História/Religião
A VIDA OCULTA E MÍSTICA DE
JESUS
AS CHAVES SECRETAS DO CRISTO
Desde as mais remotas eras, o homem traz dentro de si um sentimento
de fé em uma força cósmica, denominada por muitos como Deus. Alá, Baco, Be-il,
Jeová, Mitra, Rá e Tupã são alguns dos nomes sob os quais Ele foi apresentado aos
Seus fiéis. No decorrer das eras, começaram a surgir certas divergências no modo
de encarar e cultuar esse Deus e Seus atributos, resultando em cismas iniciados por
Irshu, na Índia, há mais de 5 mil anos, que acabaram por dividir esses cultos em
tantos outros cultos ou seitas, chegando ao ponto de se odiarem e de
comercializarem a Fé em nome desse Ser Supremo.
Três mil e duzentos anos depois desse cisma inicial, nascia em Belém
uma criança, cujas escrituras pareciam referir-se a ela. Seu nome era Jesus, nome
este cuja origem possivelmente tenha sido imposta por uma sólida tradição, de
acordo com pesquisas feitas por A. Leterre. O autor pretende provar, ainda, que o
culto criado a Jesus Cristo não passa de um culto político romano, mercador de Fé e
defensor de interesses particulares, e que a religião que ele pregou é bem diferente
do Cristianismo que conhecemos, o qual é confundido com Catolicismo. Além do
que, mostrará o desacordo que há entre a profecia do nome Emanuel, que deveriam
dar ao Messias, e o nome de Jesus, que lhe deram.
"Todas as religiões colocaram Deus no Infinito, acima da compreensão e
da discussão. O Cristianismo fez baixar Deus à Terra, o Catolicismo encarna esse
Deus no Papa." (J. Simon) Eis uma obra histórica, comparativa e científica.
MADRAS
3
Discorrendo a respeito dos
assuntos polêmicos abordados em A
Vida Oculta e Mística de Jesus —As
Chaves Secretas do Cristo, religião e
fatos históricos, ressalta o autor E.
Leterre: "Estamos, porém, certos de
que nenhum escritor brasileiro tratou
desse assunto de modo que o
fazemos, baseado na própria Lei do
Verbo, desconhecida entre nós e nos
livros sacros de vários povos. Alguns
dos nossos escritores, dos mais
notáveis, cheios de competência
literária, que nos falta, abordaram o
assunto, uns pelo lado político-social,
outros pelo lado filosófico-social,
outros, ainda, pelo lado partidário.
Nós, porém, enfrentamos a questão da
religiosidade do mundo pelo seu lado
histórico, comparativo e científico, afim
de lhe sondar a origem, acompanhar
sua evolução, assistir à sua
perseguição, ao seu embaralhamento,
MADRAS
às cisões que daí resultou, ao
amalgamento de uma com as outras,
ao surto de algumas e ao
desaparecimento de outras, sem,
contudo, desenvolver a matéria que,
por sua natureza, como é fácil de
supor-se, levaria longe e, finalmente,
descobrir onde está o erro e
apresentá-lo à meditação dos
estudiosos... Nosso desejo é, pelo
menos, despertar a curiosidade de
procurarem a Verdade". A Vida Oculta
e Mística de Jesus —As Chaves
Secretas do Cristo apresenta ao leitor
moderno uma oportunidade única,
antes restrita a poucos eruditos,
estudiosos e colecionadores, de entrar
em contato com o pensamento e a
obra de A. Leterre, pesquisador arguto
de assuntos ligados à religião.
MADRAS
1
Ó 2004, Madras Editora Ltda.
Editor:
Wagner Veneziani Costa
Diagramação:
Eight Point Comunicação Ltda.
R. Desembargador Guimarães, 119 - Perdizes – São Paulo/SP
Tel./Fax: (011) 3865-4252
Produção da Capa:
Equipe Técnica Madras
Revisão:
Vera Lúcia Quintanilha
Mônica Rodrigues de Lima
Wilson Ryoji
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)
Leterre, A.
Jesus e sua doutrina: a distinção entre cristianismo e catolicismo: um estudo que remonta há mais de
8.600 anos/A. Leterre. — São Paulo: Madras, 2004.
"Ilustrado com gravuras, algumas raríssimas e outras originais de mestres consagrados, e vários
desenhos explicativos do autor"
Bibliografia.
ISBN 85-7374-867-2
1. Cristianismo - Origem 2. Igreja - História 3. Igreja Católica 4. Jesus Cristo - Ensinamentos I. Título.
04-5407 CDD-209
Índices para catálogo sistemático:
1. Cristianismo e catolicismo: Religião: História 209
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer
meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo
ainda o uso da internet, sem a permissão expressa da Madras Editora, na pessoa de
seu editor (Lei nº 9.610, de 19.02.98).
Todos os direitos desta edição reservados pela
MADRAS EDITORA LTDA.
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2
“Minha doutrina
Não é minha; mas daquele
Que me enviou.”
(João VII, 16)
Atenção!
Nota do Editor: O Título original desta obra é Jesus e Sua Doutrina, mas,
por considerarmos que o seu conteúdo é muito mais abrangente, optamos por editálo
sob o título de capa como: O Lado Oculto da Doutrina de Jesus – Chaves
Secretas do Cristianismo.
3
Figura 1
O Arqueômetro
Aparelho de precisão
Revelador da proto-síntese da humanidade e
Das ciências antigas, presentes e futuras
4
Prefácio
Graças ao esforço da Madras Editora, na figura de seu editor, Wagner
Veneziani Costa, teremos a partir de agora a oportunidade, restrita a alguns poucos
colecionadores, eruditos e estudiosos das religiões, de entrar em contato com o
pensamento de A. Leterre. Pesquisador perspicaz, traz-nos em Jesus e sua Doutrina
aspectos revolucionários no que se refere ao Catolicismo. Este livro foi publicado
pela primeira vez em 1934 e é obediente, portanto, ao perfil daquela época. No
entanto, apresenta questões que ainda hoje podem ser consideradas inovadoras
sob o ponto de vista das religiões.
Busca em suas fontes a origem e o porquê do nome JESUS, advindo de
um sólido conhecimento iniciático. Revisita as antigas tradições das virgens que
concebem, sacerdotisas que tinham como missão trazer à vida terrena os grandes
condutores da humanidade. Traz à luz a ascendência dos ritos católicos, assimilados
de outros sistemas religiosos, e procura, sem ferir a fé de quem quer que seja,
mostrar que a religião católica não é aquela pregada por Jesus, mas que é um culto
político romano, do qual surgiram inúmeros outros. Trata também de temas
polêmicos relativos aos dogmas do Catolicismo com a coragem de quem ousa
perguntar; fala do pecado original e de como foi adaptado por Moisés; da
constituição da Santíssima Trindade, da existência do Diabo, do Céu, do purgatório
e do Inferno.
Faz também, e talvez seja este o máximo valor deste livro, uma
explanação da obra de Saint-Yves D'Alveydre, especialmente de O Arqueômetro,
livro dedicado à síntese do conhecimento humano. Pouco divulgado até hoje, por ser
5
raro, com um número reduzido de exemplares publicados até então, O Arqueômetro
foi lançado pela primeira vez no Brasil em 2004, por esta Editora.
Diamantino F. Trindade
Laís dos S. P. Trindade
6
ÍNDICE
Introdução ...................................................................................................................9
Gênese das Religiões..............................................................................................9
Início dos Cismas ..................................................................................................21
Personalidade de Jesus.........................................................................................22
Explanação................................................................................................................26
A Verdade..............................................................................................................26
A Fé .......................................................................................................................32
O Arqueômetro ......................................................................................................38
Ciências Ocultas....................................................................................................48
Trinitarismo............................................................................................................56
Dilúvio....................................................................................................................60
Babilônia................................................................................................................69
O nome de Jesus e sua religião ............................................................................71
Os Dez Mandamentos ...........................................................................................77
Fontes Mosaicas....................................................................................................83
Verdades Sensíveis e Inteligíveis ..........................................................................90
Filiação de Moisés .................................................................................................95
Ordem de Melquisedeque....................................................................................101
Maria e seu filho Jesus ........................................................................................106
Virgindade de Maria.............................................................................................109
Virgens que Concebem .......................................................................................119
Predição da Vinda do Messias ............................................................................126
Divindade de Jesus .............................................................................................142
Filho de Deus.......................................................................................................149
Religião e Culto ...................................................................................................168
Antagonismo entre Cristianismo e Catolicismo....................................................172
O Plágio Católico .................................................................................................182
Doutrina de Jesus................................................................................................194
Luta entre Pedro e Paulo.....................................................................................215
Os Evangelhos ....................................................................................................228
Incoerências e Contradições dos Evangelhos.....................................................240
Mais analogias.....................................................................................................257
Milagres ...............................................................................................................260
Adão e Eva ..........................................................................................................267
Pecado Original ...................................................................................................274
Batismo................................................................................................................285
Céu, Purgatório, Inferno ......................................................................................294
O Diabo................................................................................................................302
Livre Arbítrio ........................................................................................................308
Reencarnação .....................................................................................................312
Pluralidade dos Mundos ......................................................................................319
Ressurreição........................................................................................................325
Templos...............................................................................................................338
Identidade de Religiões .......................................................................................341
Intolerância ..........................................................................................................348
Ódio Católico .......................................................................................................353
7
Judeu-Cristianismo-Búdico..................................................................................361
Elucidações.............................................................................................................371
Missa ...................................................................................................................394
Vós Também sois Deuses...................................................................................403
Filiações Templárias............................................................................................406
Filho de Deus— Filho do Homem — Filho da Mulher..........................................416
Reinado de Deus .................................................................................................425
Corrupções das Traduções..................................................................................427
Dorismo e Ionismo...............................................................................................436
Conseqüências do Cisma de Irshu......................................................................439
Lei do Verbo ........................................................................................................446
Primitivo Alfabeto.................................................................................................466
Pirâmide e Esfinge...............................................................................................485
Astrologia – Cosmogonia - Mitologia ...................................................................499
Apocalipse de João e Outros...............................................................................512
O Arqueômetro e as Artes ...................................................................................539
Conclusões..............................................................................................................544
Sinarquia..............................................................................................................544
Papa Rei ..............................................................................................................560
Infalibilidade do Papa ..........................................................................................583
O Anti-Cristo ........................................................................................................601
Celibato do Padre................................................................................................605
Jesuitismo e sua Moral ........................................................................................610
Ensino Religioso ..................................................................................................652
Casa de Orates....................................................................................................669
Queda do Romanismo.........................................................................................673
Catolicismo Pagão...............................................................................................685
Preces..................................................................................................................692
Os Cismas e as Exegeses...................................................................................697
Apelo aos estudiosos...........................................................................................708
Fim do mundo......................................................................................................711
Os Cultos dos Deuses dos heróis, dos Mártires, das Relíquias dos Santos .......716
Os Dogmas..........................................................................................................737
As Origens do Dogma da Trindade .....................................................................750
Alicerces do Catolicismo......................................................................................775
Basta de cabotinismo ..........................................................................................820
Adendos ..................................................................................................................823
Mistificação..........................................................................................................823
Falsificações........................................................................................................827
Referências Bíblicas ............................................................................................831
Êxodo ..................................................................................................................835
Ezequiel ...............................................................................................................836
Reis .....................................................................................................................837
Fontes de Consulta .................................................................................................843
8
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 .......................................................................................................................3
Figura 2 .....................................................................................................................45
Figura 3 .....................................................................................................................48
Figura 4 .....................................................................................................................63
Figura 5 .....................................................................................................................91
Figura 6 ...................................................................................................................128
Figura 7 ...................................................................................................................269
Figura 8 ...................................................................................................................377
Figura 9 ...................................................................................................................387
Figura 10 .................................................................................................................467
Figura 11 .................................................................................................................469
Figura 12 .................................................................................................................472
Figura 13 .................................................................................................................486
Figura 14 .................................................................................................................486
Figura 15 .................................................................................................................489
Figura 16 .................................................................................................................489
Figura 17 .................................................................................................................490
Figura 18 .................................................................................................................496
Figura 19 .................................................................................................................498
Figura 20 .................................................................................................................500
Figura 21 .................................................................................................................501
Figura 22 .................................................................................................................508
Figura 23 .................................................................................................................627
Figura 24 .................................................................................................................824
Figura 25 .................................................................................................................833
Figura 26 .................................................................................................................833
Figura 27 .................................................................................................................838
Figura 28 .................................................................................................................838
Figura 29 .................................................................................................................839
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1 .................................................................................................................177
Quadro 2 .................................................................................................................178
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 ....................................................................................................................72
Tabela 2 ....................................................................................................................80
9
Introdução
Gênese das Religiões
Admitamos por um momento que nosso benévolo leitor, seja ele de que
culto ou crença for, tivesse de fazer, como missionário, uma grande excursão pelos
sertões de Mato Grosso.
Chegado a um ponto das ínvias selvas, depara-se com uma tribo de
selvagens ocupada em render preito e homenagem a uma entidade abstrata, que
ela reconhece como Superior e como Criadora de tudo quanto à cerca.
Essa entidade, ou anteriormente esse Deus, é representada por um
boneco de barro exoticamente fabricado ou por um tronco de árvore cercado por
enormes fogueiras, como as piras dos antigos templos, em volta das quais os
silvícolas executam uma frenética dança ao som de flautas de bambu, acompanhada
de estridentes berros a guisa de hinos maviosos.
Que fará nosso missionário?
Certamente procurará, com tempo e jeito, convencê-los de que laboram
em erro e de que o verdadeiro Deus é aquele que ele mesmo adora, seja Jeová, Alá,
Buda ou o Cristo do Calvário.
É possível que, convencidos de que o estúpido boneco nada represente,
eles passem a adotar o símbolo do nosso incansável missionário.
Admitamos, porém, que outros missionários, de credos diferentes,
venham também a passar por ali, sucessivamente, com intervalos assaz suficientes
para dar tempo a que a nova crença se enraíze em seus pobres cérebros.
Que sucederá?
10
Sucederá que, ao cabo de alguns anos, digamos mesmo, de alguns
séculos, essa tribo terá mudado várias vezes o modo de compreender esse Deus.
Mas não se segue daí que toda a tribo, sem exceção de uma só alma,
tenha permanecido fiel a cada crença que foi sucedida, e isso com unânime
aprovação.
E indubitável, dada a diversidade de mentalidades, que tenham surgido
certas divergências no modo de encarar esse Deus e seus atributos, ou mesmo mo
na maneira de cultuá-lo nas sucessivas crenças, resultando dali, então, as exegeses
e os cismas que acabaram por dividir esses cultos em outros tantos cultos ou seitas
contrários e inimigos, a ponto de se odiarem de morte.
É exatamente o resultado verificado hoje na face desse pobre giroscópio.
Os primitivos povoadores da Terra sentiram que tudo quanto viam devia
ser o produto de uma força superior e inteligente e começaram, então, na opinião de
alguns historiadores, a simbolizar essa força, já com um disco representando o Sol,
como fonte da vida material1, já com um tronco de árvore, de onde foram surgindo
os esteios da cabana que se transformaram em colunas do Templo etc.2
Pela observação e pelo estudo da natureza, movidos pelas necessidades
vitais, as indústrias foram sendo criadas, as artes nasceram, a ciência se
manifestou, até se condensar em Academia.
Foi então que a Religião fora revelada aos mais puros, nascendo dali o
Templo, pois a Religião é o suspiro do homem, cuja resposta vem do céu e não da
Terra.
Que tivesse havido esta Revelação, está isso sobejamente confirmado
por todas as religiões do mundo.
1 De onde a dinastia solar de Atlântida, do México, do Peru, etc., que se passou para a Etiópia,
surgindo mais tarde na Céltica e nas índias a Dinastia lunar.
2 La langue sacreé. Larbre de Ia Science. — Soldi Colbert de Beaulieu.
11
Dupuis3 não crê na revelação, pois, segundo ele, só a razão humana é
que tudo definiu; mas ele não reflete que essa Razão, que não é criação do homem,
mas sim da Razão Suprema, que lhe deu em igualdade de grau para raciocinar e
tirar conclusões justas e força de comparações, estudos e experiências, é que
constitui, de fato, a Revelação Divina, seja por inspiração ou suposto acaso.
No Manavadarma foi a Krishna; nos Vedas, a Buda; no Zenda-Avesta4, a
Zoroastro; nos livros Herméticos, a Hermes; nos Kings, da China, a Fo-Hi, a Lao-
Tsé, a Confúcio; no Pentateuco, a Moisés; no Alcorão, a Maomé; no Livro de Jó, ao
Pontífice Jó; nos Evangelhos, a Jesus. Todos eles afirmam terem recebido a
verdade, de Deus mesmo, como a expressão dos seus divinos decretos.
Confúcio, príncipe regente, repudiou tudo para dedicar-se ao sacerdócio,
quando, aos 50 anos, recebia essa revelação.
Daí a razão de ser a Religião a Síntese da Ciência e não o contrário, o
que seria absurdo.
Charles Norman5, sábio astrônomo do Observatório de Paris, sintetiza
admiravelmente essa Revelação em poucas palavras:
"Na verdade, parece que nada manifesta a presença
mística do divino, tanto quanto esta eterna e inflexível harmonia
que liga aos fenômenos expressos por leis científicas”.
“A ciência que nos mostra o vasto Universo,
concreto, coerente, harmônico, misteriosamente unido,
organizado como uma vasta e muda sinfonia, dominada pela lei
3 Origine De tons les cultes — Tom. VII — 1835.
4 Zenda significa Revelação; Avesta significa Tradição.
5 Einstein e o Universo, pág. 190.
12
e não por vontades particulares, a ciência, em suma, não será
uma revelação?".
É certo, e isso não pode sofrer a mais leve refutação, que a crença
monoteísta, isto é, a de um só Deus Criador e Todo-Poderoso existiu desde uma
Antigüidade pré-histórica e descrita nos livros anteriormente citados, sendo de notar
que os Sastras6 são anteriores de 1500 anos aos Vedas que, por sua vez, têm mais
de 6 mil anos.
Nos Vedas lê-se o seguinte:
"Deus é aquele que sempre foi; Ele criou tudo
quanto existe; uma esfera perfeita, sem começo nem fim é sua
fraca imagem. Deus anima e governa toda a criação pela
providência geral dos seus Princípios invariáveis e eternos.
Não sonde a natureza da existência daquele que sempre foi;
esta pesquisa é vã e criminosa. Basta que, dia a dia, noite a
noite, suas obras manifestem sua sabedoria, seu poder e sua
misericórdia. Trata de tirar proveito disso".
O rei da Babilônia, Nabucodonosor, orava do seguinte modo: "Criador por
ti, senhor, eu te abençôo, tu me deste o poder de reinar sobre os povos segundo tua
bondade. Constitui, pois, teu Reinado; impõe a todos os homens a adoração do teu
nome. Senhor dos povos, ouve minhas preces. Que todas as raças terrestres
venham às Portas de Deus" (Babilu = Babilônia).
6 Livros Sacros da Índia.
13
Nos antigos livros da China (nos Kings) encontra-se o seguinte, transcrito
pelo imperador Kang-ki e compilado por du Halde, p. 41, da edição de Amsterdã:
"Ele não teve começo nem terá fim. Ele produziu
todas as coisas desde o começo; Ele é quem governa como
verdadeiro Senhor; Ele é infinitamente bom e infinitamente
justo; Ele ilumina, sustenta e regula tudo com suprema
autoridade e soberana justiça".
"Se olharmos os olhos negros dos chineses, diz Max
Müller, acharemos que ali também há uma alma que
corresponde a de outras almas, e que o Deus que ele tem em
mente é o mesmo que nos empolga o espírito, apesar do
embaraço da sua linguagem religiosa".
Os druidas7 diziam que Deus é por demais incomensurável para ser
representado por imagens fabricadas por mãos de homens, e que seu culto não
pode ser prestado entre as muralhas de um templo; mas, sim, no santuário da
natureza sob a ramagem das árvores ou nas margens do vasto oceano.
Para os druidas, o símbolo da Vida e da Luz era representado pelo termo
ESUS8.
Há neste termo uma curiosa aparência de analogia com o nome que
pretendemos estudar neste ensaio.
O Deus dos druidas era Be-il, de onde o Ba-al da Caldéia, ao qual
juntaram Teutalés, similar de Thot-Hermes do Egito.
7 Que significa Sábios, eram os sacerdotes dos Celtas, povos que existiram muito antes de ser
conhecida a índia, por serem, ao que se supõe, remanescentes da Atlântida.
8 Léon Denis — Le génie celtique et le monde invisible.
14
Foi São Judicael quem no século VII aboliu o Druidismo que ainda existia
confinado nas florestas da Brocelianda.
No Tibete, segundo o padre Huc9, os Lamas dizem que:
"Buda é o ser necessário, independente, princípio e
fim de tudo. É o Verbo, a Palavra. A Terra, os astros, os
homens e tudo quanto existe são uma manifestação parcial e
temporária de Buda. Tudo foi criado por Buda, no sentido de
tudo vir dele como a luz vem do Sol. Todos os seres emanados
de Buda tiveram um começo e terão um fim; mas, assim como
eles saíram necessariamente da Essência Universal, eles terão
de ser reintegrados. É como os rios e as cachoeiras produzidos
pelas águas do mar que, após um percurso mais ou menos
longo, vão novamente perder-se na sua imensidade. Assim,
Buda é eterno; suas manifestações também são eternas".
Lê-se no Livro dos Mortos do Antigo Egito*:
"Eu sou aquele que existia no Nada; eu sou o que
cria; eu sou aquele que se criara por si próprio. Eu sou ontem e
conheço amanhã, sempre e nunca".
9 Dans le Thibet.
* N. do E.: Lançado no Brasil pela Madras Editora.
15
O templo de Sais, antiga cidade do Baixo Egito, trazia gravado em seu
frontispício: "Eu sou tudo que foi, que é e que será, e nenhum mortal jamais levantou
o véu que me encobre". Era o "Deus Desconhecido".
No México, em 1431, o rei Netzahualcóyotl que, quando criança, havia
escapado milagrosamente da degolação dos filhos machos, como sucedeu a
Moisés, a Jesus e a outros reformadores, conforme veremos mais adiante, mandou
construir templos, sendo o mais belo dedicado ao "Deus Desconhecido". Dizia ele
que os ídolos de pedra e de madeira, se não podem ouvir nem sentir, ainda menos
poderiam criar o céu, a Terra e os homens, os quais devem ser obra de um Deus
Desconhecido, todo-poderoso, em quem confiava para sua salvação e seu auxílio.
Esse Deus Desconhecido do México deve ser o mesmo Deus
Desconhecido que Paulo encontrou em Atenas, conforme se vê em Atos XVI, 23.
O Ser Supremo dos Astecas era denominado Teotl; era impessoal e
impersonificável; dele dependia a existência humana. Era a divindade de absoluta
perfeição e pureza em quem se encontra defesa segura.
Nos Livros de Hermes, escritos há mais de 6 mil anos, encontra-se o
seguinte diálogo tido com Thoth, que bem define o espírito moral e intelectual
daquelas eras:
"É difícil ao pensamento conceber Deus e à língua
de exprimi-lo. Não se pode descrever uma coisa imaterial por
meios materiais; o que é eterno não se alia, senão dificilmente,
ao que está sujeito ao tempo. Um passa, outro existe sempre.
Um é uma percepção do espírito, e outro uma realidade. O que
pode ser concebido pelos olhos e pelos sentidos como os
16
corpos visíveis pode ser traduzido pela linguagem; o que é
incorpóreo, invisível, imaterial, sem forma, não pode ser
conhecido pelos nossos sentidos. Compreendo, pois, Thoth,
que Deus é inefável".
Nos mesmos livros lê-se, também, o seguinte:
"Desconhecendo nossas ciências e nossa
civilização, as gerações futuras dirão que adoramos astros,
planetas e animais, quando, de fato, adoramos um só Deus
Criador e Onipotente".
Na antiga Pérsia, Zoroastro chamava-o de Mitra, o Deus Criador, sendo
Orzmud, o Pai.
No Egito era Osíris.
Na Fenícia era Adônis.
Na Arábia era Bacq.
Na Frígia era Athis.
Moisés denominou-o de Jeová, por assim lhe ter declarado o próprio
Deus.
Maomé adora-o sob o nome de Alá.
Orfeu, o criador da Mitologia grega, considerado por isso, pelos católicos,
como o chefe do paganismo, assim se exprime, segundo Justino, o Mártir, em sua
obra Órfica: "Tendo olhado o Logos divino, assenta-te perto dele, dirigindo o esquife
inteligente do teu coração e galga bem o caminho e considera somente o Rei do
17
Mundo. Ele é único, nascido de si mesmo, e tudo vem de um só Ser". E, como
veremos mais adiante, Orfeu conhecia a trindade divina.
Na obra de Apuleio, Metamorfoses, XI, 4, escrita no século II da nossa
era, Ísis, a deusa egípcia, declara que ela é a própria natureza divinizada.
Diz ela:
"Eu sou a Natureza, mãe das coisas, senhora de
todos os elementos, origem c princípio dos séculos, suprema
divindade, rainha dos Manes, primeira entre os habitantes do
céu, tipo uniforme dos deuses e das deusas. Sou eu cuja
vontade governa os cimos luminosos do céu, as brisas salubres
do oceano, o silêncio lúgubre dos infernos10, potência única,
sou pelo Universo inteiro adorada sob várias formas, em
diversas cerimônias, com 1.000 nomes diferentes”.
“Os Frígios, primeiros habitantes da Terra, me
chamam de Deusa — mãe de Pessinonte; os Atenienses
autóctones me nomeiam Minerva, a Cecropana; entre os
habitantes da ilha de Chipre, sou Vênus de Pafos; entre os
Cretenses, armador de arco, sou Diana Dichina; entre os
Sicilianos que falam três línguas, sou Prosérpina, a utigiana;
entre os habitantes de Elêusis, a antiga Ceres, uns me
chamam Juno, outros Belone, aqui Hécate, acolá a deusa de
Ramonte. Mas, aqueles que foram os primeiros iluminados
pelos raios do Sol nascente, os povos Etiópicos, Arianos e
10 Subentende se o interior da terra.
18
Egípcios, poderosos pelo antigo saber, estes, sós, me rendem
um verdadeiro culto e me chamam, pelo meu verdadeiro nome:
a rainha Ísis11".
Todos os milhares de tribos da África, tanto as do litoral como as das
regiões centrais, algumas de difícil contato entre si e ainda menos com o europeu,
adoram um Deus Supremo Criador, Onisciente, Misericordioso e sumamente bom,
por isso nunca faz mal à sua criatura, razão pela qual não lhe prestam nenhum culto,
nem lhe dirigem preces, nem procedem a sacrifícios de animais em holocausto.
Todos os fenômenos da natureza, como chuvas, raios, tremores de terra,
vulcões, doenças e mortes, são obras de maus espíritos dos seus antepassados que
perseguem os vivos. A esses é que eles rendem culto, como fazem os chineses com
o Culto aos antepassados; a esses maus espíritos é que eles dirigem suas orações
e sacrifícios, a fim de aplacá-los ou praticando rituais excessivamente barulhentos
para afugentá-los. Essa crença é encontrada, igualmente, entre nossos silvícolas, se
bem que a raça seja diferente.
Tudo isso concorre para corroborar as Teses da Revelação e da
Universalidade da Religião, bem como a de um ou mais cataclismas que teriam
dividido as raças espalhando-as por vários continentes, de onde surgiram os cismas
e os milhares de cultos.
"Para definir Deus seria preciso empregar uma
língua cujas palavras não pudessem ser aplicáveis às criaturas
terrenas12".
11 As palavras que destacamos se relacionam, como veremos, com o ciclo de Rama.
12 J. Simon
19
Tal crença em um só Deus Onipotente, em suma, com todos os
predicados do catolicismo, existe desde uma inconcebível Antigüidade, e chegou a
alcançar em sua pureza a era de 3200 anos antes de Jesus Cristo, ou seja, hoje, há
mais de 5.200 anos.
Os europeus, entretanto, apenas saídos do lodaçal da barbárie, julgaramse
com o direito de se erigirem como censores da Antigüidade, considerando os
homens que ilustraram aqueles tempos como doidos, impostores, ignorantes, ateus,
fanáticos e hereges!
No entanto, à geração moderna ocidental se podem aplicar esses
epítetos, anarquizada como ficou pelas divisões e subdivisões do Cristianismo, do
qual surgiu o mais intolerante culto que a Terra jamais viu: o Catolicismo.
Os povos da Antigüidade, como ainda hoje os da Índia, do Egito, da
China, eram e são profundamente religiosos, e seus atos foram e são pautados por
uma incomparável moral.
Não é, pois, possível, tachar-se esses homens ou esses povos de
bárbaros, pagãos, ateus ou idolatras sem confessar má-fé ou falta de erudição e,
portanto, incompetência para a crítica científica e histórica; e, se fanático possa
haver, é decerto aquele que o fizer.
Diz Max Müller13:
"Há pessoas que, por pura ignorância das antigas
religiões da humanidade, adotaram uma doutrina, menos
Cristã, certamente, que todas as que se encontram nas
13 La Science de La religion
20
religiões antigas. Essa doutrina consiste em considerar todos
os povos da Terra, antes do advento do Cristianismo, como
ateus e condenados pelo Pai Celeste, que eles não
conheceram, e, portanto, sem esperança de Salvação!"
A única base teológica propriamente dita da Teologia Cristã reside nos
primeiros versículos de João que são copiados da Teologia paga.
As idéias dos cristãos são as de Platão, o qual, por seu turno, as bebeu
nas filosofias antigas do Egito, de Orfeu, Pitágoras etc.
Santo Agostinho, doutor da Igreja Católica, reconhece que se encontram
em todos os povos do mundo as mesmas idéias que tinham os cristãos sobre Deus,
sejam eles platônicos, pitagóricos, atlantas, líbios, egípcios, indianos, persas,
caldaicos, scytas, gauleses, espanhóis etc.; todos possuíam os mesmos princípios
teológicos e dividiam igualmente a divindade em três partes. Ele reconhecia que os
princípios de Platão e os de Moisés são idênticos, por terem ambos estudado no
Egito, nas obras de Hermes Trismegisto.
Todas as filosofias, maliciosamente chamadas pagas pelo Catolicismo,
nada mais eram do que ficções, relacionando-se com a Ordem do Mundo, como
afirmam Santo Atanásio, Santo Agostinho, o arqueólogo romano Varron, tão
minucioso em suas descrições, e muitos outros.
Os próprios materialistas modernos, para citar só dois, Brasset e le
Dantec, que se combatem sobre os limites da biologia, curvam-se involuntariamente
em reconhecer um Criador supremo de todas as coisas.
O padre F. Vigouroux14 assim se exprime:
14 Lês Livres Saints
21
"Os primeiros homens foram monoteístas e seus
descendentes, em vez de progredirem na religião, decaíram, ao
contrário, pouco a pouco, até o advento do Cristianismo".
Já os salmos diziam:
"Que não haja Deus, só louco ou homem de espírito
de pequena estatura é que o pode dizer".
Descartes exclamava:
"Sinto-me imperfeito, logo tenho a idéia da perfeição,
e essa idéia não me pode vir senão de um ser perfeito, logo o
ser perfeito, ou Deus, existe".
Início dos Cismas
Dali para cá é que começaram a desenvolver os cismas, iniciados por
Irshu, na Índia, há 5.600 anos, divisões essas que deram lugar à existência de
incalculável número de seitas que infestam o mundo, cada qual com um culto mais
exótico do que outro, seitas que, infelizmente, ainda perduram no Oriente, na África,
na Oceania e nas três Américas, se bem que todas reconheçam e adorem a seu
modo e com nome diferente um Deus Onipresente e Misericordioso, o que prova
haver nelas um resto da primitiva Revelação.
22
Três mil e duzentos anos depois desse cisma, isto é, mais de dois mil
anos hoje, nascia em Belém uma criança, cujas escrituras pareciam referir-se a ela,
como veremos mais adiante.
Personalidade de Jesus
O menino cresceu, sofreu e morreu crucificado, após ter procurado
restituir à humanidade anarquizada naquela época a Revelação dada aos Patriarcas
que, como veremos neste pequeno ensaio, era a religião que Ele próprio ensinou.
Visto que Ele não cessava de repetir que sua doutrina não era dele, mas Daquele
que o enviara.
Ele acrescentava que não vinha trazer a paz à Terra, mas sim a espada15,
e que "sua casa seria dividida e subdividida em vários cultos e seitas".
Por isso é que, do culto que posteriormente criaram a Jesus, inúmeros
cultos têm surgido em completo antagonismo, confirmando o que anteriormente
dissemos; mas, dentre eles, nenhum como o Católico procura impor a Fé às
consciências de um modo tão singularmente contrário à própria Religião por meio
das armas, da fogueira ou da escravização da alma pelo terror de penas eternas,
que aberram da inefável misericórdia de Deus, resultando daí as repulsas, as
represálias e as chamadas "guerras de religião" que tanto enlutaram e continuam
enlutando a humanidade, como se verifica presentemente no México e na Irlanda.
"Todas as religiões colocaram Deus no Infinito,
acima da compreensão e da discussão. O Cristianismo fez
15 Mateus X, 34 — Esta tradução deve estar errada, pois colide com todo o ensino de Jesus que é
exatamente o contrário. Ele vinha pregar o Reinado da Paz, a não ser que profetizasse as cisões, as
exegeses, jesuitismo, romanismo etc. — A Pedro ele disse: "Embainha mu espada; quem com ferro
fere, com ferro será ferido".
23
baixar Deus à Terra, o Catolicismo encarna esse Deus no
Papa16!"
No entanto, nosso fim não é discutir a política internacional em um tão
despretensioso rascunho.
Acudiu-nos à mente estudar a origem do nome de Jesus e qual era sua
religião, pela leitura de La Vie Cachée de Jesus, do erudito professor da Sorbonne,
Charles Guignebert, que trata no cap. I, § 1°, do "Nome de Jesus, seu sentido, sua
escolha por Deus e sobre a possibilidade de ser ele histórico".
Diz ele:
“Não seria que uma sólida tradição tivesse
imposto o nome de Jesus? (O destaque é nosso) "Não me
iludo com a fraqueza do argumento, pois esta redação poderia
repousar sobre uma lenda ou uma interpretação arbitrária
anterior ao redator de Mateus. Não pretendo, tampouco, que
uma interrogação seja uma prova ou que a possibilidade de
uma coincidência estabeleça essa certeza; é por isso que não
estarei longe de considerar, como uma possibilidade, que esse
nome de Jesus tivesse sido verdadeiramente um título de
Cristo, correspondente à sua função divina, que lhe teria sido
atribuído por seus primeiros adeptos e que teria apagado seu
nome de homem, como sua divindade fez da sua humanidade".
16 J. Simon
24
Por aí se vê a aridez do assunto e a incerteza em que cultivam os mais
eruditos escritores.
Nessa interrogação sente-se que esse autor era tocado pela inspiração
divina; mas, deixando-se levar pelas suas aspirações terrestres, ele mesmo cerra a
porta pela qual poderia penetrar no caminho das pesquisas científicas.
É verdade que, na ocasião em que sua obra veio à luz (1914), O
Arqueômetro, do Marquês Saint-Yves D'Alveydre, acabava de aparecer, mas em
muito diminuto número de exemplares (200, se tanto), e é natural que não lhe
tivesse chegado ao conhecimento o extraordinário valor científico dessa obra, e,
mesmo que assim tivesse sido, era muito escasso o tempo para estudá-la a fundo.
É possível que hoje esse autor já tenha outras noções a respeito da "Vida
oculta de Jesus", e saiba, como o leitor vai saber, que a origem deste nome foi, de
fato, imposta por uma sólida tradição.
Não pretendemos arrancar a crença de ninguém; respeitamos o livre -
arbítrio e a responsabilidade espiritual de cada um. Mas pretendemos provar que o
Catolicismo não é religião e ainda menos a de Jesus, porém, que é um culto político
romano, e que a religião que o Cristo pregou é bem diferente do Cristianismo
Pauliniano e do moderno. Provaremos também o desacordo que há entre a profecia
do nome Emanuel que deviam dar ao Messias, e o nome de Jesus que lhe deram.
Não faremos como o filósofo de Júlio Huré que “fechava os olhos, soprava
sobre as estrelas e dizia ao seu contendor: ‘Vede, estão apagadas, não brilham
mais; crede no que vos digo' ".
Faremos como diziam os poetas védicos: "Nossos pensamentos são
obscuros. Oremos, isto é, pesquisemos".
25
Por isso pedimos, somente, que guardem este pequeno folheto para uma
ocasião mais oportuna, se após uma primeira leitura acharem o assunto um tanto
árido e complexo.
Não o deite fora porque é possível que um dia, tocado por alguma
centelha divina, ele vos permita penetrar mais profundamente no Santuário da
Verdade e, então, agradecerão, não a nós que nada valemos, mas ao Onipotente
que vos achou digno disso, isto é, da Graça, tão apregoada pela própria Igreja
Romana, pois não é a todos que Ele costuma dispensá-la, segundo afirma esta
Igreja.
26
Explanação
Por que "Jesus" e não outro nome?
A Verdade
Como iremos ver, estas epígrafes não são tão fáceis de responder como
possa parecer à primeira vista, tanto mais limitado por um simples ensaio.
Em primeiro lugar, porque elas abrangem um largo círculo de
conhecimentos científicos relacionando-se com a lingüística dos povos antigos, com
a matemática, com a física, com a química, com a astronomia etc., ciências estas
que, talvez, não seja dado a todo leitor conhecer a fundo, por isso mesmo, difícil de
expor-se em uma linguagem menos áspera.
Em segundo lugar, porque caindo mesmo nas mãos de cientistas uma
parte se desinteressa por essas questões de filosofia e orientalismo, e outra parte
não lhe presta a devida atenção, por lhe faltar o tempo para se dedicar a esses
estudos.
Em terceiro lugar, porque se escrever em português uma obra tratando de
filosofia numa terra como a nossa, em que raríssimos são os escritores filósofos e
raríssimos também os leitores que, conhecendo outros idiomas, se dedicam a essas
leituras, equivale a semear-se alguns grãos de trigo num imenso campo onde já vivia
em predação a daninha tiririca.
Em quarto lugar, porque lido este despretensioso trabalho por pessoas
letradas, mas fanáticas por meia dúzia de fórmulas que lhe aparafusaram no cérebro
desde a infância, dificilmente se conseguiria fazê-las penetrar na compreensão
27
desses hieróglifos, a menos se reformasse completamente sua própria instrução e
educação física.
Bem diz o sábio escritor chinês Ku-Wang-Ming17:
"Que as palavras dos grandes escritores não podem
atingir a massa popular, porque todos os grandes escritores
falam a língua tias pessoas cultivadas, que a massa não pode
compreender".
"E lamentável, mesmo, que o espírito de formação
ocidental seja tão pressuroso em considerar absurdo o que ele
não compreende, e em rejeitar como fábula tudo quanto não
concorde com sua própria credibilidade18".
Infelizmente são esses que constituem uma grande parte da coletividade
brasileira, cujo analfabetismo orça numa porcentagem desoladora. São infelizes
pretensiosos que estacionam na marcha evolutiva de suas almas, são pobres cegos
guiados por outros cegos, na expressão do próprio Jesus; são almas que alienaram
sua liberdade de pensar entregando-a por procuração a outrem.
Bem diz uma máxima bramanista:
"Fácil é chegar-se a um acordo com o ignorante;
mais fácil, ainda, com o que sabe distinguir as coisas; mas, aos
homens enfatuados com um saber insignificante, nem Brahma
é capaz de os convencer".
17 L’Esprit Du peuple Chinois
18 Frase de Jacques Bacot, citada por Jean Rivière em A l’ombre dês Monastéres Thibétains
28
Portanto, se bem que este trabalho encerre um dos mais transcendentes
problemas da humanidade, porque tem relação direta com a salvação do nosso
espírito, não temos, contudo, a mínima pretensão de fazer obra de erudição e ainda
menos de ciência.
Estamos, porém, certos de que nenhum escritor brasileiro tratou desse
assunto pelo modo que o fazemos, baseado na própria Lei do Verbo, desconhecida
entre nós e nos livros sacros de vários povos.
Alguns dos nossos escritores, dos mais notáveis, cheios de competência
literária, que nos falta, abordaram o assunto, uns pelo lado político-social, outros
pelo lado filosófico-social, outros, ainda, pelo lado partidário. Nós, porém,
enfrentamos a questão da religiosidade do mundo pelo seu lado histórico,
comparativo e científico, a fim de lhe sondar a origem, acompanhar sua evolução,
assistir à sua perseguição, ao seu embaralhamento, às cisões que daí resultou, ao
amalgamento de uma com as outras, ao surto de algumas e ao desaparecimento de
outras, sem, contudo, desenvolver a matéria que, por sua natureza, como é fácil de
supor-se, levaria longe e, finalmente, descobrir onde está o erro e apresentá-lo à
meditação dos estudiosos.
Diremos simplesmente, em resumo, o que aprendemos em nossas
assíduas pesquisas de muitos anos, em vários autores antigos e modernos que se
aprofundaram em questões religiosas, sem pretendermos estabelecer outra doutrina.
Nosso desejo é, pelo menos, despertar a curiosidade de procurarem a
Verdade, embora, segundo Hermes Trismegisto, "ela não reside na Terra, porque a
Verdade é aquilo que é eterno e imutável. Tudo quanto está sujeito à mutação não
pode ser a verdade. Tudo que perece é mentira. Só Deus é a Verdade".
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Por isso ninguém pode ver a verdade, que é Deus, Jesus mesmo —
quando Pilatos lhe perguntou o que vinha a ser a Verdade — não lhe deu resposta
alguma, e, este, virou-lhe as costas, indo tratar de outra coisa.
O Budismo diz que "A verdade é clara por si mesma; porém, se a
envolvermos por palavras obscuras, não mais a percebemos".
A verdade é como Aquiles que, possuindo pés leves, corria atrás de uma
tartaruga sem jamais alcançá-la.
Para descobrir-se a verdade, nada há de mais útil do que o estudo dos
erros19.
A verdade não encerra mistérios; só ao erro e à impostura é que eles
pertencem. O erro vem de uma incompreensão ou de uma deformação da Verdade.
Quem conhece uma só religião não conhece nenhuma, pois quem ouve
um sino só escuta um som, não podendo, portanto, saber se está afinado. É
necessário recorrer-se ao diapasão.
A pretensão do Catolicismo, de ser o único possuidor da Verdade, é
destituída de fundamento, pois o que parece ser hoje verdade será erro amanhã.
É como se ele dissesse: "A verdade está com a Igreja Católica; é proibido,
pois, doravante, sob terríveis penas, procurar descobrir a verdade".
Seria a paralisação do progresso humano, seria o retrocesso no
desenvolvimento intelectual da humanidade e, conseqüentemente, a escravização
dos homens a uma agremiação de déspotas, composta de jesuítas, frades, freiras,
padres e caterva.
Os fundadores do Catolicismo levaram 12 séculos confeccionando o culto
e as suas leis. O primeiro golpe que este culto levou teve início pela discussão
19 MAX MÜLLER – La Science de La Religion - 1873
30
filosófica do século XVI, chamado a Idade Média, o século das trevas. Ora, é claro
que, se esse culto levou 12 séculos para ser formado, os oito que decorrem até hoje,
têm demonstrado à sociedade o inevitável fim para o qual caminha, emparelhado
pelos dois poderes: Temporal e Espiritual.
São necessários ainda alguns anos para que a humanidade possa gozar
da Paz de Cristo, vivendo no seu Reinado de Paz; mas esse inevitável advento só
será realizado quando o Pontífice Rei atirar para longe a coroa e só usar a tiara.
Então haverá um só rebanho e um só pastor.
Se o Catolicismo romano viesse a vencer, eis ao que o mundo ficaria
sujeito: os caminhos de ferro seriam destruídos e substituídos pela fogueira do Santo
Ofício da Inquisição, que se encarregaria de fazer o paciente viajar mais depressa
para o outro mundo; o fio telegráfico seria substituído por uma corda; a luz elétrica
pelo clarão das fogueiras; a imprensa amordaçada e reduzida a publicar o
catecismo, obedecendo à única orientação do clero, como se verifica, positivamente,
entre nós, do programa dos "Diários Associados".
Além disso, como disse Jefferson: "Se a Verdade é tão grande e forte, ela
não precisa da proteção de culto algum e ainda menos do apoio do governo".
Mas, ainda que ninguém possa ver a Verdade, que é Deus, contudo,
aquele que o teme, que pratica o bem em prol de seu semelhante, que cumpre,
enfim, os simplíssimos dez mandamentos de Deus, sentirá que algo de
extraordinário lhe reside na alma.
Se não podemos atingir a verdade, tentemos ao menos lhe ser útil, disse
alguém.
Santo Agostinho disse: "Eu te procurava fora de mim e não te achava,
porque estavas em mim mesmo".
31
Essa doutrina era a de Buda, Orfeu, Pitágoras, Platão, Sócrates etc.
Ninguém, pois, viu a Verdade, que é Deus.
Entretanto, desde já começamos a esbarrar nesse ponto, com uma
grande contradição entre a Bíblia, que Moisés recebeu das mãos de Deus, que
Jesus veio confirmar, e que o evangelista João e os outros recolheram em suas
páginas.
Disse Jacó (Gênese XXXII, 30): "Vi Deus face a face e minha vida foi
salva".
Diz Êxodo XXXIII, 11: "E falava o Senhor a Moisés cara a cara como
quem fala ao seu amigo".
Números XII, 8. (É Deus quem fala) "Boca a boca falo com ele (com
Moisés) e de vista e não por figuras ou enigmas".
Porém,
João V, 18: "Ninguém nunca viu Deus", assim lhe disse Jesus.
Mas,
João X, 15 faz Jesus se contradizer: "Assim como o Pai me conhece,
também eu conheço o Pai". Quem conhece o Pai, que é Deus, para Jesus, é porque
o vê e vendo-o vê Deus, se é que as palavras são feitas para reproduzir o
pensamento.
Além disso, esta frase parece uma paródia do que disse, muitos séculos
antes, Amenófis (Akhenaton Ouenra), Filho único do Sol, contemporâneo de Moisés,
dirigindo-se ao Pai Celeste: "Ninguém te conhece senão teu filho Ouenra".
Como se vê, a verdade é por demais abstrata para o homem pretender
possuí-la.
Resta, porém, a fé, gritam os teólogos.
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