terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A Vida Mística e Oculta de Jesus(livro parte6)

Os Evangelhos
É certo que Paulo fez sua propaganda imediatamente após a morte de
Jesus, consignando sua doutrina em epístolas, ainda conservadas, mas cuja
essência, como vimos, destoa bastante dos dogmas e ensinos católicos181; ao passo
que os chamados Evangelhos não foram escritos pelos apóstolos, mas por outros
escritores, cerca de 150 anos depois, por isso são designados segundo Mateus182,
isto é, segundo Marcos, segundo Lucas, segundo João183, isto é, segundo a lenda e
a tradição grandemente pervertida e esquecida, e, por isso, sujeitos à crítica
científica, que têm encontrado divergências, supressões, acréscimos, imprecisões
de datas e de fatos, contradições e incoerências a granel.
Não é demais dizer que, por ocasião do Concilio de Nicéia, que resolveu a
questão adotando somente aqueles quatro livros, eram cerca de 30 os alfarrábios
que tratavam do mesmo assunto e pertenciam a 30 seitas diferentes, escritos alguns
pelos outros oito apóstolos, como Barnabé, Judas, Tiago, Pedro, havendo muitos
outros apócrifos, mas cuja contextura não agradou.
De fato, reunidos nesse Concilio 318 bispos e arcebispos e não se
conseguindo ao cabo de alguns anos, de acaloradas discussões, em que ferviam
epítetos insultuosos, chegar-se a um acordo pelas incoerências e contradições
verificadas naqueles escritos, o Papa resolveu o seguinte: "Colocar-se-iam debaixo
do altar todos aqueles alfarrábios, o Cenáculo se concentraria, como nas sessões
espíritas, invocar-se-ia o espírito do próprio Cristo, e se lhe pediria indicar, por um
milagre, qual ou quais daqueles livros que deveriam ser considerados verdadeiros".
181 Mateus IX, 9.
182 ALTA — Saint Paul — Le christianisme en l'an 51.
183 RENAN — La vie de Jesus.
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Assim foi feito: os livros foram atirados para baixo do altar, a invocação se
fez, e... após um tempo mais ou menos longo... aparecia sobre o altar os quatro
livros que hoje servem de colunas sustentatórias da tiara do Papa.
Se isso não se parece com espiritismo, então, com fraqueza, tem muita
semelhança com... feitiçaria!
Ora, se apenas há um século [período referente à edição original],
desconhecemos, por falta de provas positivas, a vida, o martírio e, sobretudo, o local
do suplício de Tiradentes, protomártir da República brasileira, fácil é de calcular o
que não seria há dois mil anos, em que os meios de se consignarem os
acontecimentos eram muito deficientes; razão pela qual, também, não é possível
achar-se nos livros do Novo Testamento a prova de que Jesus fosse crucificado por
ordem do procurador Pilatos pelas imediações do 14° ano de Tibério, nem o
verdadeiro local do seu suplício, por serem falsas todas as indicações do Templo de
Cristo, em Jerusalém, conforme teremos ocasião de estudar mais adiante.
Esses quatro evangelhos e os Atos dos Apóstolos estão saturados de
judeu-cristianismo, e o Apocalipse de João, que lhe adicionaram, encobre a chave
dos mistérios.
Ademais, em que se firma fundamentalmente o Catolicismo?
Nesses chamados Evangelhos.
E que vêm a ser, em suma, esses evangelhos?
Um resumo da tradição oral, contada por gerações de anciãos, que
suprimiam ou acresciam, como sempre sucede a quem conta um conto, fatos
criados pela imaginação do povo, de acordo com os sentimentos de cada um,
coordenados por escritores judeus, que compuseram, igualmente, um evangelho
chamado: "Evangelho dos hebreus", que, por seu turno, serviu de base aos quatro
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adotados pela Igreja, e isso, repitamos, 150 anos depois da ressurreição, e não um
código social ou religioso ditado ou escrito por seu fundador ou pelos apóstolos,
indoutos e iletrados como eram (Atos IV, 13).
Tais evangelhos são um amálgama de simbolismo, de fatos contados sem
ordem, sem critério, com frases evidentemente copiadas umas das outras, cheios de
contradições, repletos de incoerências, em que abundam as ambigüidades
charadísticas, com supressões de textos que suspendem, ex-abrupto, o sentido
lógico da oração.
E quem o diz não somos nós somente. Entre inúmeros estudos,
citaremos, não um antagonista do Catolicismo, como costumamos fazer, mas um
dos seus maiores apologistas, Maurice Goguel184: "Sem negar que a censura oficial
ou oficiosamente exercida pelos cristãos pudesse ter feito desaparecer muitos
textos, que seriam preciosos para os historiadores, não pensamos que os destroços
que ele possa ter ocasionado fossem tão grandes quanto o supõe Eisler". Santa
ingenuidade!
"Ninguém mais do que nós é sensível às lacunas e insuficiências da
Ciência atual do Novo Testamento."
O já citado apologista católico, Sr. Alfred Poizat185, igualmente, assim se
exprime: "O conjunto dos Evangelhos é composto de retalhos entre os quais há
vácuos, mais do que vácuos, verdadeiros buracos e numerosas obscuridades que é
preciso esclarecer."
Há nos Arquivos do Vaticano muitos outros evangelhos que foram
rejeitados, uns por falarem da infância de Jesus, de um modo por demais
184 Jesus et le messianisme politique — 1931.
185 La Vie et l'CEuvre de Jesus.
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maravilhoso, outros relatando, mesmo, que Jesus teria dado a morte a um
companheiro em um momento de cólera.
O primeiro evangelho, dito segundo São Marcos, conforme os estudos de
Renan, parece ter sido ditado por Pedro, por isso é de um laconismo imperdoável,
pois Pedro não dava a menor importância ao nascimento de Jesus, sua genealogia,
sua infância etc., razão pela qual nada disso é encontrado no de Marcos.
Mas os cristãos exigiam um evangelho completo que relatasse tudo
quanto Marcos menciona; mas acrescido do que se ouvia pela tradição.
Foi daí a origem do segundo evangelho, dito segundo São Mateus. O
autor que escreveu esse evangelho tomou por base, sem contestação possível, o de
Marcos, duplicando um grande número de citações que o leitor estudioso encontrará
detalhadamente em Renan186 e em muitos outros escritores. Mateus era judeucristão,
o que faz supor que Marcos também o fosse como Pedro.
O evangelho de Mateus e o de Marcos foram escritos em grego, cuja
língua comparada com a hebraica apresenta certas dificuldades de interpretação,
tanto mais, sendo este último escrito em siríaco, que era a língua que Jesus falava.
O terceiro evangelho, dito segundo São Lucas, que não foi apóstolo nem
discípulo direto de Jesus, mas sim de Paulo, foi escrito muito posteriormente e é
uma composição genuinamente sua, firmada nos ensinos de seu mestre,
antagonista de Pedro, João e Tiago, de Barnabé e outros, que doutrinavam o puro
judeu-cristianismo de Jesus.
Assim é que, por exemplo, o anjo que apareceu a Jesus no Getsêmani, o
suor de sangue, a cura milagrosa da orelha cortada por Pedro, o comparecimento de
Jesus perante Antipas etc., é de sua exclusiva invenção, pois nada disso se
186 Les Evangiles. pp. 179-180-181.
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encontra nos outros evangelistas que, pré-supostamente, poderiam ter assistido a
esses acontecimentos, ao passo que Lucas bem longe dali estava e nem sequer
ainda cogitava isso.
A própria frase: "Eli, Eli, Sabactani..." foi transformada por ele em: "Pai,
em tuas mãos entrego meu espírito".
O Jesus ressuscitado é contado em um pleno artificial e de acordo com o
Evangelho dos hebreus, cuja ressurreição só teria durado um dia e terminado com
sua ascensão aos céus, o que Marcos e Mateus ignoram!
A parábola do joio e do trigo, em que Jesus condena o perigoso e falso
semeador que vem após o legítimo, é omissa em Lucas, porque parecia uma indireta
a Paulo, pela sua predicação contra o judaísmo-cristão de Pedro, João, Tiago,
Barnabé e de Marcos e Mateus.
Os ebionitas primitivos consideravam Paulo como o homem inimigo.
Em Mateus, Jesus detesta Samaria e recomenda aos discípulos de evitar
seus habitantes, pois é o país dos pagãos.
Em Lucas é o contrário: Jesus está em freqüentes relações com esse
povo e dele fala com elogios.
Lucas é o único que fala dos 70 filiados.
Em suma, o evangelho de Lucas é um livro remendado e acrescido pelos
seus adeptos e baseado na legenda, como simples historiador, cujos dados foram
fornecidos pelo seu mestre Paulo, para produzir efeito diferente do dos apóstolos.
O quarto evangelho, dito segundo São João, foi escrito em siríaco.
Hensius, em seu Aristarchus Sacer, nota que João faz alusões ao duplo sentido das
palavras que só existiam em siríaco e não em grego, de onde foi o mesmo traduzido
como convinha à política dos redatores, todos saturados de platonismo.
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João foi sempre contrário à doutrina de Paulo e cumpridor intransigente
da lei Mosaica até 96 anos de sua vida.
Foi preciso que a Igreja recorresse a sutilezas de linguagem para poder
colocar seu livro como o quarto esteio do Vaticano.
Atualmente, porém, em decorrência ao progresso da Ciência, profundos
estudos têm sido feitos a respeito dos quatro evangelhos, resultando ser o de João
considerado apócrifo, contraditório e adredemente preparado, e os três sinóticos
como sendo um relatório da historicidade de Jesus.
O Cristo de João e o Cristo dos Sinóticos não concordam.
Por isso se pode dizer que as palavras do evangelho não são palavras de
evangelho.
Se um dia surgir um escritor de talento que extraia dos quatro evangelhos
as repetições, as viagens, os milagres e deixe somente a parte puramente
doutrinária, verificar-se-á que tudo é da doutrina budista e masdeísta, nem mais nem
menos, como já dissemos e teremos ocasião de provar com um largo confronto.
Esses livros não são, pois, um monumento original construído pelo próprio
Verbo encarnado, para servir de Estatuto a um futuro Culto à sua pessoa, que se
chamaria Catolicismo.
Os evangelhos só tratam da vida social de Jesus e não cogitam
absolutamente da parte teologal, a não ser em uma frase vaga de João: "E a luz era
luz..."
Santo Agostinho, mesmo, disse: "Não acreditaria nos Evangelhos, se eu
não fosse forçado pela autoridade da Igreja". Ora, quem assim fala é um doutor da
Igreja e não o taberneiro da esquina.
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O padre Benevente, escrevendo ao rei da Espanha em 1555, disse:
"Aqueles que não quiserem ouvir de bom grado o Evangelho, que o seja à força". E
Jesus mandou que o pregasse a quem o quisesse ouvir!
Os evangelhos, portanto, nada mais são do que um parco resumo da
primitiva religião da humanidade, da Religião Vera, segundo Santo Agostinho, mal
confeccionados por incompetentes historiadores judeus, que procuravam satisfazer
suas paixões políticas do que consignar fatos históricos para o futuro, o que nada
lhes interessava.
O Evangelho, genericamente falando, não tem a pretensão de encerrar
um dogma desenvolvido, nem de ser um Código doutrinal da religião; ele nada mais
é do que um resumo da Boa Palavra, dita por Jesus no seio do Judaísmo e já
conhecida na Índia.
O Evangelho representa a predica de um judeu, como Jesus,
eminentemente apto ao pensamento e à ação religiosa a respeito de alguns temas
da fé judaica do seu tempo.
Do ponto de vista histórico, o Evangelho não passa de um ponto de
partida da fé cristã, que não deve ser confundido com fé católica.
E que têm realizado no mundo esses famosos Evangelhos em benefício
da humanidade?
Unicamente a discórdia entre os homens e a própria Igreja Católica.
Negá-lo é impossível.
Para isso, insuflada pelo Princípio do Mal, a Igreja Romana obteve dos
evangelhos todas as frases de Jesus que pudessem servir a um programa de
banditismo e de ódio ao gênero humano, como se vê na Bula do Papa Pio V, que
damos em seguida, e as adotaram canonicamente, como se fosse o principal fim do
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meigo nazareno destruir pelo fogo todo aquele que não se submetesse à Igreja de
Roma.
"Caríssimo irmão. Que nenhuma consideração
humana ou divina vos faça parar no caminho em que entrastes;
lembrai-vos de que nosso divino Mestre disse: 'Aquele que
amar seu pai e sua mãe, seu filho ou sua filha mais do que a
mim, não pode ser meu discípulo. O homem deve ter por
inimigo os de sua própria casa, porque eu vim para separar o
esposo da esposa, o filho e a filha do pai e da mãe. Não
penseis que vim trazer a paz à terra, vim trazer a espada:
combatei, pois, por mim sem trégua e sem temor, porque
aquele que conservar sua vida perdê-la-á, e aquele que a tiver
perdido por amor a mim achá-la-á'."
"Que estas santas (!) palavras sejam a regra do
vosso proceder: torturai sem piedade, dilacerai sem
misericórdia, queimai sem dó nem compaixão vosso pai, vossa
mãe, vossos irmãos e vossas irmãs se não estiverem
submetidos cegamente à Igreja Católica, Apostólica,
Romana!!!"
O bom leitor, certamente, dirá que isso só podia ter sido ditado pelo
próprio Satanás, encarnado no corpo desse padre canonizado santo... Pois é este
genuinamente o programa da Igreja Romana. É com essa lógica sofisticada que a
política do Vaticano age. E não há como negá-lo, porque os fatos a confirmam
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diariamente. Só não os vêem os que fecham os olhos para que seus interesses não
sejam atingidos pela luz. Certamente, não foi este o intuito do mártir do Gólgota. Mas
a cúria romana, manejada sempre pelos jesuítas, não podendo suportar as
discussões a que esses evangelhos davam lugar, nos próprios colégios
eclesiásticos, entendeu cortar o nó górdio da questão, criando a infalibilidade do
Papa, organizando catecismo ad-hoc, o que veio piorar a anarquia filosófica que
regia e continua a reger os povos ocidentais.
Estes, por exemplo, no fim do século IV, queriam o apocalipse e os
orientais não o queriam. A epístola de Paulo aos hebreus foi o contrário, os orientais
a queriam e os ocidentais não a queriam.
De As Religiões Comparadas, editada pela Cruzada Espírita, extrairemos
agora uma comunicação feita pelo apóstolo João. Diz ele:
"Se ouvirdes dizer que o Evangelho de Jesus é a
guerra e o derramamento de sangue, eu vos digo, em verdade,
que esse é o Evangelho dos rancorosos e vingativos, mas não
o de Jesus, que amou os homens e lhes pregou a paz. Se vos
disserem que o Evangelho é o fausto, as riquezas, as
comodidades dos ministros da palavra, eu vos digo, em
verdade, que esse é o Evangelho dos mercadores do Templo,
mas não o de Jesus que recomendou aos seus discípulos a
pobreza de coração e o desprendimento dos bens da Terra. Se
vos disserem que o Evangelho é a sua água, as mãos
levantadas aos céus, as pancadas no peito, as formas e o culto
externo, eu vos digo, em verdade, que esse Evangelho é o dos
hipócritas, mas não o de Jesus, que recomendou o amor e a
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adoração a Deus em espírito e em verdade. Se vos disserem
que o Evangelho é a resistência às leis e aos princípios que
governam os povos, eu vos digo, em verdade, que esse
Evangelho é o dos rebeldes e ambiciosos, mas não o de Jesus,
que mandou dar a César o que era de César e a Deus o que
era de Deus”.
“Se vos disserem que o Evangelho é a intolerância,
o anátema, a perseguição, a violência e o ódio, eu vos digo, em
verdade, que esse Evangelho é o da Soberba e da Ira, mas
não o de Jesus, que rogava ao Pai de Misericórdia pelos seus
mortais inimigos".
Pergunta o padre E. Loyson187−188: "Devemos acreditar no Cristianismo,
senhores?"
Então interroguemos, não o direito canônico fabricado pelos papas ou
fabricado para eles, não os decretos dos inquisidores ou as apologias dos frades,
mas Jesus Cristo, nosso único Mestre, o Filho do Deus Vivo!
Que diz ele na sua Igreja?
Ele nos responde claramente: "Não dominadores, mas servidores de seus
irmãos; não carrascos, mas mártires; não o fogo, nem o gládio, nem lobos que
devoram, mas cordeiros que se deixam devorar!"
Eis o Evangelho, eis a raça e os tempos novos.
187−188 Ni cléricaux, ni athées — pp. 178-182.
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"O mal de que sofrem os católicos é o esquecimento
de suas origens."
O mal do Catolicismo são seus dogmas, seu catecismo, sua liturgia, seus
ritos, seu comércio e suas pompas carnavalescas, criadas para empolgar a massa
ignara.
O dogma não admitindo a lógica nega o direito que assiste ao homem de
raciocinar.
Eliminai do pensamento do crente a esperança de um céu e o temor de
um inferno e o culto desaparecerá e, conseqüentemente, o padre, pois, onde o
negócio não rende, a casa tende a fechar.
O aparato e a indumentária do padre, o órgão e o incenso, são criações
do Paganismo para impressionar a vista, o ouvido e o olfato, empolgando desse
modo o espírito em um efeito hipnótico.
Suba este mesmo padre ao altar, vestido de paletó ou fraque, sem órgão
e sem incenso e digam-nos, em boa consciência, se o efeito é o mesmo. É possível,
até, que a dignidade do celebrante venha a acabar, um dia, numa risada irreverente
e impiedosa, pelo desalinho da jaqueta ou pela tortura do tacão da bota, e,
sobretudo, como é crença geral na camada iletrada, se ele bater no chão com o pé
esquerdo, ao dizer missa, como que repelindo o diabo, que o está denunciando por
viver amancebado! É a mula-sem-cabeça!
Todos os legisladores ou reformadores de povos, como Rama, Manu,
Zoroastro, Krishna, Gauthama-Buda, Tsong Kaba, Fo-Hi, Lao-Tsé, Confúcio, Moisés,
Orfeu, Pitágoras, Platão, Sócrates e mesmo Maomé, além de muitos outros sem a
importância universal que estes têm, escreveram suas doutrinas ou condensaram e
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explanaram a de seus mestres, e só Jesus nunca escreveu coisa alguma, porque ele
nada criou, nem destruiu, mas simplesmente realizou a religião dos Dez
Mandamentos, conhecidos por todos os povos da terra e a Lei Social instituída por
Moisés e por aqueles legisladores.
Acresce dizer que, se Jesus nada escreveu, é porque não valia a pena
deixar coisa alguma escrita à posteridade, pois o mundo tinha de acabar com a
geração de sua época, conforme ele profetizou, bordando, mesmo, alguns detalhes,
como veremos no artigo "Fim do Mundo" e fez com que seus discípulos e Paulo,
principalmente, não cuidassem de outra coisa senão em esperar o próximo dia em
que ele teria de voltar sobre as nuvens para julgar os homens em um juízo final.
Orfeu, Moisés e Fo-Hi foram os três personagens escolhidos pela
Providência para serem os portadores da sua Lei — difundida pelo patriarca Rama,
mas já esquecida.
Se a Providência tivesse julgado oportuno, tê-los-ia reunido em um só
homem e, nessas condições, é possível que houvessem tornado conhecida a
Divindade absoluta.
Moisés com sua insondável Unidade; Orfeu com a infinidade de suas
faculdades e de seus atributos e Fo-Hi com o Princípio e o Fim de suas concepções
— isto é, Deus é um, indivisível e eterno, cheio de faculdades e atributos, cujo
Princípio reside no Amor e cujo Fim é irmanar os homens.
Orfeu criou as artes e desenvolveu o espírito humano na apreciação do
Belo; Moisés concentrou-lhe o espírito na adoração do seu criador, e Fo-Hi domou
os ímpetos do coração, revelando os mistérios das existências sucessivas.
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F. E. Krauss189 diz que Lao-Tsé e Confúcio, duas grandes personalidades
que viveram nos séculos VI e V a.C, não foram os fundadores, nem de uma religião,
nem de uma filosofia; eles nada criaram que fosse novo em sentido algum e não
tivesse já preexistido.
Um e outro coordenaram, simplesmente, em uma doutrina, os elementos
existentes desde um insondável passado, cada qual patrocinando um lado especial
para lhe atribuir a suprema importância.
Enquanto Lao-Tsé formulava o sistema chinês em uma especulação
teórica, King-Fu-Tse (Confúcio) o orientava para a conduta da vida prática. Um
estabeleceu, pois, a filosofia individualista, baseada no indiferentismo pessimista, e o
outro, uma moral prática, concedendo à vida um valor positivo e ativo.
Confúcio dizia: "Quando se comparam as palavras dos Santos Homens
que pertencem às três religiões da China, dir-se-ia que elas saíram da mesma
boca".
Assim saiu a essência dos Evangelhos de todas as religiões do Mundo
Incoerências e Contradições dos
Evangelhos
Se fôssemos destacar todas as contradições e as incoerências dos
Evangelhos, o resultado forneceria matéria para um folheto muito volumoso, o que
desgostaria, sobremodo, Santo Agostinho, se fosse vivo, pois, bastava lhe uma só, e
desgostará certamente muitos católicos sem marca, na expressão do padre Júlio
Maria; contudo, pegaremos algumas, com o fim de provar que as quatro colunas do
189 Les Religions du Monde — p. 85 — 1930.
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Vaticano não são inabaláveis como dizem, e proporcionaremos, assim, um ensejo
para fazer meditar um pouco nossos benévolos leitores adversos.
Uma das incoerências que se notam logo em Mateus IX, 9, que prova que
tal evangelho não foi escrito por ele, é quando o fazem dizer: "E Jesus, passando
adiante, viu sentado na alfândega um homem chamado Mateus e disse-lhe: 'Segueme'.
E ele, levantando-se, o seguiu". Ora, quem escreve de si próprio não emprega o
pronome na terceira pessoa.
A primeira incoerência, como já temos repetido tantas vezes, é de não
serem esses quatro livros os únicos que se escreveram a respeito do assunto; eram,
segundo uns, cerca de 50; conforme outros, de 30.
A segunda é terem sido todos esses livros escritos 150 anos após a
ressurreição por adeptos que se guiavam em uma tradição oral, viciada pelo
decorrer do tempo.
A terceira é terem esses quatro livros sido escolhidos pela forma por que
já dissemos, depois de manuseados quatro ou cinco vezes, até chegarem a ser
expurgados de tudo quanto pudesse ir de encontro à facção vencedora, antijudaica,
pelo menos de um modo por demais patente. Daí as interrupções dos discursos, os
saltos etc.
Comecemos nossa catação:
Mateus, Marcos e Lucas dizem que Jesus pregou sua doutrina somente
por um ano, e João diz que ele levou três anos a pregá-la. Ora, a diferença é assaz
notável para admitirmos falta de memória.
A respeito da lenda da Virgem Maria, há contradição entre Mateus e
Lucas: Mateus diz que José habitava Belém, e só por acaso é que foi a Nazaré, na
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sua volta do Egito. E Lucas diz que José habitava Nazaré e para lá voltou depois de
ter ido ao templo fazer a apresentação do menino.
Mateus, que desconhece a visita dos pastores, diz que os Magos
chegaram logo após o nascimento de Jesus, e em seguida à partida de José para o
deserto eles se retiraram, Lucas, que desconhece a história dos Magos, diz que os
pastores chegaram logo após o nascimento de Jesus, e diz que José esperou 40
dias em Belém antes de apresentar seu filho ao templo, de onde ele se retirou logo,
não para o Egito, mas para Nazaré, onde ele permaneceu.
Apesar das torceduras que a Igreja quis dar a esses trechos, nunca ela
conseguirá conciliar a partida imediata de José, de Belém para o Egito, em Mateus,
e a permanência em Belém durante 40 dias, depois do que, ele vai, não para o
Egito, mas para Nazaré.
Em Mateus, José tem por pai Jacó, com 28 gerações desde Davi. Em
Lucas é Heli, o pai, com 40 gerações desde Davi. Nas duas genealogias unicamente
dois nomes é que conferem: Zorobabel e Salatiel, o restante é uma balbúrdia.
A questão da legalidade paterna de Jesus azedou-se no terceiro século,
quando Júlio Africano entendeu solucionar o caso do pai legal, em Lucas, e do pai
legítimo, em Mateus; mas, depois de procurar estabelecer uma sentença final, ele
teve de abandonar sua lógica por duas vezes. A Igreja de hoje vacila e joga com pau
de dois bicos; mas o simples fato dos apóstolos se darem ao trabalho de procurar
uma genealogia para Jesus prova, exuberantemente, que eles acreditavam na
verdadeira paternidade de José e nem cogitavam de sua filiação carnal com Deus,
pai, e ainda menos na intervenção do Espírito Santo, completamente desconhecido
naquela época, pelos judeus.
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Vejamos mais algumas, extraídas do conciso estudo de Alber J.
Edmunds, I Vangeli di Budda e di Cristo, traduzido do inglês para o italiano pelo
professor M. Anesaki, da 4ª edição de Filadélfia em 1908, cuja propriedade literária é
do editor Sr. Remo Sandron. Faremos um confronto entre os Evangelhos e os livros
sacros da Índia, produzindo assim dois fins: um de tornar conhecido o belo e
profundo estudo daquele escritor, mestre em sânscrito e línguas orientais, e outro o
de permitir ao leitor poder mais facilmente tirar suas conclusões.
Assim:
Marcos I, 39 — diz que Jesus ensinou em toda a Galiléia e Lucas IV, 40
diz que ele ensinou na Judéia.
Lucas XVIII, 35: Jesus curou um cego e Mateus XX, 29, diz que foram
dois.
Marcos diz que muitos foram curados, o que significa dizer que nem todos
o foram; mas Mateus diz que ele curou toda doença e enfermidade.
Lucas XXIII, 26 — Mateus XXVII, 32 — Marcos XV, 21 concordam que foi
Simão, o Cirineu, quem levou a cruz ao Calvário e não Jesus que a deixou cair logo;
mas João XIX, 17 diz que foi Jesus quem a levou ao ombro, sem nada mais explicar.
João diz que Jesus morreu no dia 14 de Nisan; Lucas, Mateus e Marcos
dizem que foi no dia 16.
D. F Strauss190 nota que Jesus, pelos Evangelhos, se contradiz a cada
passo: por exemplo, quando ele começou a reunir os apóstolos, proibiu-lhes que se
dirigissem aos pagãos e samaritanos, e, mais tarde, nas suas viagens a Jerusalém,
pela sua parábola do bom samaritano e pela cura de dez leprosos, ele apresentou
aos discípulos os membros desse povo estrangeiro como modelo. Depois da
190 L'ancienne et Ia nouvelle Foi.
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parábola do real festim das bodas, predisse a reprovação dos judeus endurecidos,
substituindo-os pelos pagãos; e, finalmente, depois da sua ressurreição, ordenava
ainda aos apóstolos de anunciar o evangelho a todos os povos sem exceção.
Mateus XVIII, 15 "... repreender seu irmão sem testemunha". Paulo, Tim.
1, 5 a 20, ... manda repreender perante todos.
Mateus XXVII, 44 e Marcos XV, 32 dizem que os dois ladrões crucificados
ao lado de Jesus o insultaram. Lucas XXVIII, 39,42 diz que foi um só que o insultou.
João nada diz a respeito, o fato não tinha a importância que teve depois para Lucas,
que, aliás, lá não esteve. Sobre a frase do outro ladrão, o Catolicismo bordou um
poema.
Marcos V, 2 — Lucas VII, 27 dizem que surgiu um homem endemoniado.
Mateus VIII, 38 diz que foram dois.
João XVI, 30... que Jesus sabe tudo. Marcos XIII, 30, 31 ... ninguém sabe
quando há de ser, nem os anjos, nem o Filho, mas só o pai.
João V, 31... "se eu dou testemunho de mim mesmo, não é verdadeiro
meu testemunho". João VIII, 14... "ainda que eu mesmo sou o que dou testemunho
de mim, meu testemunho é verdadeiro!"
Mateus e Paulo "... Deus prepara as tentações". Tiago... "Deus não tenta
ninguém".
Paulo (Rom.) ... as autoridades são todas de Deus.
Pedro XIII, 1... as autoridades são todas dos homens.
Lucas I, 70 — Zacarias profetizou dizendo: "Como falou pela boca de
seus santos profetas desde o princípio do mundo". Atos III, 21, Pedro arroga a si
esta frase.
245
Lucas I diz que relata o curso dos acontecimentos, e, pouco depois (1,
65), diz que colheu tudo da tradição na montanha da Judéia.
Marcos XVI, 7, diz que Jesus apareceu na Galiléia; mas Lucas XXIX, 36
diz que foi em Jerusalém.
E a Igreja Romana tem a coragem de apregoar que os Evangelhos são de
inspiração divina!
Já Santo Agostinho, considerado o mais douto e mais santo da Igreja,
apesar de uma vida de libertinagem e de viver amancebado e com filhos, retratandose
a cada passo (Retratações) do que asseverava antes (confissões), disse, em sua
72º carta a São Jerônimo que, se em qualquer livro da Escritura sagrada se
encontrasse uma só falsidade, uma só contradição, ficaria perdida toda a certeza
do livro.
Então? Não basta este pequeno confronto?
No correr deste estudo haveremos de apontar mais algumas.
O que, porém, não pode admitir contestação é que a doutrina católica é
diametralmente oposta à doutrina de Jesus.
Todas as palavras que Jesus pronunciou, todas as máximas e sentenças
que proferiu, todas as parábolas com que ele respondia às perguntas sem responder
ao pé da letra, já tinham sido escritas por aqueles reformadores, e ainda se
encontram textualmente nos respectivos livros da Índia, da Pérsia, do Egito e da
China.
Diz o padre jesuíta Wallace191: "o católico não se tem compenetrado de
que o Sanatana — Dharma192, é o natural pedagogo que conduz ao Cristo".
191 De l'Évangile au catholicisme par Ia route des Indes.
192 Livro Védico.
246
"O Cristianismo é a religião que reinava nos tempos
patriarcais e será a do fim."
"Res ipsa, quoe nunc religio Christiana nuncupatur
erat apud antiquos, nec defuit ab initio generis humani,
quousque Christus veniret in carnem unde vera religio quoe jam
erat, coepit appellari Christiana."
Quem poderíamos achar de mais autorizados para confirmar o que temos
dito?
Todo nosso estudo é encerrado nessas sentenças que não se parecem
com as do pároco da nossa freguesia.
Para comprovarmos o que acabamos de afirmar, destacaremos, de
passagem, algumas frases e sentenças de Jesus que se encontram textualmente
naqueles livros védicos.
Assim:
O budista e o lamaísta acreditam na reencarnação, pois o Grande Lama é
o primeiro Buda que renasce e morre.
Jesus acreditava na reencarnação, tanto que disse que renasceria para
cumprir a Lei e julgar os homens no juízo final. "E, se eu for... voltarei", disse João.
Quando uma vez, referindo-se a João, disse: "Se eu quero que ele fique,
que tendes vós com isso". Mas João não ficou, morreu com 96 anos. Em outra
ocasião, disse ele: "Para obter o reino do céu, é mister nascer outra vez". E ainda:
"Elias já esteve entre vós e não o conhecestes". No Bhadaramyaka, lê-se: "O
brâmane, despojando-se de tudo que o tornou sábio, deve tornar-se criança".
247
Jesus disse: "Quem quiser obter o reino do céu, tem que se tornar
criança".
Buda: "Eu sei que um reino me é destinado; mas eu não reclamo reino
deste mundo".
Jesus: "Meu reino não é deste mundo".
Buda, quando menino, foi encontrado debaixo de uma árvore ensinando
anciãos e jovens discípulos.
Jesus foi igualmente encontrado, ainda criança, ensinando no templo.
Buda disse: "Que aqueles que têm ouvido para ouvirem, ouçam".
Jesus empregou a mesma frase.
Buda proibiu a seus discípulos de produzir milagre, mormente para
impressionar o povo; o único milagre que lhes exigia era o seguinte: "Escondei
vossas boas ações e confessai publicamente vossas faltas".
Jesus (Mateus VIII, 11, 12): "Em verdade vos digo que não será dado
sinal algum a essa geração".
Buda: "Não deveis manifestar o poder psíquico, nem operar milagres,
mormente ante leigos. Quem o fizer, será culpado".
Jesus relutava sempre em dar sinais e pedia aos que curavam que nada
dissessem.
Confúcio* quando desanimava ante o indiferentismo do povo, como
tantas vezes sucedeu a Jesus, consolava-se dizendo: "O céu me conhece".
Jesus exclamava igualmente: "O Pai me conhece".
Buda tinha um discípulo chamado Ananda, tão estimado por Buda, como
o foi João por Cristo.
* N. do E.: Sugerimos a leitura de Aforismos de Confúcio, de Confúcio, Madras Editora.
248
Ananda, após um longo passeio pelo campo, encontrou Mâhangî, mulher
de humilde classe dos kandatas; ela está junto a uma fonte e ele pede-lhe um pouco
de água. Ela diz-lhe quem é e que se não deve aproximar dela. Mas ele respondelhe:
"Minha irmã, eu não indago da sua casta ou de sua família, eu te peço só um
pouco de água". Essa mulher tornou-se discípula de Buda. (Max Müller).
Jesus disse uma vez: "Se teu olho direito te escandalizar, arranca-o e
joga-o fora, longe de ti" (Marcos IX, 45, 47).
Buda: "Em um livro sacro da Índia, lê-se a parábola de um jovem padre,
cujos olhos brilhantes e sedutores haviam exercido grande império sobre uma dama
que ele vira, e que, por esta causa, resolveu arrancar seu olho direito e o foi mostrar
à dama para lhe fazer ver quão feio ele era" (Max Müller).
Buda: "O que não quiserdes que vos façam, não o faça a outrem".
Jesus: "Faça aos outros aquilo que queres que te façam". — "Faz o bem
a quem te faz mal" já figurava numa antiga inscrição babilônia.
Jesus aconselhava a mesma coisa.
Cabe aqui um pequeno reparo a respeito do Sermão da Montanha. O de
Lucas é abrupto, direto, rude, revolucionário; o de Mateus é mais atenuado, mais
terno, mais harmonioso em seu desenvolvimento.
Por que essa diversidade de sentimentos?
Buda. Em Savati, na Índia, vivia um homem chamado Sangaravo, que
era um batista, literalmente, homem da purificação com água, que acreditava que
esta purificava o corpo e o espírito, mergulhando-se pela manhã ou à tarde. Buda foi
visitá-lo.
Jesus fez a mesma coisa com João, o Batista.
249
Buda. No decálogo (123 —col. media 14) lê-se: "Bendito sejas,
Majestade, de ti nascerá um filho eminente" (Majestade ou Déa eram sinônimos).
Lucas I, 28 — "Bendita, tu, entre as mulheres."
Buda, não foi virginal, mas milagroso seu nascimento, pois sua mãe Lalita
Vistara se absteve da união por 32 meses, e dez meses depois concebeu, não
podendo, pois, ser humana a gestação.
Jesus. A mesma analogia.
Buda. O Leão da Tribo de Sakya, segundo Thomaz, é o mesmo Leão
da Tribo de Judá. Foi esse Thomaz quem transportou essa frase para o Egito e a
aplicou a Jesus. Esse leão de Judá figura igualmente nos planisférios astrológicos.
O título de Bom Médico dado a Jesus não é cristão; mas, sim, budista e
encontra-se no cânone budista (Suta Nipata, 36 — Tivutikaka), "Médico
incomparável" é a frase.
Jesus. Um homem perguntou a Jesus: "Bom Mestre, que é preciso fazer
para ganhar a vida eterna?". "Guardai os Mandamentos que são: não matarás, não
cometeras adultério, não furtarás, não caluniarás", respondeu-lhe ele (Mateus XIX,
16, 18).
Buda. Um homem perguntou a Buda: "Que é preciso fazer para obter a
possessão de Bodhi? (o conhecimento da verdade eterna)". "Que precisa fazer para
tornar-se Uposaka? Guardar os mandamentos que são: não matarás, não furtarás,
não cometeras adultério, não mentiras", respondeu-lhe o Mestre (Pittakalayar I, III —
vers.).
Jesus foi tentado no deserto pelo diabo.
Buda foi igualmente tentado pelo maligno.
Zoroastro foi, também, tentado por Arimã.
250
Buda: "Eu sou vossa segurança contra o retorno à terra".
Jesus disse que iria preparar o lugar para os justos.
A narração de Lucas, da parábola do filho pródigo, é de origem indiana e
não palestina (Vide Hermon Jacobs. Ed. Joseph Jacobs — Londres, 1889).
Jesus jejuou 40 dias no deserto e foi tentado.
Buda jejuou 28 dias no deserto e foi tentado.
Moisés jejuou 40 dias e foi tentado pelo povo que preferia o bezerro
como ídolo.
Evangelho. Esta palavra é perfeitamente idêntica à indiana: a boa
doutrina — a boa lei — a Boa Nova (Saddharma).
Jesus (Mateus I, 14, 16): "O tempo está maduro, próximo é o reino de
Deus, arrependei-vos e acreditai no Evangelho".
Buda (Dharmagupta Vinaya-Nangid 1117): "Para fundar um Império
Espiritualista, eu vou a Benarés, lá farei tocar o tambor do imortal nas trevas do
mundo".
O primitivo evangelho de Mateus, mencionado por Papia (Euzébio H. E.
III, 39), foi perdido; mas pelo evangelho budista de Itivutaka, que não foi perdido, e
cuja Antigüidade não pode ser contestada, verifica-se a analogia das fórmulas
cristãs com ele, o que denota uma adaptação feita pelos escritores evangelistas
cristãos.
Por exemplo:
No Itivutaka, lê-se:
Buda: "Isso foi dito pelo Senhor (Buda), o Santo, e ouvido por mim".
No evangelho cristão:
251
Jesus: "Isso é a expressão do quanto disse o Senhor (Jesus) e assim
reza".
"Isso é a expressão do quanto disse o Senhor e foi por mim ouvido."
Jesus (Marcos IV, 10, 11, 33, 34): "A vós é dado o mistério do reino de
Deus; mas, aos que estão de fora, todas essas coisas se dizem em parábolas".
Buda (Diálogo 143 — C. T. 28): "Ao pai da família nenhum discurso
religioso é revelado; só é revelado aos eremitas" (discípulos iniciados).
Jesus (Lucas VI, 27, 28): "Amai vossos inimigos, fazei bem a quem vos
odeia, abençoai quem vos amaldiçoa, rogai por quem vos despreza".
Buda (Hino da Fé, 3,5 — C. T. Nanzio 1365): "Enganaram-me,
perseguiram-me, denunciaram-me, derrubaram-me. Quem se justifica agindo assim,
não acalma a própria cólera, nem neste mundo será acalmada a ira com a ira; com a
doçura se acalma tudo. Esta é a antiga doutrina: a cólera se vence com a doçura, o
mal com a bondade, a vileza com a dádiva, o mentiroso com a Verdade".
Jesus (Mateus V, 8): "Bem-aventurados os limpos de coração porque
eles verão Deus".
Buda: "Aquele que anda na solidão por quatro meses ao ano e pratica a
meditação com piedade, verá Deus, com ele conversará e o consultará".
Jesus (Mateus VI, 19, 26) — (Lucas XII, 21, 23): "Não acumular ouro na
terra, que o ladrão rouba; acumular tesouros para o céu".
Buda: "Praticar a Justiça é o Tesouro que ninguém pode dividir, nem
roubar e que não passa".
Jesus (Mateus VII — Lucas XI): "O exterior é caiado, mas o interior é
podridão".
252
Buda: "Andas bem penteado, vestes boa pele de cabra. O exterior é
limpo, mas o interior é a rapacidade".
Jesus (Marcos VI, 7, 13) ... "que fossem sem sandálias, sem bastão, sem
pão, sem saco, sem dinheiro nem duplo vestuário."
Buda aconselhou a mesma coisa a seus discípulos.
Jesus — (Lucas XI)... "designou o Senhor 70 filiados e os mandou dois a
dois pregar a boa nova."
Moisés fez o mesmo com 70 iniciados. Este número tem relação com as
70 nações conhecidas pela geografia judaica e com outras alegorias indianas, como
veremos no "Adendos".
Buda (Disciplina 1, 10, 11). Mandou que 61 dos seus discípulos
andassem dois a dois, por estradas diferentes, proclamar a religião perfeita e pura. A
cópia do número 70 é de Lucas, porque nenhum dos apóstolos refere-se a tal coisa.
Zoroastro: "Quando Deus organizou a matéria do Universo, ele enviou
sua Vontade, seu Verbo, sob a forma de Luz brilhante, acompanhado por 70 anjos".
João diz que: "O verbo se fez carne, o Verbo era a Luz dos Homens".
Jesus (Marcos I, 35): "Jesus se retirou para o deserto".
(Marcos VI, 46,48) "... pela quarta hora da noite."
(Marcos XIV, 37,38) "... não podeis vigiar por uma hora?"
Buda. Foi para o deserto. Vigiou durante a primeira hora, depois durante
a hora média e de novo durante a última hora.
Jesus (Atos X, 10, 11): "Ele teve fome, desejou comer, mas caiu em
êxtase".
Buda: "Quem pratica o êxtase é para ouvir o som divino, isto é, para obter
o Nirvana".
253
O êxtase de Atos é acidental, o de Buda é constante.
Jesus (Lucas VI, 20 — IX, 58) — (Mateus VIII, 30) Aconselham a
pobreza.
Buda (Hino 91,421) Aconselha a mesma coisa.
Jesus (João II, 14, 24, 26): "A fé separada da obra é letra morta".
Buda: "Rigorosa conduta e rigorosa Fé; sem uma a outra nada vale".
Jesus (Paulo — Gálatas, III, 28 — Marcos III, 34, 35 — João XV, 14, 15)
— dizem, por paráfrase: "Seja judeu, grego, escravo ou liberto, todos são um em
Jesus Cristo".
Buda (Enumeração V, 5): "Seja o Gange, o Jaina, o Rapti, o Gogre, o
Mahi, quando deságuam no grande oceano, perdem seu nome e se consideram
como o portentoso mar. O mesmo se dá com o Nobre, o Bramine, o Mercador ou o
Escravo, quando abandonam a vida domestica pelo ascetismo, renunciando ao
próprio nome e à estirpe, para abraçarem a doutrina de Buda".
Jesus (Mateus XXV, 44, 45): "Quem bem fizer a um doente, a mim o faz".
Buda: "Quem assistir um enfermo, assiste a mim".
Jesus (João VI, 60): "Duro é este discurso, quem o pode ouvir? E muitos
discípulos se afastaram".
Buda (após um discurso): "Duro é o Senhor, muito duro é o Senhor. E
seus discípulos se afastaram".
Jesus (Lucas XIX, 37, 38) Toda a descrição acerca da entrada triunfal em
Jerusalém acompanha paralelamente a descrição Pali da entrada de Buda.
Jesus (João VII): "Quem crer em mim, fará sair fogo da água viva".
Buda: "O milagre de Tathagato (termo equivalente a Cristo) consiste em
fazer sair fogo da parte superior do corpo e água da parte inferior e vice-versa".
254
Jesus (Mateus XVII, 20, 21): "... se tivésseis fé como um grão de
mostarda, direis a este monte: passa daqui para acolá".
Buda (C. N. VI, 4): "Com a fé se move o Himalaia".
Jesus (Mateus VIII, 16 — Marcos I, 34 — João XV, 20) Falam a respeito
da fé que cura.
Buda (CCXLVI, 14) Discorre acerca do mesmo assunto.
Jesus (João XVI): "Mas tende bom ânimo, eu venci o mundo".
Buda (CCXXII): "Nasci no mundo, cresci no mundo e tendo vindo ao
mundo, aí morro imaculado".
Jesus (João VIII, 12): "Eu sou a Luz do Mundo".
Buda (Livro do Grande Morto): "Depressa o Senhor entrará no Nirvana.
Depressa a Luz do Mundo se extinguira".
Zoroastro já havia dito que Deus mandara seu Verbo, a Luz do Mundo.
Jesus (João VI, 46 — VII, 29): "Não que alguém visse o Pai, senão
aquele que é do Pai; este tem visto o Pai. Eu conheço-o porque dele sou e ele me
enviou".
Buda: "Conheço tanto Deus como seu reino; quanto a via que para lá
conduz, eu a conheço por ter entrado no reino do céu".
Jesus (João XII, 34): "Ouvimos dizer na Lei que o Cristo volta para
sempre".
Buda: "O Tathagato (equivalente a Cristo) pode ficar na terra para
sempre”.
Jesus (Mateus XXVII, 51): "... e tremeu a terra e fenderam-se as pedras"
(na morte de Jesus).
255
Buda: "Quando o Senhor entregou sua Vida ao Nirvana, houve um
grande terremoto, terrível e fulminante".
Jesus (João XIV, 6): "Quem me vê, vê meu Pai".
Buda: "Aquele que vê a doutrina, me vê".
Jesus (João XI, 26): "Quem vive e crê em mim, não morrerá".
Buda: "Quem crer em mim está certo de ter a salvação final".
Jesus (Marcos IX, 2, 8): "... e seus vestidos tornaram-se resplandecentes,
muito brancos, como a neve. E ouviu-se uma voz que dizia: Este é meu filho amado,
a ele ouvi".
Buda (dial. 16. C. I. 2): "Quando eu pus sobre a pessoa do Senhor (Buda)
as vestes de pano e ouro, toda sua pele foi iluminada e era Incomparável, e Santo
Anando disse: 'A ele ouvi' ".
O Pratikarya-sutra conta que Buda mostrava-se à multidão com essa
aparência luminosa. O mesmo contam de Moisés sempre que saía do santuário.
Jesus (Marcos XIII, 31): "... o céu e a terra passarão; mas minha palavra
não passará".
Buda: "Sete sóis passarão, uns após outros, numa imensidade de tempo
incomensurável, e minha doutrina existirá".
Jesus (Mateus XIX, 28): "Quando o filho do homem sentar-se no trono da
sua glória, também vos assentareis para julgardes as 12 tribos de Israel". (O que
prova que Jesus vinha salvar e julgar este povo e não a humanidade inteira.)
Buda: "Quando tudo for consumado, me vereis cheio de esplendores
(Isso foi dito aos seus discípulos)".
256
Jesus (Lucas VII, 16, 19 — Mateus II) (referindo-se a João Batista
quando este mandou dois discípulos indagar de Jesus): "Serás tu que esperamos ou
devemos esperar outro?" (Jesus respondeu): "Dizei-lhe que os cegos vêem etc.".
Buda (dial. 3, C. T. 20) "Pokkarasadi (análogo a João Batista) mandou
seu discípulo Ambattho indagar de Buda se ele era de fato o santo que todos
esperavam. (A resposta deste foi): ‘Aquilo que vos digo não ouvi de ninguém, nem
de filósofo, nem de Brahma, mas daquele que eu conheço, vi e compreendo.’ “
Ascensão — Atos I, 9: "E havendo dito estas coisas, foi elevado às
alturas e uma nuvem o ocultou".
Buda — Enunciação VII, 6 — São Dalbo disse a Buda: "Estou no ponto
de entrar no Nirvana. Então São Dalbo saudou o Senhor e, colocando-se à sua
direita, elevou-se ao céu e manteve-se nesta atitude de meditação, no éter, no
empíreo, e, meditando acerca da natureza da chama, passou-se para o Nirvana".
Essa passagem tem muita coincidência com a frase de Lucas XXIV, 26.
Jesus — Lucas XVIII, 8: "Quando vier o Filho do Homem, porventura
achará Fé na terra?"
Buda — Coll. Num. V, 79. CTNC 468 — Ch. p. NC. 123,470 e 766. "A
disciplina e a doutrina se corromperão ao cabo de 500 anos".
Jesus — João VIII, 12: "Eu sou a luz do mundo".
João IX, 5, 6: "Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo".
Buda — Livro da Grande Morte — Tradução S B E, volume XI, p. 119,
122, 127. "Depressa o Senhor entrará no Nirvana". "Depressa a luz do mundo se
apagará."
Coll. Classif. LVI, 38. (Resumindo) "Quando um Buda surge, findam as
trevas, é a luz do mundo que aparece."
257
Mais analogias
A realeza divina ou sacerdotal é que constituía o que chamavam Homem-
Deus.
A ceia do Cristo é uma comemoração do Êxodo dos israelitas, como a
última ceia de Buda perpetua uma prática igualmente antiga.
Jesus — Pilatos: "Serás tu um Rei?"
"Tu o dizes, eu sou rei. Nasci, vim ao mundo para testemunhar a
verdade."
Buda — Coll. dei Sutta e Coll. Med. Dial. 92:
"Eu sou um rei. Um incomparável rei da religião, etc. — Sou médico
incomparável. Divino, além de tudo. Destruidor do demônio etc.".
In illo tempore dixit Jesus é a frase latina dos evangelhos, para significar
que assim falava Jesus naqueles tempos.
No Itivutaka, lê-se constantemente:
"Isso foi dito pelo Senhor (Buda) e ouvido por mim (Ananda)". "Isso é
exatamente o significado do que disse o Senhor e foi ouvido por mim."
Jesus. Se Jesus pregava o reino do céu, não se compreende que ele
falasse ao povo por parábolas, as quais, depois, eram explicadas aos discípulos,
que, aliás, nem assim chegavam a compreendê-las (Marcos IV, 10, 11,33,34).
258
Buda — Coll. Med. Dial. 143, C T 28.
"Ao pai de família nenhum discurso religioso é revelado, mas sim ao
eremita (pabbajîta)”.
Elias foi arrebatado aos céus, tal qual sucedeu a São Balbo, na Índia, pelo
próprio Buda.
O episódio dos peixes é puramente budístico, com a diferença que, no
texto indiano, está escrito cinco mil peixes, ao passo que Marcos e Mateus
diminuíram para quatro mil e, além disso, se contradizem.
A lenda do Lázaro dos evangelistas é a mesma dos vedas, cuja descrição
levaria longe.
O milagre das bodas de Cana ó uma paródia das três jarras cheias de
água que Baco, na Índia, transformara em vinho.
A primitiva tradição do evangelho de Cristo começa com a pregação de
João, o Batista (Atos I, 22).
Marcos e João não se relerem à infância de Jesus. Há, porém, um
evangelho da infância de Jesus recusado pelos Concílios.
Os "Atos" e as Epístolas não contêm alusão alguma à virgindade de Maria
e ao nascimento de Jesus.
Marcos, não se referindo ao nascimento virginal de Jesus, deixa, portanto,
de o reconhecer, tanto assim que, em I, 10, ele relata que o Espírito Santo entrou em
Jesus, no ato do batismo, do qual se segue que sua filiação divina só foi
reconhecida por Deus dessa ocasião por diante. Assim, dizem:
Marcos I, 9,11: "Tu és meu filho dileto, em ti me comprazo".
Lucas III, 22: "Tu és meu filho dileto, em ti me tenho comprazido",
segundo uns tradutores, e, segundo outros: "Em ti hoje me comprazo", de acordo
259
com o que dizia Justino Martyr: "Tu és meu filho dileto, hoje te hei adotado", como
também se acha escrito em Atos XIII, 33: "Meu filho és tu, hoje te gerei".
Buda disse que sua doutrina duraria ainda 500 anos, até a vinda de outro
Buda. É exatamente o intervalo que separa a morte do último Buda ao nascimento
de Jesus.
A esse respeito diz Saint-Yves: "Os ciclos de mil anos são cromáticos e
se harmonizam em períodos similares de oitavas, de 500 anos. Sua harmonia ou
triplicidade se efetua por três milênios espaçados em períodos de 600 anos193".
Foi assim que, de Pitágoras a Herócles, se estendeu um milênio e o
Paganismo mediterrâneo viveu, arrastando na sua morte, depois de as ter
aniquilado, a maior parte das divisões étnicas do antigo império patriarcal, ele
mesmo em decadência um milênio antes de Pitágoras.
Este milênio se divide em dois períodos de 500 anos. De Pitágoras a Júlio
César, 500 anos. A apoteose de Nimrod (o militarismo) é renovada. Todo o antigo
Paganismo oriental é completamente refletido e agravado no Ocidente. Foi então
que o Verbo adorado pelos patriarcas se encarnou e ressurgiu n'Ele, acima de toda
a humanidade, toda sua tradição, toda sua Revelação passada ou futura.
Cinco séculos depois, continuando sua obra do alto do trono do Invisível,
ele arrancou a apoteose aos Césares, rendendo a Deus o que pertence a Deus: o
Princípio, a Lei, a Razão ensinante e a Razão social da Humanidade.
Desde então, a testa dos Césares é curvada por Ele, sob a potência
espiritual dos apóstolos, representados pela ressurreição de um patriarca Universal
e de outros tantos patriarcas quanto igrejas étnicas.
193 O Arqueômetro, Apêndice I.
260
Foi então que apareceu Herócles. Cinco séculos depois dele, todas as
raças étnicas, aniquiladas pela Roma paga, são ressuscitadas sob a bênção dos
patriarcas de Jesus Cristo, e sua vivificação se encaminha para a realização da sua
civilização, do seu Estado Social, da sua promessa do Reinado de Deus sobre a
terra como no Céu.
Todas as nações revivem com o sopro evangélico, França à frente.
Cinco séculos depois, o Antiverbo, o grande Adversário, faz surgir o
Espírito pagão do seu Inferno: é a Renascença — humanista paga.
Cinco séculos ainda e a Unidade da Europa está a tal ponto destruída,
que todo este continente está doravante à mercê da Ásia e da América.
E em outra página, como corolário, lê-se: Depois das maiores catástrofes,
de guerras, sangue e luto, a Europa pode espetar no Cabo Finisterra uma bandeira
com o seguinte letreiro: "Continente a Vender". Terrível profecia realizada.
Muito mais citações poderíamos apresentar aqui; mas parece-nos que
bastam estas para satisfazer a curiosidade do leitor e provar, suficientemente, que
os Evangelhos são um repositório de adaptações, de simbolismos, de incoerências e
de contradições, que lhe tiram o sabor da originalidade e ainda menos o de
Inspiração divina, como quer o Catolicismo.

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