens, indo mesmo
além, se lhe pagarem missas.
Mas, não raro é ver tais católicos batizados, crismados, comungados,
como nós mesmos, libertarem-se na idade da razão, após sérios estudos, da
escravidão espiritual que seus pais lhes expuseram logo que viram a luz. Daí o outro
sacramento: a excomunhão!
E, se chegado a essa idade conseguirmos arrancar o véu que a educação
e a autoridade paterna nos lançaram sobre os olhos desde a meninice, essa
desvendagem nos deve servir para mais firmemente caminharmos iluminados pela
Ciência e pelo raciocínio que as leis canônicas pretendem em vão ofuscar.
293
Quantos seminaristas, uma vez terminados seus estudos, não se
apressam em sacudir o pó dos seus sapatos ao sair dali, onde foram internados
ainda jovens, por obediência aos pais? Quantos dos que permanecem e se ordenam
não se retiram por medo da luta pela vida fora daquele ambiente? Quantos, dos que
tomaram ordens, têm atirado a batina às urtigas, após maduro estudo? São legiões
que assim procedem, horrorizados e enojados da vida enclausurada que levaram e
revoltados contra certos dogmas e sacramentos. Muitos escreveram obras a
respeito. E quantos conservam a batina por simples conveniência?
Os católicos são indiferentes ao verdadeiro culto que tomam como uma
festividade paga. O número de padres diminui de maneira assombrosa, sendo
mesmo notável no Rio de Janeiro a falta de um padre para satisfazer os desejos de
seus paroquianos, o que dá motivo a vergonhosas explorações entre os sacristãos.
As vocações rareiam e as que aparecem são trabalhadas desde a meninice entre a
classe pobre ou proletária, cujos pais, fanatizados, julgam desse modo ter
encontrado um bom futuro para seu rebento e para si próprio, no caso de que ele
galgue os postos até Cardeal e, quiçá, a Papa!
O próprio clero nacional desanima ante a injusta pretensão de
aventureiros estrangeiros que aqui aportam aos milhares.
O fato, pois, de ser batizado não exonera o católico de excomunhão e das
penas eternas do inferno, o que prova que semelhante título não tem valor algum
para o possuidor, uma vez que ele não cumpra os regulamentos, embora continue a
dar provas de uma vida exemplar.
Aí vai um fato oportuno que evidencia o espírito anticristão do
Catolicismo: a imprensa de 16 de fevereiro de 1930 publicou o seguinte telegrama dr
Roma: "Efeitos da Concordata. Um apóstata, excomungado, proibido pelo
294
governo italiano de usar o hábito eclesiástico. Roma, 26 (U. P.) — Teve agora
pela primeira vez aplicação o artigo 29 da Concordata entre a Santa Sé e a Itália,
relativo ao tratamento dispensado pelo Estado aos religiosos apóstatas. O padre
Buonianti, excomungado em 1926, pelas suas idéias avançadas, vai ser obrigado
pelas autoridades civis a não usar a indumentária eclesiástica, segundo a ordem da
Congregação do Santo Ofício, a qual se recusou a obedecer".
E foi o que ele ganhou com o batismo.
Em qualquer outro Credo não se usam esses atos tragicômicos.
Céu, Purgatório, Inferno
Mas a Igreja Romana não se limitou ao dogma do batismo, insuficiente
para manter financeiramente os Palácios do Vaticano. Para isso, lançou mão da
doutrina de Zoroastro, na qual há um céu e um inferno dirigidos cada um pelo Deus
do Bem e pelo Deus do Mal — Orzmud e Arimã.
A Bíblia não se refere absolutamente a Deus do Bem e Deus do Mal e seu
respectivo Inferno.
Se Marcos IX, 47, 48, põe este termo na boca de Jesus é porque esta
expressão tinha outro significado bem diferente do que o Catolicismo lhe emprestou.
E, senão vejamos:
Em grego, a palavra inferno se traduz por geena. Este nome era aplicado
ao vale de Enom, ao Sul de Jerusalém, onde se praticava toda sorte de idolatria e de
imoralidades sem nome, por isso, mais tarde, as autoridades transformaram esse
local em depósito de cadáveres humanos e de animais.
295
Para evitar o surto de sérias epidemias, que daí pudessem advir,
resolveu-se atear fogo àqueles monturos de podridões, mantendo-se, para isso,
constantemente, um fogo ardendo, como que eterno.
Quando Marcos IX, 48, faz Jesus dizer: "onde seu bicho não morre e o
fogo não se apaga...", trata-se evidentemente dos vermes e do fogo mantido para
essas cremações.
Não há nessas palavras, pronunciadas naquela época, espírito algum de
localidade extraterrestre, mesmo porque Jesus não iria criar uma Lei metafísica que
não existia na Lei mosaica, imutável como ele a considerava.
Para descrever o lugar de suplício, a Igreja Romana lançou mão do Livro
dos Mortos do Antigo Egito, em cujo capítulo XVIII se lê: "Zonas incandescentes,
abismos de fogo, em que as águas de chamas são os carrascos dos condenados
que habitam salas, cujo assoalho é água, cujo teto é fogo e cujas paredes são
serpentes vivas, nos quais há grelhas e caldeiras para o suplício dos pecadores".
Entretanto, a primitiva Igreja Cristã (ainda não católica) já tratava de
herege todo aquele que acreditasse em tal, e por isso Santo Agostinho condenou os
simonistas e os origenistas.
Se subsistisse um inferno com um só homem condenado, o sangue de
Jesus teria corrido em vão e a Redenção seria uma ironia203.
A religião de Orfeu, contemporâneo de Moisés, visava também à
necessidade de redenção, mas sem deixar de oferecer ao mesmo tempo um ensino
dogmático, bem definido, sobre a catártica e o acesso, a cosmologia e a escatologia,
o destino da imortalidade numa migração da alma, na recompensa e no castigo
203 PHIMOTEON – Não creio em Deus
296
além-túmulo. Ela desenvolveu muito essas concepções da outra vida e criou,
propriamente dito, o inferno.
Encontram-se em Píndaro, Empédocles e Platão essas representações
colhidas nas fontes órficas; elas floresceram muito nas comunidades pitagóricas,
aparentadas com as do orfismo e mais tarde os cristãos também as admitiram.
Pitagóricos e órficos foram, além disso, os precursores da religião cristã, pelas suas
prescrições de ascetismo.
Particularmente Platão que, em país grego muito antes de Cristo, foi o
que mais preparou o caminho do Cristianismo, sofreu fortemente a influência do
orfismo, e aquelas de suas doutrinas que mais se irmanaram com o Cristianismo são
ao mesmo tempo ligadas à dogmática órfica204.
A concepção filosófica de um paraíso e de um inferno foi boa para uma
época de ignorância e necessária para moralizar os povos eivados de um
materialismo resultante do esquecimento das doutrinas patriarcais; mas, na nossa
época de progresso científico, moral e social, não mais corresponde às
necessidades da lógica e da razão.
Platão descreve um inferno para os culpados com várias modalidades nos
sofrimentos infligidos aos condenados; um, a penas eternas, conforme a gravidade
dos delitos (de onde o Catolicismo tirou cópia); outro, atenuado pelas suas virtudes
(o purgatório católico), e outro, comutador quando o culpado conseguisse após
várias tentativas obter, por meio de preces, o perdão daqueles a quem tivesse
ofendido na terra (o que dá razão ao Espiritismo).
No Catolicismo, o ofendido é Deus. É, pois, necessário subjugá-lo por
meio de preces, de cerimônias especiais, de promessas, de presentes, e, para isso,
204 F. PFISTER – Prof. Fil. Cláss. Da Universidade de Wursburg.
297
o intermediário oficial legitimado é o padre, que de tal missão se encarrega,
mediante uma taxa estabelecida. Eis o segredo da fonte de suas imensas riquezas.
O purgatório só foi inventado no fim do século XIII, e daí por diante surgiu
a Inquisição para manter o poder do Papa. Essa invenção se impunha para salvar as
finanças do Catolicismo e dar-lhe novo sangue; pois, segundo disse um bispo em
um Concilio, indo umas almas para o céu, gozar felicidade eterna e outras
eternamente condenadas para o inferno, claro é que missas e rezas eram
improfícuas. Havendo, porém, um lugar intermediário onde elas pudessem
estacionar, logicamente se poderia encaminhá-las para o céu com uma liturgia
especial, que forçosamente custa dinheiro.
Contudo, já no século X, Santo Odillon, padre de Cluny, imitando certos
frades, pôs-se a rezar pelos mortos, chegando a criar a fama de ter libertado do
purgatório um número incalculável de almas, o que forçou o papa João XVI a instituir
o Dia de Finados.
O padre Odillon fez fortuna (já se vê), e o clero continua tirando boa renda
desse comércio.
A idéia de Purgatório, isto é, um lugar de provações passageiras, já era
conhecida dos Bramas 3.100 anos antes de Cristo e se acha desenvolvida em seus
livros. Neles, também se encontram a revolta dos anjos e a queda dos gênios. Esses
anjos rebeldes, embora fabricados com perfeição pelo Criador no próprio Paraíso,
cuja história Moisés transplantou na sua Gênese, foram condenados por Deus e por
seu Filho a 1.000 anos de purgatório; mas, sendo Deus misericordioso, os perdoou
e... os fez homens na terra.
Esta idéia foi defendida na Pérsia e no Egito e é daí que Platão tirou seu
"purgatório", escrevendo Phedon.
298
Virgílio igualmente em sua Eneida VI, 740, descreve essas pobres almas,
ora enforcadas no espaço, ora totalmente queimadas, ora afogadas, condições
estas singularmente embaraçosas por não poderem as mesmas subirem depois ao
Paraíso, como concordou o Papa Gregório, o Grande!
A primitiva Igreja Cristã condenava e chamava de herético todo aquele
que admitisse o purgatório.
Zoroastro conta, no Sader, que, tendo tido uma visão, viu no inferno um
rei sem um pé, e perguntando a Orzmud, por que, este lhe respondeu: "Esse rei
perverso, vendo uma vez um camelo um pouco afastado da sua selha, que ele não
podia alcançar para comer, este rei empurrou-a com o pé, praticando assim uma boa
ação. Guardei-lhe o pé no céu e precipitei o resto ai".
Ao menos este Deus de Zoroastro é mais justo e conciliador do que o
Deus Católico, que não leva em conta as boas ações cometidas, uma vez que esta
alma não faça parte da Igreja Romana.
Além disso, Zoroastro não admitia a danação eterna, pois, no fim do
mundo, "todos os mortos terão de ressuscitar e o próprio inferno se aniquilará nas
suas próprias chamas".
O maometano não crê na eternidade das penas do inferno.
Ora, Jesus nunca disse que houvesse um lugar onde as almas iriam
sofrer eternamente. Quem redigiu os evangelhos deturpou o sentido das palavras,
fazendo igualmente, por exemplo, do termo Scheol (sepultura) o inferno, que vem
da palavra latina infernus, lugar inferior, abaixo da terra.
Mateus VIII, 11 — XII, 42 etc., faz Jesus dizer que ora serão lançadas na
fornalha de fogo e enxofre (cópia do Livro dos Mortos do Antigo Egito e de Platão) e
299
ora que serão lançadas nas trevas exteriores, o que não é a mesma coisa, mas sem
determinar tempo.
Paulo, em sua Epístola a Timóteo, 11,4, diz: "Pois isso é belo e agradável
a Deus, nosso senhor Salvador, que quer que todos os homens sejam salvos e
cheguem ao conhecimento da verdade", portanto, contra a eternidade das penas.
Nem os evangelhos nem os Atos dizem que Jesus desceu aos infernos,
como se lê no "Credo Católico", no sentido de lugar de suplício dos condenados a
penas eternas, pois, como vimos anteriormente, nem o termo hebraico Scheol
significa tal coisa, mas simplesmente a fossa, o túmulo, o subterrâneo.
Segundo Saint-Yves, como o Tártaro era o inferno dos antigos, isto é, o
Hades, e como Jesus andou no Agartha, é possível, ainda, que transmutassem a
legenda. O Tártaro era tido como o inferno dos povos orientais, em decorrência das
incursões dos terríveis bárbaros. Eram chamados filhos do Tártaro, filhos do inferno.
O que, porém, não podemos compreender c que, morrendo um ente
qualquer, confessado, comungado, com extrema-unção, com missa de corpo
presente, com preces e orações ao baixar a sepultura, se possa ainda dizer missas
de sétimo dia, mensal e aniversário, para tal alma; porque, para ler valor aquele
cerimonial, sancionado pelo representante de Deus na Terra, deve ter seguido
direitinho para o Paraíso, com seu passaporte perfeitamente em regra, dispensando
o resto, ou senão, permitam-nos a expressão empregada por Frederico Figner, em
um dos seus artigos no Correio da Manhã: "Foi tudo um conto do vigário".
O mais curioso ainda é isto: É a anomalia de se dizerem missas aos
Papas que morrem! E que missas! São apoteoses fúnebres!
Ora, se o Papa é infalível, ipso facto, é inatacável pelo pecado. Logo, sua
alma, sendo puríssima, pois já o chamam em vida de Santidade, dispensa esta
300
formalidade, para garantir-lhe o lugar no céu; e, se sua alma não é isenta de
manchas, por isso até precisa de um Confessor Jesuíta, deixa ainda
necessariamente de ser Infalível e passa a ser um pobre... farsista, pois nem na sua
liturgia tem ele confiança.
Além disso, sendo o Papa o representante, por procuração outorgada a
si, por ele mesmo, já não mais do Cristo, mas do próprio Deus na terra, porque
promoveram Jesus a Deus, e, portanto, Deus em pessoa, em carne e osso, a lógica
se impõe de que este Deus-bis ou vice-Deus, não necessita de missas ou preces
para encontrar a estrada que conduz à Corte Celeste, que deve estar ladeada por
uma legião de anjos e santos de todas as categorias, à sua espera.
Dizer missa a Deus para recomendar o próprio Deus a si mesmo, é o
maior absurdo, senão a maior heresia que a Igreja comete, e, talvez, faça rir à
socapa algum sacerdote com a consciência liberta das algemas canônicas.
Valha-nos, ao menos, a declaração que um Bhakla lamaísta (sacerdote)
fez à escritora A. D. Niel já citada:
"O Deus a quem adoro pode atirar minha alma no
inferno, torturando-a, se tal for seu desejo, e eu me regozijarei
dessas torturas, porque lhe são agradáveis".
O verdadeiro inferno, o verdadeiro castigo para os que infringem a lei
divina, condenada nos simplíssimos dez artigos, é a paralisação da evolução do seu
espírito em órbita criminosa em que viveu e onde continua a viver sem corpo,
ansiosa de luz e de progresso, ansiosa de reintegrar-se na essência divina da qual
emanou, até que, auxiliada pelas preces de vivos puros, e por intermédio do Verbo
301
Jesus, Deus se compadeça dele e permita sua reencarnação neste ou em outro
planeta mais adiantado.
Propagar a falsidade e a iniqüidade do Céu, do purgatório e do inferno do
Catolicismo é, pois, obra de caridade à humanidade cega.
Ora, se houvesse um céu e um inferno, é lógico que esses domínios
fossem regidos por uma entidade especial. Assim pensou Zoroastro, por isso deu o
predomínio eterno do Céu a Orzmud, deus do Bem, e a direção eterna do Inferno a
Arimã, deus do Mal.
Mas os tempos evoluem; o que Zoroastro não se lembrou de criar, fê-lo O
Catolicismo, edificando a cidade do Purgatório. Como, porém, não era possível pôr
ali um Deus com duas faces, uma do bem e outra do mal, para reger aquela nação,
nem fria nem quente, lembraram-se os Concílios de investir o Papa na terra, com
todos os poderes para rubricar os passaportes com destino ao Céu. E, como todos
sabem, isso não se faz de graça.
Daí (quem sabe?) a razão das três coroas da tiara: uma como
representante de Deus na terra, outra significando seu império no purgatório e outra
representando a Soberania no mal, pelas perseguições que comete.
Quanto aos Limbos, os petizes que se divirtam por lá, enquanto não é
chegada a hora do último banho purificador.
Como se vê, se bem que ninguém veja onde possam ser situados esses
territórios, nada mais fácil ao Papa, infalível como é, do que decretar a existência
dessas imensas nações, povoadas de trilhões e trilhões de entes desaparecidos da
terra, embora isso faça sorrir o Criador, Onipotente e Misericordioso, que perdoa a
todos os pobres micróbios terrestres delinqüentes, inclusive seu suposto
representante.
302
O Diabo
Ora, uma vez que há inferno, é lógico que haja um Regente do domínio.
Aí reside a chave da abóbada do templo católico.
Que seria do Catolicismo se não fosse a adaptação desse burlesco
personagem, criado pelos persas, sobre a Mitologia em que é baseado o Mitraísmo
de Zoroastro, Mitologia esta originada, a seu turno, da Astrologia ou Cosmogonia, e
que Moisés, mais tarde, sintetizou na figura da Serpente, ali em evidência, mais ao
alcance das pobres inteligências a quem ele se dirigia.
Essa Serpente figura em todos os planisférios astronômicos, de uma
Antigüidade pré-histórica, a que já nos referimos e que descreveremos ainda, mais
adiante, representando o inverno, as trevas, o sofrimento, o mal, etc.
Essa serpente, que era o mais astuto de todos os animais, como diz a
Gênese, era a imagem simbólica do alfabeto adâmico, que já conhecemos, e que
encerra, conseqüentemente, todas as ciências.
Essa serpente, Moisés, mesmo, a fabricou em bronze e a ergueu no
deserto, para que todo aquele que a olhasse e a compreendesse ficasse curado
intelectualmente.
Se não fosse a maquiavélica interpretação que o Catolicismo deu a essa
figura zodiacal, é claro que semelhante entidade nunca se teria desenvolvido no
Ocidente, produzindo o rosário de 1.001 maldades, cuja autoria ele arrumou no
lombo desse pobre diabo, perpétuo tentador dessa miserável e indefesa
humanidade.
Se não fossem as inúmeras contravenções às mais insignificantes leis da
natureza, crismadas com o termo — pecado — e divididas em três categorias:
303
capitais, mortais e veniais, para que serviriam o templo católico, o confessionário, a
missa, a comunhão, o batismo e o próprio sacerdote?
Sem dúvida deixariam de existir, porque onde não há mercadoria para
vender impossível se torna o comércio.
Ao diabo, pois, é que o Catolicismo deve sua existência, porque o
Cristianismo de Jesus, de Pedro, de Paulo, não cogita desse Princípio Eterno do
Inferno, como a figura de um Deus do Mal. Por que, então, leva a Igreja a espantálo
com água benta, erguendo a cruz na outra mão?
Se ela bem pensasse, veria que de nada disso ele tem medo, pois,
segundo conta Lucas, IV, 5, ele levou Jesus a passeio, comodamente sentado sobre
suas asas, por cima das cidades, a um ponto bem distante, no deserto, onde o
tentou, tendo-lhe Jesus respondido a célebre frase: "Vade retro Satã!" A história não
conta se essa viagem foi diurna ou noturna, o que, na primeira hipótese, deveria ter
assombrado as populações, por falta de aeroplanos naquela época, nem como
Jesus de lá voltou, o que deveria ser importante saber.
Marcos diz que essa ausência durou 40 dias, o que prova a grande
distância.
Mateus e Lucas falam em três tentações pelo diabo em pessoa; mas de
um modo diferente na ordem e nos detalhes, sem mesmo marcar o tempo.
Essa passagem da tentação de Jesus, no deserto, é, como já vimos,
absolutamente idêntica à que sofreu Zoroastro, pelo Mau, como se lê no Zenda-
Avesta*, e como, igualmente, sucedeu a Buda, personagens estes, repetimos, que
existiram muitos séculos antes de Jesus.
* Zenda-Avesta, atribuído Zoroastro, lançamento da Madras Editora.
304
Nos milenares livros chineses: Lie-Tseu, cap. II, e Tchuang-Tseu, cap. I,
se lê que aquele teria sido visto, pelos seus contemporâneos, atravessando os ares.
Onze séculos mais tarde, se verificou, igualmente, este fato, passado com o asceta
tibetano Milarespa205.
Inúmeros missionários, sem querermos citar Jacolliot, que foram à Índia
estudar costumes, confirmaram o fenômeno da levitação.
O simbolismo, pois, dessa passagem, significa que tais reformadores
foram peitados pelos Poderes constituídos para deixarem de prosseguir na
propaganda de suas doutrinas antimilitaristas, que feriam os interesses do clero e da
política.
Pelas escrituras se vê, mesmo, Satã confabulando com Deus, a respeito
de Jó, a quem ele pretendia perverter, uma vez que Deus lhe entregasse o corpo à
sua discrição, o que foi feito, como faria qualquer regulo despótico, mas não o
Inefável.
Ademais, esta história de Satã, só descrita no Apocalipse XII, 7,9 e mais
em parte alguma dos evangelhos, do mesmo modo que o anjo rebelde não é falado
na Bíblia.
O Adversário que Zoroastro chama Arimã é o mesmo Adversário do
Judaísmo — Satã.
Os judeus adotaram esse termo às suas crenças, três anos depois da
morte de Zoroastro, quando eles foram levados em cativeiro para a Babilônia (568 a.
C), onde vigorava sua religião e a ciência astronômica.
Esta conclusão, estudada por C. F. Potter, é comprovada pelo capítulo
XXIV, do Livro II de Samuel, composto antes do exílio, e pelo capítulo XXI, do Livro I
205 JACQUES BACOT – Le poète thibetain Milarespa.
305
das Crônicas, no qual se vê que os judeus reconheceram a inconseqüência de um
Deus bom praticando o mal, matando 70 mil pessoas, por isso adotaram o dualismo
da teologia Zoroástrica.
Mas o termo Satã, na sua origem, nunca foi criado para personificar
entidade alguma do Inferno.
Esse termo originou-se do seguinte, como magistralmente explica Fabre
d'Olivet: "A raça branca originária do pólo boreal era chamada, pelos europeus, de
raça boreana e hiperboreana. Moisés a chamava de Ghiboreana. Essa raça tinha
horror à raça negra pelas suas funestas incursões, por isso a denominaram de
Sudeana. Desse termo se originaram os termos de Suth ou Soth dos egípcios, Sath
dos fenícios e Shatan ou Satã dos árabes e dos hebreus. Este nome serviu de raiz a
Saturno entre os etruscos, Sathur, Suthur ou Surthur entre os escandinavos. Do
celto saxônio South deriva o termo inglês South, o belga Suyd, o alemão e o francês
Sud", o português Sul etc.
Foi, pois, um termo criado como que para simbolizar a raça negra, inimiga
que era da raça branca, porque, nessas épocas atrasadas, os povos ainda não
conheciam o Princípio do Mal, como a entidade celestial decaída, que só muitíssimo
mais tarde foi surgindo da imaginação dos místicos.
Os povos fizeram dessa entidade um horrível boneco, pintaram-no de
preto, arrumaram-lhe uns cornos, outros espetaram-lhe um apêndice no fim da
coluna vertebral, outros encravaram-lhe unhas aduncas, outros afiaram-lhe os
dentes caninos, e cada qual, em suma, o cobriu com quantos vícios e males a
humanidade engendrava, e, horrorizados por ver o terrificante personagem que eles
mesmos fabricavam, fugiram espavoridos da própria obra.
É esse monumento que hoje serve de esteio do Catolicismo.
306
Os insulares de Java e dos mares do Japão dirigem suas preces ao
diabo, para que ele não os persiga muito ou não lhes faça muito mal, se bem que,
ao mesmo tempo, fazem oferendas, acompanhadas de preces, ao Deus do Bem, ao
Deus Criador.
Os hotentotes chamam o Bom Princípio de Capitão do Alto e o Mau
Princípio de Capitão de Baixo. O raciocínio desses pobres homens é sobremodo
racional e justo. Dizem eles que é inútil orar ao Bom Princípio, para lhe pedir que
não faça o mal, visto como seu poder só se limita à terra. Comungam a mesma
teoria os de Madagascar, os teutônicos, os peruanos e até, mesmo, nossos
indígenas.
É mais razoável pedir diretamente ao inimigo que não nos faça mal,
porque este ato, até, encerra em si o cumprimento do axioma: "amai-vos uns aos
outros", do que fazer intervir um terceiro, para dele obter sua benevolência muito
problemática.
A medida que uma religião se afasta da sua primitiva fonte, toda a
espiritualidade cada vez mais cai no puro materialismo, chegando até ao fetichismo,
como sucede com o culto dos negros da África, que é uma degenerescência dos
primitivos dogmas do Egito, da Etiópia, da Pérsia etc.
O fetichismo supersticioso, amplamente praticado em alguns países
europeus e no Brasil, é o resultado inevitável do fim de uma Igreja.
É o que se verifica com a Igreja Católica.
A intervenção do diabo, como a entende a Igreja, de uma entidade criada
por Deus para ser eternamente, como ela quer, seu próprio rival, com poderes
ilimitados para tentar e aborrecer a desgraçada humanidade, é de uma aberração
inominável, porque estabelece, como na religião de Zoroastro, a existência de dois
307
deuses antagônicos, um do bem e outro do mal, se bem que, nesta religião, o
Princípio do Mal tem de se aniquilar nas suas próprias chamas, que, por seu turno,
se extinguirão, ao passo que no Romanismo diabo e inferno são eternos.
Ora, se o Princípio do Mal fosse criado pelo Princípio do Bem para
eternamente se oporem, sem que este pudesse exterminar aquele, ele deixaria, ipso
facto, de ser o Deus Onipotente e todo e qualquer sistema rui por terra. Mas se o
Mal tende a desaparecer da face do mundo, subjugado pelo Bem, o inferno terá de
fechar suas portas, cessando, por conseqüência, suas penas eternas, o que destrói
o sistema católico, que coloca a humanidade entre duas eternidades.
E, se o diabo é eterno como seu reino, o Mal tem de existir eternamente,
o que torna evidente a impotência e a injustiça do Criador. Por outro lado, se o Mal
tem de ser eterno, como um domínio e um dominador, essa eternidade estabelece
uma paridade entre o Criador e a Criatura e aberra da sua Onipotência, Justiça e
Misericórdia.
Mas, pregando Jesus o Fim do Mundo e Paulo (Hebreus II, 14) o Fim do
Diabo, isso significa que, desaparecendo esta pílula amarga, a eternidade do Diabo
e de suas penas é uma questão liquidada, salvo se ele for aposentado ou passe a
aborrecer os habitantes da Lua ou de outro planeta, o que não convém ao
Catolicismo, por lhe destruir a igrejinha e a balela de só ser a terra habitada.
Mas, neste caso, que seria feito dos miseráveis hóspedes que tiveram a
infelicidade de ser criados muitíssimo antes do advento de Cristo?
Logicamente, se esse Deus se compadecesse dessas pobres almas, que
não lhes pediram para ser criadas, e as perdoasse, inclusive o próprio Diabo, isso
provaria mais um blefe do Catolicismo.
308
A questão do Bem e do Mal sempre foi o espantalho da Igreja Católica,
porque, como se vê, ela é insolúvel com os argumentos que apresenta.
O Mal é relativo. O que é mal para um é bem para o outro, segundo
afirma Heráclito.
A idéia do Bem e do.Mal, conforme diz Julien Vinson, é puramente
humana e subjetiva; é idêntica à idéia do Belo e do Feio, do Grande e do Pequeno.
Para um Bosquímano, da África, a diferença é a seguinte: "Se roubares a
mulher do outro é Bem; mas se roubares minha mulher é Mal".
O dualismo de Luz e Trevas de João já simbolizava nas primitivas
religiões os dois princípios do Bem e do Mal, não como entidades divinas, mas,
simplesmente, como as duas modalidades extremas dos seres vivos ou mortos.
O Bem eram os dez frutos da Árvore que, simbolicamente, Deus plantara
no paraíso e que Moisés sintetizou em dez capítulos; o Mal são os frutos contrários,
do mesmo modo que a virtude tem um vício oposto.
A idéia do Bem e do Mal é uma conseqüência lógica da astrologia,
fantasiada pelos poemas mitológicos — conforme veremos no respectivo artigo. A
entidade simbólica, que preside àquele é Orzmud; a do Mal é Arimã, que o
Catolicismo personificou com o nome de Diabo, rei dos Infernos, para aterrorizar
seus ingênuos adeptos.
E antes que o padre nos mande paia o diabo, vamos dai uni tiro no "dito".
Livre Arbítrio
Mas, retruca o teólogo católico, é por causa do mau uso que o homem fez
do livre-arbítrio que Deus lhe deu, que ele será punido com as penas eternas de
um inferno.
309
Além de ser um ponto de partida falso, criado pela imaginação mística,
por não assentar em base alguma, esse tema é aberrante dos próprios dogmas do
Catolicismo porque são os primeiros a cercear essa liberdade aos adeptos e ao
próprio clero, além de encerrar a maior blasfêmia a Deus.
Senão, vejamos:
Se Deus, criando o espírito, ignorava seu fim, temos que negar sua
Onisciência.
Se, ciente de um mau fim, ele persiste em criá-lo, temos que negar sua
Onmisericórdia e Amor.
Se tal espírito criou-se espontaneamente, sem que Deus o soubesse,
temos que negar sua Onipotência.
Se criado o espírito, Deus lhe concedeu o livre-arbítrio, ficando, todavia,
na ignorância do seu fim, que só dele dependeria, ainda assim temos de negar sua
presciência e justiça.
E, desse modo, teríamos que negar Deus, por lhe faltar qualquer um dos
atributos acima.
Goethe, conversando com Eckermann em 1825, disse: "Desde que se
conceda ao homem o livre-arbítrio desaparece a Onisciência de Deus; e, se por
outro lado Deus sabe o que farei, já não sou mais livre de fazer outra coisa senão
aquilo que ele sabe, e o livre-arbítrio deixa de existir, para só existir o destino, o
fatalismo ou o determinismo".
"Em conseqüência, não sendo livre de agir no Bem e no Mal, nossa
responsabilidade, também, deixa de existir, subsistindo, unicamente, o despotismo
divino. Tal a súmula da doutrina católica com o Céu e o Inferno."
310
Para o católico é só pela graça divina, isto é, por um favor de Deus, que o
espírito se aperfeiçoa e se eleva. De modo que, sem essa graça, sem esse favor
especial, o desgraçado, criado por esse mesmo Deus de amor, sem ter sido
consultado, tem de ir sofrer eternamente nas fornalhas do seu eterno rival. Pois,
segundo Paulo (Rom. XI, 5, 6), "Se a salvação provém de eleição da Graça, logo
não provém das obras, porque se proviesse das obras a Graça não seria mais
Graça".
Do qual se infere que as boas obras que o homem possa realizar não
têm importância alguma. Só a graça é que o salva. E o que praticar más obras será
salvo se tiver recebido a Graça.
Paulo tanto fez malabarismos com as bolas das palavras que elas lhe
caíram no seu enorme nariz.
"Não se pode admitir que Deus fosse tão ilógico de
nos criar dando-nos uma faculdade com proibição de fazer uso
dela206."
Pascal207 dizia: "A conduta de Deus que dispõe de todas as coisas é de
pôr a religião no espírito pela razão e no coração pela graça. Mas querer colocá-la
no espírito e no coração pela força e pelas ameaças não é pôr ali a religião, mas sim
o terror. Terror potius religionem".
Ademais, repugna aceitar que Deus fabrique um pobre espírito da sua
própria essência, consciente de que ele mesmo criado, a fim de atormentar a pobre
humanidade indefesa, para, afinal, lhe impor as maiores torturas, por toda a
eternidade, ao passo que outro irá gozar as delícias do Paraíso.
206 Príncipe J. Lubarsmiski.
207 Pensées, XXIV, 3 — Ed. M. Havet, p. 295.
311
Sois Papa, sois bispo, sois cristão ou entre cristãos; se, porém,
houvesses nascido na Turquia, na Índia, na Grécia ou alhures, certamente seria o
mais fanático dos muçulmanos, dos budistas ou dos cristãos ortodoxos.
E, se, em boa lógica, Deus é quem cria os espíritos para atirá-los em duas
extremas eternidades, não é justo que ele povoe essas regiões, antagônicas ao
Catolicismo, de pobres espíritos inconscientes, para fazê-los sofrer no fim de uma
efêmera existência.
Mas isso é um mistério, responde o padre, e mistério não se discute.
Diógenes, o Cínico, célebre filósofo grego, já dizia que os "Mistérios"
tinham a pretensão de garantir a felicidade eterna a celerados, uma vez que fossem
iniciados, ao passo que homens honestos que deles se afastam terão de sofrer nos
infernos208.
De fato, repugna aceitar que um homem virtuoso, caridoso, temente a
Deus, possuindo, em suma, todos os requisitos de um santo, como os há aos
milhões em credos contrários e em várias partes do mundo, se veja condenado
como herege à excomunhão e às penas eternas de um inferno, só pelo fato de não
aceitar os dogmas de um certo credo que lhe cerceia a liberdade de pensar, ao
passo que um celerado, assassino, ladrão, devasso e hipócrita, merecerá todas as
honras e as regalias do céu, uma vez que ele tenha abdicado do seu livre-arbítrio,
como fazem os jesuítas e satisfaça as tabelas absolutórias dos maiores crimes, ou,
na hora extrema, se tiver tempo, peça perdão a Deus, o que não deixa de ser de
uma grande comodidade para os bandidos, mas pouco edificante em moral e
religião.
208 SALOMON REINACH — Lettres a Zoé.
312
Reencarnação
Se a doutrina que Paulo diz ter recebido de Jesus é uma Verdade, Paulo
ensina que nossa alma tem de reencarnar-se em sucessivas vidas, neste ou em
outros planetas até chegar à perfeição, reintegrando-se na Essência Divina, da qual
emanou e por culpa sua decaiu, o que está de acordo com o próprio ensino
mosaico, brâmane, búdico, zoroástrico, órfico, pitagórico, platônico, do Cristo e dos
próprios selvagens de todos os sertões do mundo.
Ora, é claro que não poderíamos em tão poucas linhas documentar cada
uma dessas doutrinas, por isso citaremos, por assim dizer, ao acaso, Salmos CXLVI,
4, que Jesus cantava nas Sinagogas, como era de seu dever: "Sai-lhe o espírito,
volta para a terra; naquele mesmo dia perecem seus pensamentos", isto é,
desencarna-se, reencarna-se e esquece sua vida anterior.
Orígenes, considerado por São Jerônimo como a maior autoridade da
Igreja, diz em seu livro De Principiis: "As causas das variedades de condições
humanas eram devidas às existências anteriores". "A maneira como cada um de nós
põe os pés na terra, quando aqui aportamos, é a conseqüência fatal como agiu
anteriormente no Universo". "Elevando-se pouco a pouco, os espíritos chegaram a
este mundo e à ciência dele, daí subirão ao melhor mundo e chegarão finalmente a
um estado tal que nada mais terão de ajuntar".
O próprio Jesus, respondendo aos apóstolos que o interpelaram a
respeito de Elias, lhes disse: "Já esteve entre vós e não o conhecestes" e a um
fariseu: "É preciso renascer outra vez para alcançar o reino do céu".
313
João XIV, 3 e referências, põe na boca de Jesus a seguinte frase: "Se eu
for209, virei Outra vez..."
E no mesmo João III, 6: "O que é nascido da carne é carne, e o que é
nascido do espírito é espírito. Não vos maravilheis de ter dito: necessário vos é
nascer de novo".
Atos I, 22 — referindo-se a João: "Se eu quero que ele fique até que eu
venha..." João morreu aos 96 anos, sem que Jesus voltasse.
Assim se exprimindo, Jesus repetia a súmula da doutrina búdica que se
resume na preparação de uma nova alma, isto é, reconsiderar seus erros, seus
pecados, pedir perdão a Deus, evitando, sobretudo, de reincidir, pois Deus, como
Pai Misericordioso, perdoa a seu filho, e não o condena a penas eternas como faz o
Catolicismo; e, se o malfeitor ou iníquo não quiser abandonar sua vida de erros, terá
de recomeçar nova existência até ser reintegrado na essência da qual emanou, e
antes dessa reencarnação, segundo a Cabala dos Judeus, os espíritos combinam
de se unirem na terra, ou por matrimônio ou por outro modo, a fim de se
coadjuvarem para a perfeição.
Segundo Léon Denis210, o Krishna na Índia e o Cristo da Judéia seriam a
mesma entidade espiritual reencarnada na terra, em suas épocas próprias.
E. Heuseler211 conclui que o último Buda que existiu estaria na 550ª
reencarnação.
No Bhagavad-Gita (o Evangelho da Índia), Krishna assim se exprime: "Eu
e vós tivemos vários nascimentos. Os meus só são conhecidos por mim; mas vós
não conheceis os vossos. Conquanto eu não seja mais, por minha natureza, sujeito
209 Tal condicional estabelece uma dúvida pouco agradável, depois de muitas asserções neste
sentido.
210 Le Génie Celtique et le Monde Invisible.
211 L'âmc et le dogme de Ia transmigration dans les livres sacrés de l'Inde ancienne - I928.
314
a nascer ou morrer, contudo, todas as vezes que a virtude declina no mundo e que o
vilão e a injustiça exorbitam, então eu me torno visível e, assim, me mostro de era
em era para a salvação do justo, o castigo do mau e o restabelecimento da virtude".
"Tudo que nos sucede neste mundo é a
conseqüência dos atos anteriores. Somos o que pensamos, e
os atos da presente existência amadurecem em uma vida
futura."
E crença no Budismo que Krishna é a reencarnação de Rama, e, Issa212 é
a 23ª reencarnação de Buda.
Buda, na primeira página do Itivutaka, diz: "Eu sou vossa segurança para
o retorno à terra".
Os muçulmanos esperam do mesmo modo a volta de Maomé, como os
primitivos cristãos e Paulo acreditavam firmemente na próxima volta de Jesus que
devia ser efetuada naquela geração, antes que as que ali estavam morressem. Ou
foi por brincadeira que ele fez essa promessa?
Entretanto, diz o príncipe J. Lubomirski213: "Ensinar ao proletário que,
depois da sua morte, ele tornará a ver num dado momento o Sol, a vegetação e
seus semelhantes, que ele gozará com mais largueza dos prazeres terrestres,
apenas pressentidos por ele e verá, ao mesmo tempo, diminuir as misérias da sua
atual existência e isso com a condição de trabalhar para o bem-estar comum da
humanidade, de que ele beneficiará sob outro invólucro, não será encorajá-lo ao
bem?"
212 Nosso Jesus, segundo NICOLAS NOTOVICH.
213 Une réligion nouvelle.
315
Essa antiqüíssima doutrina da reencarnação, conhecida no mais
recôndito da terra, professada pelos sábios da Grécia, pelas escolas de Alexandria e
outras, por Cristo, antes e depois dele, por Orígenes, São Jerônimo, Swedenborg,
Allan Kardec e por vários pais da Igreja, foi violentamente abafada pelo fanatismo de
bispos sem cultura e sem freio, no Concilio de Nicéia, em 325, a fim de limitar a
existência da alma a duas eternidades: a do paraíso e a do inferno, em cujos
domínios a Igreja Romana pretende manter a chave a justificar a criação do
Purgatório, sua principal fonte de renda.
Segundo a metáfora de Ed. Schuré214, a encarnação do Cristo — Jesus se
assemelha ao fenômeno da tromba marítima. O mar arqueando o dorso em
corcovos agudos parece ir ao encontro da nuvem negra que, em turbilhão
espiralado, desce sobre ele.
De repente, as duas pontas se atraem e se confundem, como duas bocas
tilânicas. A tromba está formada! O vento bebe o mar e o mar absorve o vento!
Assim foi o Cristo, o Messias, que, descendo do mundo espiritual ao
mundo físico, através do plano astral e do plano etéreo, se assemelha ao meteoro
marítimo. Ele absorve o mundo e o mundo o absorveu.
A vida de Jesus foi uma confirmação pública dos antigos Mistérios a que
se assistia nas iniciações dos tempos do Egito, da Grécia e outros.
Como não tratamos neste trabalho de fazer a apologia de um
determinado Credo, aconselhamos ao nosso leitor católico ou acatólico a leitura
metódica das obras que tratam da reencarnação, encontradas na Livraria da
Federação Espírita.
214 L'Évolution Divine.
316
E certo que seu espírito inteligente ou o seu guia espiritual fará brotar em
seu cérebro a centelha que lhe iluminará a estrada.
A adivinhação, a feitiçaria, a crença em sonhos, os fantasmas e seus
derivados: duendes, lobisomens, mula-sem-cabeça etc., os intermediários entre
vivos e mortos, hoje chamados de médiuns, são fatos que remontam a uma tal
Antigüidade, que é impossível estabelecer-lhe, sequer, um período, pois
encontramos essa crença não só no mais recôndito das selvas e nas ilhas da
Oceania, entre tribos que, de humanas, só têm a forma, Como entre os povos de
adiantadas civilizações, o que prova que os primitivos habitantes deste globo,
afastadíssimos uns dos outros, se entregavam, com fundamento, a essas práticas
metapsíquicas.
Assim é que na China, 3 mil anos antes de Cristo, o espiritismo já era bem
conhecido. Uma prancheta servia de médium entre o morto e seus descendentes.
Invocavam-no com preces, música e canto. E quem o relata agora é Léon Wieger,
incorruptível missionário católico, no Tcheli, na parte que lhe toca na obra —
Christus — de Joseph Huby, p. 135, Religiões e doutrinas da China.
Na Índia, Buda já dizia que tudo quanto nos sucede neste mundo é a
conseqüência dos atos anteriores. Somos o que pensávamos; e os atos presentes
amadurecem numa vida futura.
Swedenborg, o filósofo místico, falecido em 1772, foi talvez, senão o
primeiro médium vidente e auditivo, muito antes do aparecimento das irmãs Fox,
pelo menos um dos que se salientaram pelo saber, médico como era, e pelas suas
virtudes morais. A diferença que se nota em suas manifestações é que, em vez de
invocar os desencarnados, ele desprendia seu espírito que ia ao empíreo ver e ouvir
317
as lições de Jesus, tal como procedem aos budistas. Suas obras podem ser
consultadas, com proveito, pelos estudiosos.
As visões de entidades ultraterrestres, as audições de vozes celestiais, as
manifestações materiais, aparentemente infratoras das leis da física, são fatos
constatados pela ciência positiva e pelo próprio clero católico, como já temos citado
no correr deste trabalho, clero inimigo da doutrina espírita, pois, a negá-los, teria de
negar os mesmos fenômenos de que estão cheios o Evangelho e a Bíblia.
Na Bíblia são os querubins que, de espada em punho, guardavam a porta
do paraíso, para que o casal desobediente ali não mais penetrasse; são sarças
ardentes a falar com Moisés; são vozes de trovão arengando o povo de Israel; são
querubins a confabular com Abraão e outros patriarcas e reformadores; são mãos
luminosas aparecendo no festim de Baltazar; são os profetas em contínuas
audiências com Jeová; são espíritos falando pela boca de um asno para convencer
sua carga humana; são aparições do espírito de Samuel, invocado pela pitonisa e
muitos outros fenômenos espiríticos (espirituais), que seria fastidioso espiolhar no
Pentateuco.
Nos Evangelhos, é um anjo que anuncia a Maria seu faustoso
acontecimento; são anjos a reconfortarem Jesus; são Madalenas dialogando com
espíritos; é o próprio Jesus aparecendo aos seus discípulos; são repetidas aparições
da virgem mãe, sob várias invocações; são legiões de maus espíritos encarnados
em corpos humanos e transferidos por Jesus para uma manada de porcos, por um
jogo de passe-passe; é o próprio Satanás aparecendo a Jesus e transportando-o
sobre suas asas, à guisa de aeroplano; são mulheres de visões e audições de
vozes, sentidas por santos e santas do Catolicismo.
318
Em suma, a humanidade sempre esteve em constantes relações com o
Além. Nada se fazia ou se faz sem consultar o mundo celeste ou infernal.
Entretanto, o clero ignorante e fanático, aquele a quem é vedada a leitura
de obras profanas que não tenham o necessário Nihil obstat e o Imprimatur, que
desconhece a aceitação desses fenômenos supranormais, como os qualificou o
sábio Charles Richet, em sua Metapsíquica, não só por parte da Ciência como, o
que é mais interessante, por parte dos seus próprios teólogos, trepa no púlpito de
uma igreja e, de lá, desanda uma desenfreada catilinária contra os espíritas, contra
aqueles que, a exemplo dos seus santos (e como ele próprio faz invocando santos),
invocam espíritos desencarnados, os quais, com suas novas luzes, guiam os
homens na terra, no caminho do bem, do amor ao próximo, da caridade
incondicional, para a felicidade desse mesmo clero e da humanidade em geral.
Para esses energúmenos, todos os fenômenos espirituais que não sejam
produzidos por seus adeptos são obras do diabo, sem se lembrarem, para serem
coerentes, se este termo não se chocasse com sua própria incoerência, que o
princípio do Mal, criado por Zoroastro, e por ele adotado como entidade dogmática,
já deve estar completamente regenerado pelas virtuosas prédicas que ele mesmo
transmite à humanidade por intermédio dos médiuns espíritas.
O Budismo aceita a crença da reencarnação que já vem de tempos préhistóricos.
O Mosaísmo aceita a mesma crença, embora proíba as invocações.
O Cristianismo, pela boca do seu próprio fundador, aceita igualmente
essa crença.
319
Só o Catolicismo, em desacordo com a doutrina do Mestre, recusa
formalmente aceitar as sucessivas reencarnações, forjando para seu fim comercial
duas eternidades com parada de descanso e respectiva tarifa de trânsito.
Pluralidade dos Mundos
Mas, não se segue daí que, desencarnado um espírito, ele tenha
forçosamente de reencarnar-se nessa misérrima jaula de feras humanas.
Então para onde ela irá?
Jesus mesmo nos responderá com suas palavras: "Na Casa de meu Pai,
há muitas moradas", referindo-se, assim, à imensidade infinita de mundos
habitáveis.
Para dar uma pequeníssima idéia dessa imensidão indescritível do
Universo sideral, peguemos um punhado de pó, atiraremos para o ar e o
fotografaremos imediatamente. Que vemos na chapa? O mesmo aspecto que se nos
apresenta à noite na Via Láctea, a qual pertencemos, bem como o Sol e os planetas
que constituem nosso sistema. Um daqueles minúsculos pontos de poeira, um
pouco mais grosso, representará nosso Sol, e o mais pequenino deles será a Terra
em que vivemos.
Por que só esse microscópico ponto é que seria habitado por nós e os
outros não?
Por que não haveria habitantes nas miríades de pontos que constituem a
Via Láctea?
C. Flammarion responde por nós com sua maestria215.
215 La pluralité des mondes habitats.
320
W. W. Coblenz, sábio físico americano, confirmou, pelos seus estudos em
1924, ser a atmosfera do planeta Marte muito parecida com a nossa, não havendo
mais dúvida acerca da existência de água e dos minerais que possuímos.
Igualmente, R. A. Milikan, também sábio astrônomo americano, verificou a
nova descoberta dos íons emitidos pelos astros, cuja teoria já era conhecida da
antiga astrologia216.
Se compararmos o valor nominal desse pobre planeta, com os demais do
nosso sistema solar e com os milhões de planetas que circulam em redor dos
milhões de sóis, milhões de vezes maiores do que o nosso, constituídos
geologicamente idênticos e com os mesmos gases do nosso, veremos nossa
empáfia reduzida a zero; verificaremos quão ínfima e microscópica é sua capacidade
no Universo, para que o Criador só tivesse povoado esse grão de pó, com uma
humanidade ainda mais microscópica, moldada, conseqüentemente, na sua
microscópica personalidade uma vez que o homem é feito à imagem de Deus.
Para dar ao leitor, não afeito a essas expressões astronômicas, uma idéia
dessas colossais dimensões, faremos ainda uma pequena comparação: por
exemplo, Canope é uma dessas brilhantes estrelas que vemos cintilar à noite no
firmamento, entre milhões de bilhões de outras idênticas. Pois bem, esse pequenino
ponto brilhante é o Sol (como, aliás, todos os outros), um milhão de vezes maior que
o nosso Sol. Se a representarmos do tamanho de uma roda de automóvel, nosso
Sol será representado por um grão de areia colocado sobre o pneumático. Ora,
sendo nosso Sol um milhão e meio de vezes maior que a Terra, façam-nos o favor
de dizer de que tamanho poderíamos representar a Terra ao lado desse grão de
areia?
216 Science et La Vie — Junho 1929.
321
Outra comparação mais palpável é tomarmos a Terra como um grão de
chumbo, colocado sobre um zepelim.
Diante disso, de que tamanho se poderia representar ali o homem e,
portanto, esse Deus?
Pobre vaidade e presunção humana!
Para que serviriam, então, esses milhões de sóis, esses milhões de terras
habitáveis, obedecendo a uma complicada mecânica, com enormes ponteiros
representados pelos infinitos cometas que, em seu giro elíptico, matematicamente
anunciados pela ciência astronômica, marcam imensos ciclos de séculos?
Esses imensos ciclos são contados pelos sábios antigos como
abrangendo um período de 432 mil anos, época em que as constelações voltam à
sua primitiva posição, o que é um fato científico constatado desde uma inconcebível
Antigüidade.
Pergunta D. Mijeikowsky: "Quantos ciclos há? Um número infinito? Não;
três somente, pois o mistério dos Três realiza-se em três mundos". Se isso é certo,
estaremos no segundo ciclo de destruição pelo fogo.
Isso está de acordo com as três terras do Apocalipse de João.
Não está, porém, de acordo com os decretos dos Papas e Concilio, que
querem que todos esses pontos luminosos sejam luminares para clarear a Terra e
que nossa alma tem de ir, quer queiramos quer não, para o céu ou para o inferno.
Se não houvesse essa lei da reencarnação, e se toda alma tivesse de ir
para essas duas extremidades, segue-se, em boa lógica, que Deus há de ter uma
fábrica de almas puras, com suficiente estoque e pessoal de alcatéia e de
prontidão para, nos milhões de atos da fecundação do gênero humano, poder suprir,
322
à Ia minute, todas as nações e raças, para depois atirar essas desgraçadas, que não
pediram para ser fabricadas, umas no céu e outras no inferno.
Não! Não é a Terra o Centro do Universo, como quer o Catolicismo.
Existem outras milhares de terras, com sistemas solares idênticos ao nosso,
obedecendo às mesmas leis de atração e repulsão, e com movimentos rotativos
contrários ao nosso, como sucede a Netuno e Urano que procuram encaixar no
nosso sistema.
Tudo isso era conhecido desde uma Antigüidade pré-histórica, como
provam os monumentos astronômicos do México, do Peru, da Pérsia, do Egito, da
China etc.
Entretanto, o Catolicismo reduziu a cinzas nas fogueiras de Roma o pobre
Giordano Bruno, frade dominicano, e outros, tendo Galileu escapado do braseiro
pela sua célebre retratação, porém foi condenado à prisão em 1633, pelo papa
Urbano VIII, na qual morreu em 23 de janeiro de 1642, sendo-lhe negada a própria
sepultura pelo referido papa! O mesmo sucedeu ao frade dominicano Campanelli,
condenado a 27 anos de prisão. Cristóvão Colombo, o descobridor da América,
Abelardo Savonarola, Vanini e muitos outros foram presos e morreram nas
masmorras, por pregarem a Verdade da Ciência. Descartes foi morrer na Suécia,
Spinoza é proscrito, J. J. Rousseau é cercado de asilo em asilo e uma legião de
outros que seria demorado demais enumerar.
Infelizmente, o catecismo católico, que alguns apologistas preconizam
como o supra-sumo do ensino religioso, continua a enublar o cérebro infantil, com
ser o Sol, a Lua e as estrelas, luminares colocados na abóbada celeste, para
separar o dia da noite, em vez de ilustrar o espírito ainda em embrião, de gerações
futuras, com outras noções que não as que seus próprios observatórios
323
astronômicos reconhecem como antagônicas com aqueles livros. O mais que pode
sair daí são sacristãos; mas não homens de ciência.
Mais tarde se transformarão em reacionários contra o clericalismo, como
acaba de suceder à ultracatólica Espanha e à própria Roma.
Mas o céu deve ser povoado de ignorantes, diz o cura da freguesia... et
pour cause.
Desgraçadamente, estão esses ignorantes espalhados pela face da
Terra, somando uma assombrosa maioria de analfabetos; dentre eles há uma
respeitável porcentagem de cretinos, verdadeiros bosquímanos, que constituem a
fantástica legião de cegos do Catolicismo; uns porque nunca ergueram os olhos
para o firmamento, interrogando-se a si próprios do que vêem; outros por nunca
lerem tido ocasião de admirar pelo telescópio as deslumbrantes maravilhas do
Universo sideral, de observar o incessante nascimento de novos sóis e a morte de
alguns por terríveis explosões ou resfriamentos, de extasiar se ante a ofuscante
cromatonia; outros, ainda, embora tendo vagas noções por leitura passageira de
obras a respeito de astronomia, as põem de parte por incômodas as lições do
catecismo que receberam na infância, lições que lhes falam de uma terra fabricada
às pressas em seis dias e de um Sol e uma Lua, criados no quarto dia, depois de
feita a luz no primeiro dia, pregados na calota celeste para servir de lampiões aos
homens.
Sem que se possa afirmar, no estado atual dos nossos conhecimentos,
que os planetas sejam, de fato, habitados com entes idênticos a nós, podem, pelo
menos, ser habitáveis pelas suas condições vitais, com seres adequados às suas
densidades, embora sem corpo material como o que compreendemos.
324
Se nos deixarmos levar unicamente pelo nosso sentido visual, mesmo
auxiliado pelo telescópio, para descobrirmos habitantes na Lua, por exemplo, que é
o que está mais próximo de nós, o resultado seria o mesmo que se nos
transportássemos sobre ela e empregássemos os mesmos meios de visão para
descobrir habitantes na Terra. Vista de lá, a Terra apresenta o mesmo aspecto da
Lua vista de cá, branca com suas manchas, seus quartos minguantes e crescentes,
e a impressão que nos causaria sobre a existência de habitantes na Terra seria a
mesma que a que nos causa quando olhamos a Lua: negação absoluta de vida
terrena.
É possível que um dia, se é que esta bola não venha a estourar antes
pelo fogo interno que a consome, o homem disponha de possantes aparelhos que
permitam a visibilidade da vida animal nos planetas. E mesmo muito provável que
isso se realize a curto prazo, dado o fantástico progresso da ciência neste século de
luzes, em que já se consegue fotografar os ultra-íons, partículas inimagináveis da
eletricidade, a não ser que o Vaticano, irreconciliável com a ciência e a civilização
moderna, conforme confessa o "Syllabus", implantando o pólo Norte sua bandeira
branca e amarela, como a tiara e a coroa ao centro, restabeleça a proibição desses
estudos, como sendo armas de Satanás, para afastar o homem do caminho de
Roma.
Jesus, São João, São Paulo, os apóstolos, os profetas, São Jerônimo,
Orígenes e muitos sábios e legisladores acreditaram na pluralidade dos mundos.
Pode-se, pois, presumir, sem incorrer na pecha de visionário, que neles
resida uma humanidade, tomando este termo no sentido de espécie, dotada com o
Verbo, embora fisiologicamente diferente, sem o que não poderia respirar, caminhar,
alimentar-se tal qual o fazemos neste vale de lágrimas, e, ipso facto, seu próprio
325
Criador, uma vez que ele é feito de carne e osso como nós, segundo afirma o
Catolicismo.
"Na casa de meu pai há muitas moradas", disse Jesus. Pois bem,
preparemos desde já a nossa, enriquecendo nosso espírito com as luzes da
fraternidade.
Ressurreição
Além dos que já temos citado, um dos principais alicerces do Catolicismo
é, também, sem contestação, a ressurreição de Jesus.
Mas como esse assunto não está positivamente explicado nos
Evangelhos, se bem que o aceitemos em tese, procuraremos sondá-lo, trazendo a
legenda desses livros diante da crítica científica.
Estamos de perfeito acordo com Albert J. Edmunds217 quando diz: "Como
cristão (porquanto não adoto nenhuma seita ou igreja) eu, pessoalmente, sustento
que o encargo da missão de Jesus, após sua ressurreição, não é uma simples
invenção para imitar o Budismo; mas uma realidade".
Mas, logo ao abrir o primeiro Evangelho, nota-se que Mateus não se
refere a esse extraordinário acontecimento, nem consta dos anais de Roma.
O que é citado pelos outros escritores, que redigiram aqueles livros 150
anos depois, não pode merecer a mínima fé, porque nenhum dos apóstolos assistiu
ao suplício e ao sepultamento provisório, tendo fugido covardemente, e, mesmo,
pelas contradições que apresentam.
E a prova disso é que:
217 I Vangeli di Budha e di Cristo.
326
João XIX, 25, diz: "E junto da cruz de Jesus (portanto, mais perto não
pode ser) estavam a mãe e a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria
Madalena".
Mas, Mateus XXVII, 53, 56 e Marcos XV, 40 e Lucas XXIII, 49, que se
repetem, dizem: "E estando ali olhando de longe, vimos muitas mulheres, entre as
quais estavam Maria Madalena, Maria, Mãe de Tiago e de José, que também era
discípulo de Jesus".
Quem está com a verdade evangélica?
Ah! Santo Agostinho não leu com atenção!
Ademais, a leitura atenciosa desses três evangelhos salienta várias
contradições, dúvidas e inverossimilhanças, que vamos esmiuçar um pouco.
Assim é que, dizem uns e outros, ter aparecido no túmulo, ora um, ora
dois anjos; que Madalena não reconheceu o próprio Jesus, tomando o vulto por um
jardineiro (João XX, 14), o que se não pode admitir, dada a intimidade que havia
entre ambos, a não ser que Jesus se tivesse transformado de tal modo, a ponto de
tornar-se totalmente irreconhecível, o que, neste caso, faz transparecer a dúvida de
ser realmente ele, Jesus, que ali estivesse.
Ora, se o fim de Jesus, ressuscitando, era o de provar sua identidade
depois de morto, e confirmar as escrituras, sua palavra e a doutrina que pregou, é
inadmissível que ele se transfigurasse de modo a não ser reconhecido três dias
depois por Madalena e, mais tarde, pelos próprios apóstolos.
Não se pode conceber, em boa consciência, que seus próprios discípulos,
caminhando com ele e conversando durante 40 dias (número curioso), também não
o reconheceram; era outro homem que ali estava, comendo e bebendo com eles,
aparecendo e desaparecendo, sem mais explicações, episódios contados
327
unicamente por João, sem o mais leve comentário, como quem conta um conto das
1.001 noites.
Mas concentremo-nos um pouco e reflitamos sobre essa aparição a
Madalena.
Se Jesus tivesse saído do sepulcro, afastando sozinho, pelo lado de
dentro, a pesadíssima porta de pedra que tapava a entrada, o que estava além de
suas forças físicas, máxime naquela ocasião218, ele teria aparecido a essa mulher,
completamente nu, visto como sua túnica fora dividida entre os centuriões, e o
Sudário em que o envolveram jazia dobrado a um canto.
Ora, semelhante apresentação em público não teria deixado de
impressionar vivamente os olhos de Madalena, que se teria apressado em
comunicar essa particularidade aos discípulos.
Mas o vulto que Madalena interpelou sobre o lugar em que teriam posto o
corpo de Jesus estava vestido com uma túnica idêntica, sem o que ela não o poderia
confundir com o jardineiro, ou coisa que o valha, no caso em que este estivesse nu,
sendo mesmo de notar que, nem pela própria voz, ela reconheceu Jesus. Era,
portanto, outro homem.
Esse raciocínio, que ainda não encontramos em nossos estudos, dá
razão à escola que admite ter Madalena sido vítima de uma ilusão, motivada pelo
estado anormal e sugestivo em que se achava; visão esta que representava Jesus
tal qual era visto antes, sem se lembrar que lhe haviam carregado a túnica.
Acreditam os críticos pesquisadores que os personagens (anjos) que ali
apareceram a Madalena eram membros da seita essênia ou terapeuta, da qual
Jesus fazia parte, como já vimos, que para ali fossem com a finalidade de deslocar a
218 Não nos venham com a arma do Milagre!
328
pesada pedra e remover o corpo para seus templos, por não serem mortais os
ferimentos, auxiliados por José de Arimatéia, dono do sepulcro, bom amigo e
discípulo oculto, a fim de tratá-lo, mandando-o, em seguida, completar sua obra
como redivivo, para melhor cimentá-la, recolhendo-se, por fim, ao templo, sendo
ignorado o resto.
Marcos XVI, 7, conta, mesmo, que as mulheres, entrando no sepulcro,
viram um mancebo sentado219, vestido com uma roupa comprida, branca (como a
dos essênios) que lhes disse: "Não vos assusteis; buscais Jesus Nazareno que foi
crucificado? Já ressuscitou; não está aqui" etc.
Sendo a indumentária, o corte da barba e do cabelo desses essênios
idênticos aos de Jesus, não é de admirar que isso tivesse concorrido no espírito
atribulado de Madalena para que ela afirmasse aos discípulos ter visto o Rabi, e
fizesse com que eles, eivados de dúvida, acabassem por crer, sendo, porém, preciso
que fossem ao local, com medo, verificar a... solidão do sepulcro.
De modo que, se os próprios discípulos que Jesus havia escolhido, dos
quais só um desnorteou, chegaram a duvidar da ressurreição do Mestre, como conta
Marcos XVI, 9 a 14, Lucas XXIV, 14, Mateus XXVIII, 17 e o próprio Tomas, exarquiteto;
se só João, cujo evangelho é considerado apócrifo, é que se estende
sobre esse fato, como quer o Catolicismo que seus antagonistas acreditem numa
história tão mal contada por uma mulher sugestionável? O tema da ressurreição é
todo decorrente de Madalena. Se não fosse essa mulher, o Cristianismo não teria
florescido por intermédio de Paulo, que se baseou na ressurreição; o corpo do Cristo
teria desaparecido dali, para ser devidamente inumado em outro lugar, por ser
aquele provisório; os discípulos se teriam dispersado, como fizeram alguns, e nem
219 É curioso ver anjos descansando, sentados!
329
eles teriam tratado mais da questão, que se cingia, exclusivamente, doravante, ao
Reino do Céu.
Por isso Paulo, emérito sofista, em Coríntios XV, 4, frisa, com alguma
intenção, certamente, que Jesus ressuscitou no terceiro dia, segundo as escrituras,
isto é, conforme já estava escrito pelos profetas, mas não de fato, porque ele não
assistiu ao ato, nem acreditava no boato que corria naquela ocasião.
Só depois ele organizou seu programa sobre essa ressurreição, fazendo
os apóstolos repudiarem a tese do Reino de Deus, do que não mais cogitaram.
Diz Hippolite Rodrigues220: "Encarando este assunto de mais alto, a
história, pelo que parece, deve procurar saber se a crença na ressurreição de Jesus
depende ou não em linha reta da crença nas ressurreições de Enoch, Moisés e
Elias".
"Se este ponto for aceito, resultará a necessidade
absoluta da ressurreição de Jesus."
"Pois, com efeito, segundo as idéias do tempo, se
Jesus não ressuscitou, Jesus é reconhecido inferior àqueles
que Deus havia ressuscitado, e, então, toda a doutrina
nazarena fica derrubada."
É possível, portanto, que, recolhido o corpo de Jesus pelos essênios e
terapeutas, reanimado e tratado, fosse ele, de fato, conviver 40 dias com seus
discípulos, abatido pelos sofrimentos, sendo por fim reconhecido.
220 PIERRE, p. 53.
330
Lázaro e outros personagens, segundo os evangelhos, teriam igualmente
ressuscitado, sem que tal fato extraordinário focasse consignado nos anais de
Roma, apesar da estupefação que deveria ter causado.
A curiosidade pública teria ido verificar o estado de suas carnes, que já
tinham sofrido a segunda fase da putrefação cheirando mal e teria indagado acerca
do destino que teria tido seu espírito, nesse intervalo de quatro dias.
Quanto tempo viveu mais e quando morreu, de fato, tal ocorrência as
escrituras não dizem.
Ademais, toda a magistratura judaica teria organizado um relatório a
respeito de tão importante acontecimento, pois Tibério exigia que todos os Pretores,
Procônsules etc. o informassem minuciosamente de tudo quanto ali se passasse.
Tibério não teria igualmente deixado de interrogar o ressuscitado, a filha
de Jair e o filho de Nun, igualmente ressuscitados, como conta Lucas VII, 14, e
Marcos V, 41.
Contrariamente ao que pensam os protestantes, quando Jesus disse:
"Lázaro, sai para fora", não foi à alma que ele se dirigiu, pois esta não mais fazia
parte desse corpo putrefato, visto ser a alma o sangue, segundo as próprias
escrituras; mas, sim, a outra essência mais elevada, ao espírito, que ele teria feito
baixar do céu, novamente, para reencarná-lo no mesmo corpo decomposto, sem
células, sem fibras, sem sangue, em suma, sem as condições de funcionamento; e,
admitindo-se mesmo, a hipótese de um milagre, remédio eficaz para os casos
difíceis, seria isso de uma grande crueldade.
A crença na ressurreição dos mortos era do domínio da religião egípcia,
da qual surgiu o embalsamento de corpos. Essa crença espalhou-se e perdura em
certas religiões, como no próprio Catolicismo.
331
Anquetil Duperron diz que a idéia cristã da ressurreição da carne já se
achava na doutrina de Zoroastro.
O Cristianismo pôs fim, no Egito, ao costume de embalsamar os corpos,
condenando essa superstição; mas o Catolicismo, sempre por espírito de
contradição e incoerência, aprova e santifica essa operação em um católico e
mesmo nos papas, benzendo o corpo e encomendando-o a Deus.
O egípcio levava o cadáver ao Templo de Osíris, em Abidos, para que
pudesse entrar em comunicação efetiva com Deus. O mesmo faz o Catolicismo
levando seu morto à Igreja.
O egípcio transportava, depois, o corpo à necrópole, onde abriam os
olhos e a boca, procedendo-se então a descida do sarcófago ao túmulo, na
presença de padres e turiferários.
Do mesmo modo se procede no Catolicismo, mas sem abrir olhos, nem
boca... Pudera...
Os egípcios colocavam amuletos no túmulo para afugentar os maus
espíritos; o católico deposita rosários, santinhos etc., e espeta a cruz com o mesmo
fim. O livro chamado Horas também é posto no sarcófago pelo Catolicismo tal qual
faziam os egípcios com o Livro da Manifestação da Luz.
Ora, por que toda essa imitação do Paganismo? Provavelmente pelos
benefícios financeiros que daí resultam, pois de outro modo como poderia a Igreja
viver?
Os mitos de um Deus que morre e ressuscita e o nascimento virginal de
um libertador são crenças que já existiam muito antes do Cristianismo.
Assim é que se lê no Livro dos Mortos do Antigo Egito:
332
"Osíris é o Filho que deve vir da terra ressuscitado.
Osíris é a alma do pão. Os homens devem comer a carne de
Osíris. Tu és o pai e a mãe dos homens; eles respiram pelo teu
sopro, eles comem tua carne". "Em um papiro se lê: 'Que este
vinho seja o sangue de Osíris.' "
Junte-se a esse trecho o que dissemos a respeito da missa e digam-nos,
em boa consciência, se todas as palavras que Jesus pronunciou, neste sentido, não
têm íntima relação com as doutrinas egípcias, conhecedor como ele era das
mesmas, por Moisés e pelos templos que ele percorreu.
Isaías LIII, 7, parafraseado por D. Merejkowski, em Mystères de l 'Orient,
assim diz: "Osíris conhece o dia em que não será mais. Conhece seu sacrifício. Ele
tem o poder de dar a vida e de a retomar. Seu suplício é voluntário. Ele foi
supliciado, mas ele mesmo o quis".
No Livro dos Morto do Antigo Egito, capítulo CLIV, também se lê: "Como
impedir que o corpo se corrompa?" O corpo de Osíris responde: "Não conhecerei a
corrupção; o verme não me atacará. Eu sou, eu sou! Eu vivo, eu vivo! Eu creio, eu
creio!" que se pode resumir nas palavras que Jesus pronunciou: "Eu sou a vida, a
via, a verdade!".
Não está evidentíssima a analogia de doutrina?
Ou Jesus conhecia essa religião egípcia, como é de supor, bem como a
profecia de Isaías e soube aplicá-la ao seu caso, ou os evangelistas, século e meio
depois, fizeram-lhe uma adaptação, transformando Osíris em Cristo, ou ainda, o que
é muito aceitável, Jesus era o Osíris esperado, o Messias prometido por Moisés,
depositário das tradições.
333
Na religião de Zoroastro, os magos representavam os fenômenos celestes
por figuras humanas, para a boa compreensão da massa ignara. Uma dessas
figuras era a ressurreição de Mitra*, filho do Deus-Sol, que simbolizava o equinócio
da primavera, após a morte do inverno. Mitra havia morrido antes, descido aos
infernos, isto é, ao hemisfério Sul, e ressuscitado em seguida, tal qual fizeram com o
Cristo.
Adônis, outro deus egípcio, também morreu, desceu aos infernos e
ressuscitou no equinócio da primavera. O mesmo se deu com Hórus, Atis, na Frígia,
Orfeu na Grécia e tudo isso, repetimos, muitos séculos antes de Cristo.
A todos esses deuses se erigia um túmulo, chorava-se sua morte e
cantava-se sua volta, anualmente, a vida, como se faz com o Cristo.
Era a vitória do Deus-Sol sobre o monstro do inverno, a Serpente que lhe
tirava a vida e o princípio de fecundidade de toda a terra.
P. Wendland221 notou uma extraordinária analogia entre a morte de Jesus,
em Jerusalém, por soldados romanos, e a que foi imposta em tempos idos,
igualmente por soldados de Roma, ao falso rei das Saturnais, em Denostorium, o
qual foi revestido da mesma roupagem com que foi revestido Jesus e executado no
mesmo dia em que se celebrava a Páscoa.
Idêntica analogia se encontra com o rei dos saceus, na Babilônia.
Mateus XXVII, 26, diz: "Então soltou-lhes Barrabás e, tendo mandado
açoitar Jesus, entregou-o para ser crucificado" (28, 29, 31). "E despindo-o, cobriramo
com uma capa de escarlate. E tecendo uma coroa de espinhos, a puseram sobre
* N. do E.: Acerca do Mitraísmo, sugerismo a leitura de Os Mistérios de Mitra, de Franz Cumont,
Madra Editora.
221 Jèsus als Saturnalien – KONING – PP. 175-179.
334
sua cabeça, e em sua mão direita uma cana... E depois de o haverem escarnecido,
tiraram-lhe a capa, vestiram-lhe seus vestidos e o levaram ao sacrifício".
Dion Chrypostomo descreveu o tratamento infligido ao rei dos saceus,
nestes termos: "Eles tomam um dos condenados à morte, e o colocam no trono do
rei, o vestem com a roupa escarlate do soberano, o deixam desempenhar o papel de
tirano, beber e se entregar a todos os excessos, usar das concubinas do rei; durante
esses dias, ninguém o impede de agir como bem entender. Mas, depois, o despem
de suas roupas, o flagelam e o crucificam", tal qual como entre os astecas dez mil
anos antes.
O costume de matar-se um Deus data de um período muito remoto;
posteriormente, continuaram a praticá-lo, interpretando-se mal o ato, como sucedeu
a Cristo. Ora, segundo o costume antigo, o assassino de um homem tido como
divino nada mais representava do que um bode expiatório, que carregava todos os
pecados e misérias da humanidade. Os israelitas possuíam tal bode como simulacro
do bode humano.
No magistral estudo de James George Frazer222 que se embrenha nos
mais recônditos lugares da Terra, assiste-se a milhares de sistemas, ora vegetais,
ora minerais, ora animais, para descarregar sobre eles os pecados ou os males da
humanidade, passando, por fim, a usar-se do próprio homem, assassinando-o,
anualmente, de um modo tão cruel, que o espírito moderno, embora pervertido,
jamais conceberia coisa igual, assunto a respeito do qual já tivemos ocasião de falar.
Do bode expiatório dos israelitas ao suplício de Jesus, a diferença não
existe, se considerarmos que os evangelhos, o apocalipse e o atual Catolicismo
222 Le boue émissaire.
335
representam Jesus como o "Cordeiro" imolado a bem da humanidade, tal qual rezam
os livros de Zoroastro.
Na mistagogia dos antigos, o Sol nascente tinha forçosamente, após seu
percurso, de ficar, ainda, três meses nos signos inferiores e na região afetada ao
príncipe das trevas e da morte, antes de galgar a passagem do equinócio, que lhe
garante o triunfo sobre a noite, e repara o mal causado à terra.
Daí, segundo Dupuis, a analogia da mistagogia cristã fazer Jesus, o
Cristo, nascer, crescer, morrer, ir aos infernos e ressuscitar no terceiro dia.
A ressurreição dos mortos, do Catolicismo, é outra paródia da religião de
Zoroastro. Diz o Bundadesh: "Os homens serão tais como foram e os mortos
ressuscitarão pelo que vier do Touro" (signo zodiacal).
E como o signo do Cordeiro segue o do Touro, a adaptação não foi difícil.
Todas as alegorias das mitologias seriam um absurdo, se os planisférios
astrológicos não estivessem aí para se verificarem as correspondências
astronômicas com toda a mecânica celeste. Fazendo-se as comparações, as
mitologias perdem seu sentido enigmático e deixam em evidência seu aspecto
puramente científico.
Dupuis foi quem descobriu a chave dos mistérios.
Na Babilônia era hábito flagelar-se, antes de crucificar-se, a vítima que
desempenhava o papel de deus.
Essas cerimônias de sacrifícios de um deus humano, segundo o jesuíta
Acosta, testemunha ocular, na época da invasão do México, pelos fanáticos
católicos, e, segundo o frade franciscano Sahagun, eram realizadas entre os astecas
na festa da Páscoa e já correspondiam, tanto em datas como no cerimonial, à festa
cristã, o que é confirmado por J. C. Frazer.
336
Todos os costumes pré-históricos que foram transmitidos de gerações a
gerações, entre os povos de todos os continentes, modificados de acordo com o
grau de desenvolvimento de cada povo ou com as necessidades locais, provam uma
origem única em sua essência.
Segundo Dupuis, documentado pelo mapa 17 da sua Grande Obra, os
apologistas da religião cristã, Tertuliano e Justino, reconheceram que a mais
razoável opinião que os pagãos podiam ter acerca da nova religião dos Sectários de
Cristo era a de assimilá-la à dos persas e de crer que seu Salvador nada mais era
do que o Deus-Sol, adorado por estes sob o nome de Mitra. Com efeito, Mitra e
Cristo de Zoroastro nasciam no mesmo dia, em uma gruta ou em um estábulo; o
Cristo e Mitra regeneravam o Universo pelo sangue de um Cordeiro ou de um Boi;
eles morriam na época do renascer da luz, como tinham nascido na estação das
Trevas etc.
Ambos tiveram iniciações secretas, purificações, batismos e mesmo
confissões.
Os nomes Jesus e Cristo eram sinônimos de Mitra na religião de
Zoroastro, ambos se referiam ao Filho de Deus.
A ressurreição, portanto, do filho de Maria, pelo modo como está contada
nos evangelhos, não só deixa muito a desejar como estabelece uma prova
impossível de refutar, a de que o Catolicismo é uma adaptação malfeita das religiões
antigas, que ele chama de pagas, bárbaras e heréticas, adaptação que se foi
corrompendo com o tempo, pelas inúmeras transformações por que passou nos
Sínodos, nos Concílios, nas resoluções papais, em terríveis discussões que
motivaram excomunhões de papa a papa, de papa a bispo, de papa ao clero, de
337
papa aos homens, que eram trucidados e queimados, aos milhares, por não
aceitarem seus disparates.
Que Jesus tivesse ressuscitado, isto é, voltado à vida ao cabo de algumas
horas, não podemos, sem boa consciência, pôr em dúvida, porque inúmeras
ressurreições de homens notáveis das escrituras já se tinham realizado, como
inúmeras voltas à vida após algumas horas de catalepsia se têm verificado e se
continuam ocorrendo constantemente nos hospitais e alhures.
Nós que escrevemos essas linhas também já ressuscitamos, uma vez,
depois de uma paralisação do coração por quatro minutos, a dar crédito aos médicos
que, em 1917, nos operaram, na Santa Casa da Misericórdia, tendo a ciência
acudido a tempo com injeções.
Segundo os anais de medicina há, até, fatos muito mais importantes, a
respeito da volta à vida, após longo prazo.
Historiadores de nomeada contam que o verdadeiro Faquir na Índia, após
uma prévia preparação psíquica e submetido a um rigoroso e complicado ritual, é
enterrado durante meses, voltando à vida entre seus adeptos.
A constatação oficial, mas meramente superficial, da morte de Jesus, por
ignorantes centuriões, não pode ser tomada a sério, atendendo-se às dificuldades
de verificação, o que a ciência médica atual é a primeira em reconhecer.
Quantos catalépticos, após o formal reconhecimento da medicina, têm
sido enterrados vivos e encontrados, mais tarde, em posição contrária à que foram
enterrados, pelo esforço empregado para se libertarem da prisão?
Quantos, no ato de serem inumados, têm pulado do caixão, apavorando
os assistentes?
338
Ora, tendo Jesus ressuscitado, claro é que seu corpo deveria volver à
terra. Ele mesmo disse a seus discípulos, quando o reconheceram, que um espírito
não tem corpo. Que foi feito do dele? As escrituras nada dizem.
Só mais tarde é que acharam prudente, ou de bom aviso, fazê-lo
ascender ao céu, como Elias e outros. Deste modo, punha-se um ponto final a
qualquer interpelação.
Templos
Além do que disse Jesus a respeito dos Templos, como temos repetido
várias vezes, lê-se nos "Atos dos Apóstolos" (XVII, 24, 25, 29): "Deus não habita
em templos construídos pelos homens, nem tampouco é servido por mão de
homens". Isso quer dizer, claramente, que ele condena templos e sacerdotes.
Ou o que foi dito pelo divino Mestre e escrito pelos apóstolos que ele
enviou tem valor teologal, ou esses livros são uma pilhéria, e o Catolicismo, uma
formidável farsa, porque age em sentido contrário.
Os que pensam que a vitória de uma religião depende da freqüência dos
templos pelos fiéis se iludem. Os verdadeiros crentes procuram isoladamente, no
recôndito de suas consciências, uma solução para a tranqüilidade de seus espíritos,
e, se aceitam a exterioridade do Culto, é como mera satisfação convencional à
sociedade, forma elegante de hipocrisia.
Se querem elevar um templo de pedra em desacordo com a proibição
feita por Moisés, por Jesus e pelos Apóstolos, que seja um templo aberto, sem
ornatos ou figuras, como o dos quacres, como o dos protestantes, tendo gravado na
parede do fundo os simplíssimos dez artigos do Código Social da Humanidade,
único que agrada a Deus, e a seguinte inscrição do templo de Sais, no Egito: "Aqui
339
se adora o Ser que é a Causa de todos os outros, que encerra todos e de que
nenhum mortal jamais rasgou o véu".
Na China, de tempos imemoráveis, o templo era uma simples torre,
construída no lado sul da capital, e cercado de um bosque sagrado tão espesso que
o menor ruído lá não penetrava e o silêncio absoluto reinava ali. Sob uma cúpula
azulada representando o firmamento, erguia-se um altar de pedra, no qual o Sumo
Pontífice, que era o próprio Imperador, fazia surgir, uma vez por ano, o fogo
sagrado, por meios que nada tinham de humano, a não ser o servir de intermediário,
tal qual agia Moisés na Arca da Aliança. Sobre a parede do fundo, o nome Sangté, o
Supremo Regulador, representa a divindade. Prostrado, descalço e despido dos
seus ornamentos imperiais, ele adora o Espírito do Universo.
Essa analogia com a cerimônia do antigo rei de Salém, Melquisedeque, é
flagrante para quem estuda o Ciclo de Rama.
Na primitiva Índia, anterior à China, o templo era cavado na própria rocha,
obedecendo a um plano arquitetônico, previamente delineado, cujas esculturas
causam, hoje, assombro aos modernos arquitetos. São aos milhares esses templos.
Ali, o espírito humano se concentra por tal forma que chega a ser
exteriorizado.
Nos templos católicos, o espírito humano se concentra no semblante de
uma santa, que anda à procura de seu santo, e a crítica fervilha acerca da moda, do
pó-de-arroz e do carmim.
Sendo os Templos ou mosteiros, na generalidade, construídos com o
dinheiro dos seus respectivos fiéis, em terrenos adquiridos por compra ou doação,
claro é que tais edifícios, sem dono personificado, devem pertencer à nação e não a
entidades eclesiásticas de qualquer culto que seja, desconhecido oficialmente pela
340
Constituição. Tais templos são patrimônio da nação e, como tais, podem ser
cedidos a título precário, ao clero do respectivo culto, como se procede em nações
adiantadas, inclusive o México, percebendo o governo todas as taxas a que estão
sujeitos os estabelecimentos que auferem lucro da sua atividade. Não se pode, pois,
conceber em boa justiça que um templo que mercadeja com a venda de missas de
vários preços, de acordo com a sua qualidade ou eficácia, com casamentos,
batismos, água benta, talismãs, rosários, figuras e quejandos artigos próprios de um
bazar, esteja isento de aluguel, das licenças da prefeitura, dos impostos de indústria
e profissões, dos prediais, territoriais, de renda, dos selos de vendas a dinheiro, dos
de consumo, de cuja renda sai o décimo de São Pedro, que é remetido para Roma!
Salvemos, ao menos, nosso patrimônio, para que não suceda como no
México, onde, em 250 anos, o Catolicismo construiu 15 mil igrejas, mais do que
casas particulares e as do governo, e nenhuma escola!
Façamos reverter esses templos para o patrimônio da nação e
nacionalizemos, mesmo, o próprio clero, sujeito como está, o nacional, a revoltantes
preterições de estrangeiros escorraçados de outros países, não decerto pela eficácia
da doutrina que pregam.
Não fechemos os olhos, nem cerremos os ouvidos, aos gritos de alarme
dados por todas as nações mais velhas que a nossa, que já sofreram as más
conseqüências da tolerância aos maiores intolerantes. Não nos deixemos acorrentar,
de novo, como nos templos medievais. Disso depende o futuro social, comercial e
artístico de uma nação nova como a nossa, atrasada em alguns séculos pelo
imperialismo católico.
Se os exemplos de povos cultos e mais velhos de nada valem, então se
entregue o Brasil de uma vez, de mãos ligadas, ao Vaticano; mas não procedamos
341
como procedemos, com hipocrisia e falsidade, fingindo um divórcio oficial, para, de
fato, vivermos numa vergonhosa mancebia.

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